Quero falar de um evento que acontece todos os dias em minha casa, mas que, como um insight, trouxe-me à tona questionamentos profundos. Entretanto, antes eu gostaria de fazer uma pequena consideração sobre um aspecto valioso da nossa existência.

#VocêJáParouParaPensar? A vida acontece o tempo todo, mas nem sempre vivemos – às vezes, apenas dividimos células. Viver pode ser sinônimo de estar realizando um metabolismo orgânico, no qual a energia obtida a partir de moléculas orgânicas é transferida ao organismo, sendo convertida em calor, impulso elétrico, ou em energia mecânica – graças esse a processo, por exemplo, estou escrevendo esse texto.

Por outro lado,  viver pode ser algo mais subjetivo que objetivo; pode ser, inclusive, a ação a partir do saber o que fazer com toda essa conversão energética que acontece desde a fecundação até a pane geral do sistema – quando deixamos de ser pessoas e somos promovidos à cadáveres. A isso chamam de morte!

Entre as mais variadas maneiras de se viver, uma que acredito ser muito importante diz respeito à observação. Passamos horas e horas de nossas vidas olhando para tudo e para todos na falsa ideia de que estamos interessados em algo além de nossa superficialidade. Acreditamos estar vivendo, por exemplo, quando: rolamos a barra lateral em redes sociais em busca de novidades; escaneamos o corpo de outras pessoas, para saber se estão bem vestidas; planejamos uma viagem especial; avaliamos o carro novo do colega; vemos quantos livros fulano já leu; lemos alguns livros; brincamos com a nossa família; ou, quando trabalhamos com aquilo que gostamos. E se estivermos apenas potencializando e sofisticando o produto da conversão da matéria? E se aquela energia convertida for apenas para essas coisas e nada mais? Morreríamos depois de uma vida  inteira pautada em apenas ver as coisas, mas nunca em observá-las? A observação é fundamental à vida de quem busca por uma depuração no plano da consciência.

Por isso, e agora adentrando no evento que falei logo no primeiro parágrafo, uma coisa me chamou a atenção em minha rotina diária. Todos os dias alimento os meus peixes (Carassius auratus – kinguios). Às vezes estou apressado, então o processo é rápido. Mas um dia fiquei parado olhando eles comerem. Além de vê-los, decidi observá-los! Eu dava a ração, eles comiam. Se colocava mais ração, eles comiam ainda mais. Porém, eles comiam e não faziam nada além disso. Não me reverenciavam, não me agradeciam temerosamente; sequer construíram um altar de cascalhos para mim dentro do aquário. Comecei a ir mais longe: concluí que, se eles não estivessem satisfeitos com a ração e, por esse motivo, não a comessem, eu iria até um Petshop e compraria uma de outra marca – até que eles aceitassem e voltassem a comer normalmente. Foi quando essa observação me fez olhar para a vida cotidiana da sociedade (na qual me incluo).

Nesse contexto, percebi que as pessoas acreditam que existe um deus acima de todas as coisas e vivem por ele todos os dias de suas vidas. Até aqui, que mal há? Nenhum. Quem quiser crer, que o faça por liberdade de escolha. A questão é que essa liberdade de escolha é, ao meu ver, um tanto nebulosa e questionável. Poucas pessoas observam como suas crenças são estabelecidas a partir de recompensas e punições. Sendo mais específico, poucas pensam no quanto são obrigadas a renderem agradecimentos por tudo, o tempo todo – mesmo que isso aconteça na maioria das vezes de forma mecânica.

Observe o que falei dos peixes que eu alimento. Repare que eles são peixes, e que eu sou um ser humano. Veja que pertencemos ao mesmo Subfilo – Vertebrata; ao mesmo Filo – Chordata; e que somos do mesmo Reino – Animalia. Provavelmente, viemos de um mesmo ancestral comum. Ou seja, dada a idade da Terra, o nosso grau de parentesco é muito próximo. Se entre essa relação o agradecimento é desnecessário – dispensável, imagine entre a relação humano e deus, os quais tem origens absurdamente diferentes – enquanto um é orgânico e com data de validade, o outro pode ser qualquer outra coisa – mas é eterno. Por que, então, devemos agradecer-lhe por tudo? E o mais grave: por que seríamos punidos se não agradecêssemos?

Como eu disse, se os meus peixes rejeitassem a ração que eu lhes ofereço eu compraria outra ração até que eles estivessem satisfeitos – a vida seguiria, eu continuaria sendo Homo sapiens e eles Carassius auratus.  Além disso, se eles não me agradecessem por tal atitude, que importância faria? Seria egoísmo e ignorância de minha parte deixar de alimentá-los. Isso parece lógico para você?

Então, como explicar o fato de milhões de pessoas dedicarem boa parte de sua existência agradecendo à entidade divina por tudo que acontece em suas vidas? A palavra gratidão rima com observação, mas uma não parece acompanhar à outra. Se observássemos bem, a gratidão não seria feita com palavras, tampouco devido à uma ameaça. A gratidão deixaria de ser um passaporte para o céu eterno, ela perderia esse nome, e passaria a acontecer como algo inerente à vida: ao invés de agradecermos pela vida, viveríamos a vida. Agradecemos pelo carro, mas o usamos como objeto de poder e de superioridade; agradecemos pelos filhos e pouca, ou nenhuma, atenção lhes damos; agradecemos pelo fantasioso “pais tropical, abençoado por deus e feliz por natureza“, mas praticamos a corrupção tanto quanto respiramos o ar atmosférico.

Ademais, muitos compram diariamente a ideia de que se não agradecerem pelo pão, passarão fome; se não agradecerem pela família, ela poderá sofrer alguma injúria ou destruição; se não agradecerem pela vida, ela passará a ser infernal, quando não raramente, poderá tornar-se em morte. A lista seria enorme, mas isso já é suficiente para entendermos a gravidade do assunto.

Uma boa sugestão comportamental para abstrair-se essa ideia seria a de observarmos a dinâmica natural da vida com o propósito de percebermos que o agradecimento foi criado porque alguém tomou posse das coisas e, achando que estava fazendo favores, decidiu que todos os outros  deveriam render-lhe graças.  Se tudo é da vida e a vida é de todos, ninguém deve agradecimento a ninguém, deve-se, sim, respeito, honestidade e sinceridade. E nada disso existe sob o apelo à recompensa e à punição. Curiosamente, ficam as perguntas: Esse alguém que merece [ou melhor, que exige] agradecimentos, quem é? Ele existe ou é fruto de nossa imaginação? Se é fruto da imaginação, por que continuamos reforçando essa ideia durante milênios? Seria pelo prazer de que seja assim, que o agradecimento seja uma ação protocolada para obter-se bons resultados na vida? Agradecemos pela chuva para que volte a chover na plantação do mês que vem?

Ainda que digamos não agradecer por interesse ou pelo medo da punição, ou porque alguém quis assim, ou então afirmemos agradecer pelo simples fato de que deve ser dessa forma e ponto; mesmo isto, mesmo aquilo, se agradecemos somente com palavras viciadas, vale o lembrete: esse agradecimento pode esconder o desejo de sermos vistos agradecendo – e com isso estaremos nos alimentando de uma recompensa, ainda que não percebida. Parafraseando Sócrates (ou Platão), acho muito mais válida a direção de nossos passos que o sentido de nossas palavras. Fala-se muito de gratidão, mas poucos são os que andam conforme suas sentenças. Tudo é da vida e a vida é de todos, sermos Humanos é o nosso dever – ao menos deveria ser.

Nosso dia a dia está recheado de detalhes que passam despercebidos simplesmente porque não aguçamos o ato de observá-los. Uma observação pode render uma reflexão que nos fará pensar mais profundamente na vida e em como anda a situação da humanidade. Observei os meus peixes em um ato que acontece todos os dias; daí surgiu o tema agradecimento. Eu poderia fazer isso para mais coisas!

E você? Provavelmente que a sua vida é repleta de acontecimentos maravilhosos. Quantas vezes você observou um detalhe dela e percebeu que dali surgiram reflexões e devaneios filosóficos que abriram os seus olhos ou, no mínimo, que te fizeram pensar mais profundamente?

 

#VocêJáParouParaPensar?


Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

 


A imagem utilizada para compôr a capa dessa publicação foi obtida aqui.