Obsolescência Programada, também chamada de obsolescência planejada, é quando um produto lançado no mercado torna-se inutilizável ou obsoleto em um período de tempo relativamente curto de forma proposital, ou seja, quando empresas lançam mercadorias para que sejam rapidamente descartadas e estimulam o consumidor a comprar novamente.

Esse fenômeno é comumente associado ao processo de globalização, entretanto, o seu início pode estar vinculado à Grande Depressão de 1929. Durante a profunda crise econômica que marcou esse período, diante de um mercado consumidor impotente, observou-se que havia muitos produtos industrializados em estoque e que não eram comercializados, diminuindo o lucro das empresas, aumentando o desemprego e, consequentemente, reduzindo o consumo e aumentando a crise.

(Trecho do texto O que é obsolescência programada – Acessado em 12 de julho de 2018, disponível em Brasil Escola)

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Provavelmente você já ouviu falar da obsolescência programada. Não é de hoje que notamos nossos equipamentos durarem praticamente o tempo estipulado pela garantia fornecida pelos fabricantes – parece que são feitos para deixarem de funcionar. Ainda assim, acima você pode ver uma breve sugestão técnica do que isso significa e, se tiver curiosidade, pode acessar o link e saber mais informações. No entanto, eu te pergunto outra coisa: você já ouviu falar de Obsolescência Humana Programada?

O termo Obsolescência Humana Programada é, na verdade, uma sugestão minha, que se refere a um evento semelhante ao observado nos componentes tecnológicos, mas que, desta vez, está direcionado a nós, seres humanos. Obsolescência tem sua raiz na palavra obsoleto, de etimologia latina – obsolētus” – que significa “deteriorado, estragado com o tempo, velho, usado“; “caído em desuso“. A partir de então, fica muito fácil de compreender sua inserção no meio tecnológico e, doravante, no contexto sócio-cultural.

Segundo atribuições burocráticas, civis e sociais, ontem – dia 11 de julho – foi considerado o dia do meu aniversário – uma data na qual as pessoas costumam desejar-me felicidades, realizações, paz e amor e mais um monte de bons sentimentos e votos (até o presente momento, essa data repetiu-se por 32 vezes). Como eu não me importo com o tempo de vida em si, mas com a qualidade que ele foi vivido, não me desespero. No entanto, e infelizmente, não é comum que a população encare o passar dos anos dessa mesma maneira – geralmente, quando correm-se os anos, esvazia-se aquele desejo pela vida, tão característico da idade de ouro da juventude.

Eu poderia pensar na questão biológica, que de fato é diferente no organismo com o passar do tempo: os ossos perdem sua resistência; a renovação da proteína colágeno já não é tão eficiente – daí as rugas; a elasticidade corporal e a resistência muscular começam a demonstrar limites que antes eram pequenos; e por aí prossegue-se o processo de envelhecimento. Entretanto, essa visão, como você pôde perceber, ocorre no plano físico, e é um processo natural do corpo humano, enquanto, por outro lado, a obsolescência humana programada mostra-se presente no contexto sócio-cultural; e seus tentáculos estendem-se de forma pretensiosa e com objetivos bem esclarecidos.

Para entender como funciona esse tipo de obsolescência, imagine que há uma cultura do estereótipo, e que ela funcione como uma fábrica que produz pessoas com um “prazo de validade” bem determinado cujo principal objetivo é fazê-las acreditar que elas só existem se forem estereotipicamente perfeitas. Mais: essa cultura busca moldar todos os tipos de ideias que formem padrões às vezes inatingíveis. Tais padrões, por sua vez, podem ser de beleza, de cunho religioso, de status, de caráter profissional e intelectual, entre outros.  Dentre esses fatores, considere que tem se destacado, sobretudo na nossa sociedade pós-moderna, o estereótipo da idade, no qual pessoas são induzidas a acreditarem que só se vive enquanto se é jovem (dos 15 aos 24 anos, de acordo com o IBGE); passando disso, cada ano de vida representa um passo rumo ao desuso. Assim se instaura a obsolescência humana programada.

A programação dessa obsolescência humana acontece como na maioria dos processos que moldam uma sociedade – ou seja, dá-se de forma lenta e gradual, às vezes silenciosamente. Lenta, pois precisou e precisa ser introduzida em cada lar sem causar pânicos e sem provocar estardalhaços na forma de vida da população logo no primeiro contato; e a propagação silenciosa acontece porque determinada ideia, para tornar-se efetiva, deve chegar a um ponto em que nenhuma palavra precise ser dita, basta que comportamentos sejam imitados para que tudo dê certo.

#VocêJáParouParaPensar que estamos em um momento histórico muito atípico na trajetória da humanidade? Enquanto por muitos anos os detentores do poder e do conhecimento eram pessoas de idade relativamente mais altas, hoje os jovens ocupam cargos de elevada responsabilidade, governam as redes sociais, desenvolvem e comandam a tecnologia do planeta e estão à frente em importantes decisões globais.

Atrelada à essas mudanças está a nova concepção de envelhecimento. Se no passado havia um provérbio africano que dizia que “quando morre um idoso, morre uma biblioteca inteira“, no mundo contemporâneo a morte de um idoso é quase que apenas uma razão de vender as coisas velhas e ultrapassadas que eles tinham em casa – doa-se o piano, desprezam-se as fotos em preto e branco, as louças são quebradas e, o quanto antes, vende-se a casa – que é anunciada na rede social utilizada pelo netinho de apenas 6 anos de idade. Caso tenha lido “O Cortiço” , de Aluísio de Azevedo – publicado em 1890 -, talvez tenha se espantado com a frase de João Romão que, ao ver o Sr. Librório, disse-lhe “Sai tu também do caminho, fona de uma figa! Não sei que diabo fica fazendo cá no mundo um caco velho como este, que já não presta para nada!“; ou seja, um idoso já não é bem visto em nossa sociedade há um bom tempo, denunciava Aluísio.

Ainda seguindo o raciocínio do parágrafo anterior, se na Mitologia Grega os Deuses supremos eram representados como idosos (geralmente homens de barba branca) e os heróis eram adultos e experientes – como Aquiles e Odisseu -,  hoje um super herói pode ser imaginado como um universitário picado por uma aranha mutante, ou, ainda, por personagens que lutam pelas chamadas esferas do dragão. Ainda, enquanto mulheres idosas eram retratadas como verdadeiras anciãs, com poderosos conselhos, hoje as heroínas têm super poderes, pele sempre lisa, corpo sempre escultural e planejam dominar o mundo a partir da sensualidade, também estereotipada.

Considerando toda essa dinâmica, arrisco dizer que o novo parâmetro de “idade de poder” foi alterado, sendo a juventude o tesouro mais desejado pela humanidade. O psicanalista inglês, Adam Phillips, diz que “hoje as pessoas têm mais medo de morrer do que no passado. Há uma preocupação desmedida com o envelhecimento, com acidentes e doenças. É como se o mundo pudesse existir sem essas coisas. A ideia de uma vida boa foi substituída pela de uma vida a ser invejada.”

Consequentemente, o comércio da beleza cresce diariamente; redutores de rugas, cirurgias plásticas, tintas para cabelo, roupas “de jovens” e tudo quanto permita reduzir a idade aparente das pessoas são transformados em regras de convivência. Chamar alguém de senhor ou de senhora pode ser considerado quase que uma ofensa… dizem que “senhor está no céu”; fios de cabelos brancos são evitados furiosamente, principalmente por mulheres, que sentem o peso da cobrança social com muito mais intensidade que os homens. Estes homens, na verdade, atuam como agentes alienantes que, uma vez comprada a ideia da idade perfeita, passam a acreditar que somente as “novinhas” são mulheres de verdade, as demais são descartáveis. Ao mesmo tempo, muitas mulheres aceitam a imposição e passam a modelar-se conforme os gostos machistas e aprisionantes.

Dessa maneira, cria-se uma sociedade formada sob uma estreita faixa de existência vistosa e desejável, na qual ninguém quer aceitar com alegria a fase do pós-30 anos,  pior ainda é pensarmos em algo após os 60 anos. Logo, têm-se reforçado um quadro de obsolescência humana programada. Crescemos sabendo até que ponto somos “úteis e desejados”, passada determinada idade precisamos “trocar o equipamento”. Todavia, ao contrário dos aparelhos eletrônicos, ainda não podemos trocar de corpo; em contrapartida, a fábrica de estereótipos atua com precisão nesse processo, oferecendo trocas de caracteres que tentam mudar a nossa visão de nós mesmos. Se você tem rugas, use botox; seios caídos? silicone neles; barriguinha de chopp? academia para ela ser promovida a “tanquinho”; cabelos brancos? JAMAIS! escolha a cor da moda e rejuvenesça vinte anos; chega de saias e calças largas demais, isso é coisa de velho – dizem -, use aqueles modelitos que marcam bem o corpo, isso é ser “descolado” e mostra a sua potência jovial. Se você não utiliza das redes sociais é velho; se não gosta de postar fotos de tudo que faz está ficando Matusalém; caso prefira ficar em casa a fazer escaladas e trilhas em montanhas é porque já está tiozinho ou tiazinha demais; se passou dos 30 e não teve filhos, sinto muito, ficará para titio ou titia.

Por outro lado, e sendo bem analista, quando parece que os idosos estão sendo reconhecidos pela sociedade como pessoas que possuem seus valores, algo me deixa uma suspeita de que isso não passa de um jogo de marketing, que usa essa imagem do envelhecimento para promover a venda de produtos, deixando de lado o significado mais Humano do envelhecimento. Mas talvez eu esteja sendo crítico em demasia! [Será?]

Em comerciais de plano de saúde e de previdência, eles sempre estiveram. Mas nas propagandas de outros produtos e serviços, nem tanto. Ver um idoso como protagonista era algo raro. Quando apareciam, apenas tratavam de reforçar estereótipos. Idosos fragilizados, avós perfeitos ou, no máximo, o tiozão Sukita, um verdadeiro clássico dos anos 1990. Situação que começou a mudar nos últimos anos, mas que ganhou força em peças publicitárias bem recentes, algumas delas ainda no ar.

“As campanhas estão refletindo esse novo olhar ou essa nova forma de envelhecer, valorizando a pessoa mais velha”, afirma pesquisadora e professora Tânia Zahar, da Pós-Graduação da ESPM. Segundo ela, até pelo envelhecimento da população, o mercado passou a olhar para os idosos como um grupo de consumidores com um grande potencial a ser explorado de maneira diferente.

No lugar do sedentarismo e do isolamento, entraram em cena os conceitos da atividade e da participação social. E a ideia de que idade tem mais que ver com o estado de espírito do que com a data que aparece na carteira de identidade. “Cabeça jovem combina em cima de qualquer corpo, mesmo que ela esteja cheia de cabelos brancos”, diz a recente propaganda da Skol. O título da peça resume tudo: Velhovens. São os velhos jovens, que surgem na tela jogando pebolim, surfando e até dançando hip hop.

(Trecho retirado do site Estadão)

Fato é que, enquanto aceitarmos os ditames sociais que dizem até quanto vale a nossa aparência, seremos sempre fadados a um prazo de validade. O envelhecimento não deve ser encarado como um processo de deterioração do ser Humano, muito menos como um produto comercial. Mesmo que o corpo apresente mudanças ao longo do tempo, temos a capacidade de nos posicionar enquanto seres sapiens, podemos atuar na sociedade mesmo não tendo todos os hormônios esteroides em altas concentrações o tempo todo. Se você se enxergar como uma pessoa que não precisa se vender para existir, também poderá enxergar o valor que realmente tem em ti. Bom seria se ao longo de nossa trajetória existencial pudéssemos adquirir mais e mais maturidade a ponto de valorizarmos mais a essência que a aparência – assim não precisaríamos ser vítimas do estereótipo.

Por fim, quero apenas deixar uma sugestão pessoal:

Mulheres, valorizem-se! Vocês não precisam de pessoas vazias e medíocres em suas vidas que enxergam em vocês apenas seios, bundas e genitálias – ser mulher não é ter isso. Vocês não merecem ser objetificadas em feira de automóveis e programas de televisão apenas pelo tamanho e grossura de suas pernas. Chega! Vocês existem enquanto seres Humanos e possuem valores especiais! Vivam para si, não para os medíocres. Quem precisa de um medíocre é somente outro medíocre. Aceitar essas imposições é o mesmo que assumir um relacionamento abusivo consigo mesma. Dê um basta nessa tal de Obsolescência humana programada. Se quiserem escolher alguém para dividir a vida, que seja uma pessoa de valor, que enxergue de dentro para fora, e não o contrário! Além disso, saibam, os seus cabelos brancos são naturais, lindos e contam a sua história! Quem não quiser vê-los, que feche os olhos! Cabelos brancos não deixam ninguém feio, não denunciam coisa alguma, não te envelhecem! Rugas são naturais! A aparência se modifica, mas a sua essência não precisa acompanhar nesse ritmo, ela pode ser cada dia mais viva!

Homens, acordem para a vida! Se você é daqueles que alimentam o demônio do machismo, deixem de idiotice! Isso é como um distúrbio mental, que existe fortemente na cabeça dos desprovidos de inteligência. Ser homem nada tem a ver com loucura animal, brutalidade, exibição de força ou sede por sexo e por mulheres, testosterona não define homens nem justifica comportamentos estúpidos! Da mesma forma que eu disse às “mulheres”, digo agora a vocês: valorizem-se! Um ser que se valoriza não é capaz de desvalorizar o outro; acreditar que viverá o suficiente apenas para trabalhar e buscar por uma aposentadoria é algo que uma pessoa inteligente não faria. Aposente, sim, essa ideia de que velhice é uma fase ruim e triste da vida; aposente, sem demora, essa ideia de que “não tenho mais idade para estudar, ler livros, aprender mais coisas“. Obviamente que tudo isso serve para todos os gêneros possíveis! Somos todos Homo sapiens, somos  passivos de sermos Humanos!

Reitero, somos seres Humanos, não objetos eletrônicos que precisam ser renovados para alimentar um sistema de consumo. Se aceitarmos a obsolescência humana programada, estaremos aceitando a substituição de nossa identidade e de nossos valores! E isso parece-me muito errado!

 

#VocêJáParouParaPensar?

 

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Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

 


A imagem utilizada para compor a capa foi obtida aqui.