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Um consideração inicial muito importante

Falar sobre um assunto tão sério e importante – como é o suicídio – nunca será uma ação simples. “Suicídio” é um conceito muito “comum” no dia a dia da sociedade; paradoxalmente, nota-se que a maioria das pessoas olha para esse assunto com imensos tabus e com ideias extremamente ignorantes e violentas – muitas vezes o tema é tratado com um enorme distanciamento e frieza e, infelizmente, acaba por ser subtraído das conversas entre famílias, centros educacionais e religiosos e nas grandes mídias de comunicação. Mesmo assim, e por isso mesmo, arrisquei-me a falar sobre essa temática, e pretendo registrar aqui a forma como enxergo e sinto tal assunto. No entanto, acho mais que honesto deixar algumas coisas bem destacadas:

(1) Apesar de eu ser um enorme entusiasta dos processos da mente, bem como do comportamento humano, e embora eu leia e pesquise razoavelmente sobre isso, além de observar atentamente as pessoas à minha volta, eu ainda não sou especialista no assunto, não sou psicólogo, psicanalista e nem psiquiatra;

(2) Pensei bastante sobre como escrever esse texto – se de uma forma bem técnica e com centenas de referências acadêmicas, ou se escreveria algo de maneira simples. Por incrível que possa parecer, optei pela segunda maneira. Então, este texto será feito sem citar muitas fontes de pesquisas acadêmicas (talvez o faça aqui ou ali na forma de links para consulta rápida, mas sem me prender a essa forma). Ademais, existem sites especializados que abordam o tema de maneira muito mais precisa que essa feita por mim, então deixarei aqui a minha visão pessoal sobre essa questão. Não obstante, ao final do texto deixarei links para consultas com especialistas, dessa forma você terá a oportunidade de compreender muito bem essas questões com mais profundidade – lembre-se, aqui é um blog de Devaneios Filosóficos, quero poder servir de ponte entre o conhecimento e as pessoas;

(3) Considerando tudo que foi dito acima, ainda destaco fortemente que, em hipótese alguma, esta publicação tem por objetivo substituir uma consulta com um especialista na área ou emitir opiniões que contradizem àquelas recomendadas por estudiososReitero: este texto é apenas a minha maneira de enxergar o tema filosofica e pessoalmente. Estamos acertados?

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Abrindo o tema

Acontecem muitas coisas na nossa sociedade que, apesar delas aparecerem nas manchetes de jornais, nos noticiários de televisão ou nas próprias redes sociais, ainda são dotadas de uma enorme fantasia sobre o que de fato significam. Um exemplo bem claro é o assunto do suicídio. Eu já ouvi muitas pessoas falarem que “alguém comete suicídio porque quer chamar a atenção“, ou [pasmem!] “quem suicida-se só faz isso porque não tem Deus no coração“. [É!?] Infelizmente, até hoje, pessoas com a mente estacionada no egocentrismo existencial ainda insistem em julgar o mundo somente pelo seu único ponto de vista – as consequências disso são, além de históricas, trágicas. Suicídio não é nem frescura, nem falta de Deus. Logo, é preciso buscarmos conhecer mais das possíveis razões que levam uma pessoa a enxergar o suicídio como uma suposta válvula de escape na vida; o nosso conhecimento nem sempre é abrangente, além de que julgar o mundo pelo nosso restrito “universo de saberes” não costuma, nem de longe, ser o suficiente para entendermos a história da humanidade. Como disse Hamlet a Horácio, “Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia.”

 

Quem são as vítimas?

Em poucas palavras, todos podemos ser vítimas!

Há casos de suicídios relatados entre crianças, jovens, adultos e idosos! Eu, que sou apenas uma pessoa entre tantas outras, sem precisar fazer nenhum tipo de pesquisa acadêmica e não trabalhando em nenhum consultório de atendimento psicológico ou psiquiátrico, já tive contato direto com pessoas que consideravam o suicídio como uma possibilidade real de escolha. Desde adolescentes até adultos, quando tive a oportunidade de conversar com essas pessoas sobre o assunto, bem como a partir da correlação com estatísticas já existentes, pude observar que suicídios não estão restritos a nenhum tipo de grupo específico, do ponto de vista sócio-cultural. Seja no contexto sócio-econômico, étnico ou religioso, suicídios acontecem por todo o país e pelo mundo afora. Bem diferente disso seria se olhássemos do ponto de vista “psico-sociobiológico” (que diz respeito ao conjunto psicológico e biológico na construção social) – nesse caso, existem determinados “padrões” que se repetem entre pessoas que, ou tentaram, ou, cometeram o suicídio. Você acha que o suicídio é uma questão individual ou social?

Como você pode verificar nos recortes abaixo (ou ver no próprio documento Coletiva-suicidio-21-09), o número absoluto de suicídios no Brasil vem aumentando. Ainda, de acordo com a BBC, desde de 2012, a taxa de suicídio entre jovens mostra-se em crescimento constante de 10%. Adicionalmente, conforme o site da BBC, “o criador do Mapa da Violência – o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz – destaca que o suicídio também cresce no conjunto da população brasileira. A taxa aumentou 60% desde 1980. Em números absolutos, foram 2.898 suicídios de jovens de 15 a 29 anos em 2014, um dado que costuma desaparecer diante da estatística dos homicídios na mesma faixa etária, cerca de 30 mil.

Suicídio 02

Suicídio no Brasil 01

Suicídio 03

Suicídio 04

Alguns casos de suicídio acabam por ficar [registrados]expostos na internet, mostrando que a pessoa sentia-se sufocada na vida que levava e precisava, mesmo antes de tirar a própria vida, “desabafar” seu sentimento com o maior número de pessoas possível. Foi o caso, por exemplo, do jovem Fabricio Junior (de 25 anos) que, em 12 de outubro de 2017, gravou alguns vídeos antes de cometer suicídio. No entanto, se isso pode parecer-te suspeito, deixando-te com algumas dúvidas sobre a veracidade do conteúdo, talvez não pense o mesmo sobre o caso de Juliana Araújo, uma jovem de 22 anos, que em junho deste ano [2018] também registrou sua situação e “desabafou” suas dores no Youtube e no Facebook. O caso de Juliana foi confirmado pela Polícia Civil do Distrito Federal.

A verdade é que muitos e muitos casos como estes estão acontecendo no Brasil e no Mundo. As causas para um suicídio são imensas e complexas, seria muita ignorância supor que uma pessoa se mata porque está querendo “aparecer” ou “chamar a atenção”. Por que alguém quereria aparecer ou chamar a atenção se não poderia ver a reação dos demais? Teoricamente, quem quer chamar a atenção geralmente costuma fazer brincadeiras de extremo mal gosto na internet, como já vi algumas sob o nome de “garoto ‘trola’ o irmão fingindo suicídio na banheira“. Isso sim é, além de estúpido, um ato que busca chamar a atenção de alguém da maneira mais irracional possível. Fazer brincadeira com esse tipo de coisa? Como pode?

 

Estigma e Tabu

Como disse certa vez Cristina Gadelha Navarro Vieira – Coordenadora CAPS II Girassol  – MG -, “somos seres biopsicossociais“. Isso pressupõe dizer que a espécie humana evoluiu de modo a formar grandes grupos. Estes, por sua vez, existem sob as mais variadas formas de dinâmica social – cada cultura tem o seu traço específico e apresentam variações pontuais que lhes são peculiares sob algum aspecto de formação, seja religioso, político, psíquico ou biológico. Todavia, certos padrões são comuns a todas as civilizações e culturas: refiro-me ao fato de que cada uma se agrupa no tempo e no espaço geográfico tendendo à transmitir suas tradições de geração em geração. Seja sob qual for o ponto de vista, sociedades formam-se a partir de conhecimentos prévios deixados pelos seus antecedentes e que serão passados adiante; o lado “complexo” de tudo isso é que certos aspectos podem ser transmitidos na genealogia obedecendo apenas à lei de transmissão de informações a terceiros (a famosa detração), sem avaliar os impactos que essas informações (às vezes, verdades mal contadas ou informações falsas) podem gerar na sociedade como um todo.

Levando em consideração essa dinâmica, cabe dizer que nem sempre a propagação de informações equivocadas são feitas por pessoas leigas; em muitos casos até mesmo cientistas cometem graves erros, que uma vez transmitidos ao público podem demorar séculos para serem corrigidos e eliminados. Ao final do Séc. XIX e em boa parte do Séc. XX surgem deturpações de conceitos, por exemplo, como no caso da seleção natural (de Darwin e Wallace) que foi modificada e inserida em outros contextos, assumindo o nome de “Darwinismo social“; desastres como eugenias e preconceitos raciais também dialogam com inúmeras criações pseudocientíficas que erroneamente lançaram sobre a população informações absurdamente equivocados as quais, uma vez incorporadas pela grande massa, custam muito caro para serem removidas, mesmo que em pleno Séc. XXI.

Como se não bastassem os cientistas, cineastas apropriam-se de conceitos errados e formam estereótipos que parecem ter aceitação garantida pela população, a qual os utilizam como forma de entretenimento – numa espécie de propagação silenciosa do mal. Falando do nosso tema central [o suicídio], #VocêJáParouParaPensar que muitas pessoas olham com “maus olhos” sempre que alguém diz que está em tratamento psicológico, ou que está frequentando uma clínica psiquiátrica? No mesmo sentido, dizer que alguém sofre de transtornos mentais é praticamente o mesmo que considerar que este alguém está “louco“. De onde vem tudo isso? Por que ainda aceitamos essas convenções erradas e preconceituosas?

Levando certos estereótipos para o cinema, filmes acabam propagando a ideia de que uma pessoa com distúrbios mentais é necessariamente uma “louca”, que não tem domínio sobre seus atos e que, nesses casos, não apresentam cura. Se você já assistiu ao filme A Ilha do Medo [Atenção! esse link contém spoilers]com Leonardo DiCaprio, certamente sabe do que estou falando. Obviamente que seria dispendioso falar de filme por filme aqui, então, confira uma listinha de 20 filmes famosos que mostram personagens com distúrbios psiquiátricos. Porém, não deixe de observar o que diz logo abaixo do título do artigo: “Seja drama, comédia ou romance, a loucura é um dos assuntos preferidos do cinema. Conheça 20 filmes famosos que mostraram personagens perturbados com distúrbios psiquiátricos“.

Considerando o preconceito por parte da população, para a qual a “loucura” não tem salvação, fica evidente que ninguém quer ser o “louco” da vez – logo, frequentar um consultório para tratamentos psiquiátricos é visto como indícios de loucura eterna. Uma vez instaurado o teor negativo de buscar por um tratamento psiquiátrico, as pessoas fogem deles sempre que podem. Pense: Quantas devem ser as pessoas que não buscam por um tratamento simplesmente para não serem vistas negativamente pelo restante da sociedade? Distúrbio mental não é loucura! Esse estereótipo está errado! Muito errado!

Na minha opinião, clínicas de tratamento de distúrbios mentais existem para auxiliar a população, orientando-a sobre aspectos comportamentais e psicológicos humanos e, sobretudo, prevenindo a ocorrência de situações mais graves ou letais. A existência de tais clínicas é muito positiva e deve ser divulgada como uma excelente ferramenta de apoio social. Quantas vidas poderiam ser salvas se antes do suicídio tivessem uma oportunidade de iniciar um tratamento psicológico ou psiquiátrico? Às vezes a própria família e/ou a comunidade local atua negligenciando a importância desse tipo de tratamento. Falarei mais a seguir, mas muitas famílias conservadoras e também as religiosas tratam o caso como “uma fase” e, ou consideram o suicídio um caso de “frescura” por parte da vítima, ou, atribuem a “cargas espirituais demoníacas” o fato de uma pessoa pensar em se matar. Com isso, falta o apoio psicológico na hora mais necessária – às vezes, quando percebe-se o erro (ou o atraso), o corpo já repousa num esquife.

Você inciaria (ou recomendaria a um amigo ou uma amiga) um tratamento em uma clínica psiquiátrica caso necessitasse? Como você enxerga essa questão? Deixe a sua opinião lá nos comentários, certamente ela será muito importante para mim e para todos os leitores do Blog!

 

Como “eu” enxergo as causas do suicídio

Usei o “eu“, assim entre aspas, porque, apesar de estar escrevendo esse texto e ter uma ideia prévia sobre o tema, não nego em nenhum momento que fui influenciado por grandes pesquisadores e sociólogos que investiram boa parte de suas vidas estudando minuciosamente o que é o suicídio. Portanto, não faz sentido supor que esteja plagiando ideias já conhecidas academicamente. Certamente que, no dia de escrever uma tese acadêmica sobre o assunto, utilizarei de referências bibliográficas conforme exige a ABNT – por enquanto isso seria apenas cansativo ao leitor. Nem por isso desconsidero o meu aprendizado pessoal ao longo do tempo. Como comentei em algum momento acima, já tive contatos com pessoas que pensavam em suicídio, já observei muitos casos de depressão, e isso ajudou-me a transformar o meu olhar sobre o tema. Só posso dizer que esse tipo de “despertar” para a realidade, que é o fato de enxergar o tema do suicídio como algo sério e que merece muito mais atenção, deveria estar presente em cada vez mais pessoas.

Faz parte do senso comum acreditar que o ato de tirar a própria vida está relacionado unicamente ao próprio indivíduo. Pensa-se que por “desistência total da vida” uma pessoa cogita suicidar-se e que, quando decidida, as causas são predominantemente particulares. É como se eu estivesse absolutamente insatisfeito com a minha existência e não houvesse em mim nenhum tipo de interesse em partilhar dos meus momentos com mais ninguém. Além disso, entender o suicídio como algo individual é como imaginar que nenhum lugar da sociedade me agrada, ou que nenhuma pessoa que conheço seja boa o suficiente para eu ao menos querer estar ao lado dela. Mas tudo isso é um engano!

Eu compartilho da ideia de que o suicídio é um acontecimento de caráter social. Nem todas as pessoas que pensam em se matar fazem-no por odiar a vida – pelo contrário, elas apreciam a vida e identificam-se sobremaneira com ela. Por outro lado, a característica de uma sociedade como a atual, que parece funcionar à base de competição, que freneticamente cria tipos e mais tipos de pessoas, cada uma com o seu grupo específico, torna ainda mais complexa a atuação das pessoas. Um cenário caótico como o que estamos presenciando no nosso país – em que os meios de comunicação são verdadeiros ninhos de desacordos – sugere que para qualquer que seja o assunto em voga existe uma polarização violenta cujo maior objetivo mostra-se na forma da intolerância. Intolerância de gênero, racial, religiosa, política, de classes, etc., todas são palco de destruição moral e física em uma sociedade.

Um importante detalhe é que a iminência do suicídio reside no fato de que, por alguma razão dentre as supracitadas, por exemplo, a vítima não consegue se enxergar pertencente a nenhum grupo, embora o queira muito. Assim, na medida em que cresce esse desejo de pertencimento à vida, cresce também o medo de se sentir deslocada ou isolada dessa possibilidade. No momento em que parece não mais haver chances de solucionar o problema, a pessoa pensa em se matar.

Não posso deixar de dizer que existem fatores químicos, que podem levar alguém ao suicídio, como o uso de drogas. Ainda assim, se aprofundarmo-nos nessas questões, veremos que fortes questões sociais estão envolvidas inclusive nos caminhos que levam alguém a usar drogas. Pressões psicológicas, sobrecargas no trabalho, cobranças demasiadas na família, escassez financeira, ausência de um aconselhamento Humano, entre outros fatores, são indicados como potenciais causas que levam pessoas a procurar por produtos químicos que podem desencadear uma dependência crônica e atingir o ápice em que o usuário tira a própria vida. Além disso, questões emocionais, desencadeadas por distúrbios psicológicos, como depressão e esquizofrenia, são também fatores propulsores que trarão sérias consequências.

Precisamos entender mais sobre o comportamento humano e sobre a dinâmica social. É urgente a necessidade de um posicionamento geral para que sejamos ainda mais Humanos com cada um dos que nos cerca. Entenda, de uma forma geral, mas agora na linguagem de um especialista, mais detalhes sobre o suicídio (se precisar acesse o vídeo por aqui):

 

O que diz a ONU (Organização das Nações Unidas) sobre o suicídio?

O estigma, particularmente em torno de transtornos mentais e suicídio, faz com que muitas pessoas que estão pensando em tirar suas próprias vidas ou que já tentaram suicídio não procurem ajuda e, por isso, não recebam o auxílio que necessitam. A prevenção não tem sido tratada de forma adequada devido à falta de consciência do suicídio como um grave problema de saúde pública. Em diversas sociedades, o tema é um tabu e, por isso, não é discutido abertamente. Até o momento, apenas alguns países incluíram a prevenção ao suicídio entre suas prioridades de saúde e só 28 países relatam possuir uma estratégia nacional para isso. 

Sensibilizar a comunidade e quebrar o tabu são ações importantes aos países para alcançar progressos na prevenção do suicídio.

A OMS reconhece o suicídio como uma prioridade de saúde pública. O primeiro relatório sobre suicídio no mundo da OMS “Prevenção do suicídio: um imperativo global”, publicado em 2014, tem como objetivo conscientizar sobre a importância do suicídio e das tentativas de suicídio para a saúde pública e fazer da prevenção uma alta prioridade na agenda global de saúde pública. O documento também incentiva e apoia os países a desenvolverem ou reforçarem estratégias de prevenção ao suicídio em uma abordagem de saúde pública multissetorial.

O suicídio é uma das condições prioritárias do “Mental Health Gap Action Programme (mhGAP)” (programa de saúde mental da OMS), que fornece aos países orientação técnica baseada em evidências para ampliar a prestação de serviços e cuidados para transtornos mentais e de uso de substâncias. No Plano de Ação de Saúde Mental 2013-2020, os Estados-membros da OMS se comprometeram a trabalhar o objetivo global de reduzir as taxas de suicídios dos países em 10% até 2020.

(Disponível em http://www.who.int/eportuguese/countries/bra/pt/acessado pela última vez em 16 de julho de 2018)

 

Como nós estamos tratando desse assunto?

O Danilo [que aparece no Youtube como Lorelay Fox] –  do canal Para Tudo – gravou um excelente vídeo, que eu considero um dos melhores sobre o tema. Ele não fala de estatística nem utiliza de uma linguagem cansativa; pelo contrário, de forma humana e simples ele escancara para todos grandes verdades e deixa evidente que está expondo aquilo em que realmente acredita. É um vídeo emocionante que traz para nós muitas possibilidades de reflexões e questionamentos. Não deixe de assistir ao vídeo, ele é simplesmente espetacular! (se precisar, acesse o vídeo por aqui)

As pessoas estão morrendo ao nosso lado, mas a gente se esquece. A gente se acostuma. A gente não faz nada pq nossa vida está bem demais, confortável demais. O Deus de algumas pessoas coloca a corda no pescoço de muitos LGBTs, e a família aplaude enquanto jovens agonizam
(Danilo)

 

Após assistir ao vídeo acima, você deve ter notado que somos capazes de ajudar ou atrapalhar a vida das pessoas. Podemos usar aquela característica humana de formar grandes grupos sociais, como também podemos segregar grupos e exterminar minorias. No vídeo, o Danilo fala sobre o suicídio associado à homofobia. Mas você pode espertamente supor diversas outras formas de preconceitos que culminam no mesmo trágico fim.

Determinados frequentadores de igrejas utilizam de um conjunto de palavras contidas em um livro sagrado e violentamente buscam subjugar todos aqueles que pensam de maneira diferente. Famílias extremamente conservadoras enxergam nos filhos uma oportunidade de reprodução ideológica, e são capazes de tudo para que eles sejam cópias fiéis das doutrinas e normas religiosas que já são uma tradição familiar.

Acontece que nem todos acreditam em Deus, ou, ainda que acreditem, não o fazem da mesma maneira. Em uma família tipicamente religiosa e conservadora, um de seus membros pode sofrer silenciosamente porque sonha em fazer parte daquele meio mas é punido fisica ou psicologicamente dia e noite simplesmente porque segue pensamentos que nem sempre condizem com os impostos pelos chefes da casa.

Conheci inúmeras pessoas que amavam suas famílias e seus amigos, mas que não concordavam com suas ideologias; tais pessoas sofriam constantemente porque, para não perderem o seio familiar em que viviam e enxergavam como único lar, asfixiavam suas próprias escolhas e seus mais íntimos projetos de vida. Como resultado, enfrentavam quadros de depressão profunda, desejando que tudo fosse apenas passageiro, e que acordassem em um plano no qual as pessoas olhassem para o próximo com respeito e consideração. Nem sempre dava certo – às vezes pode ser tarde demais!

Para mim é muito difícil olhar para tudo isso e não poder ser um fator efetivo de mudança na vida das pessoas. Todos temos potenciais Humanos para ajudar uns aos outros. Machuca-me olhar para a minha própria “família” e perceber que dentro dela existem pessoas que são capazes de rejeitar um filho caso descubra que ele “deu errado na vida” (dar errado = dizer que não acredita em Deus; revelar-se homossexual; etc.).

Digo mais, rejeitar alguém não é apenas dizer “saia da minha casa!”, vai muito além disso! Olhares de desprezo, críticas diretas ou indiretas, humilhações públicas, negar uma ajuda, um consolo ou um conselho, são exemplos de como uma pessoa rejeita a outra. A pior forma de agir com alguém é ser indiferente, tratar como um objeto que, se é útil merece atenção, se não, pode ser encostado no canto e encher-se de poeira.

 

Não abandone a causa!

Nesse sentido, surge um outro ponto que merece a nossa atenção: a questão do abandono da causa. Ninguém tem problemas de relacionamento social porque o quer; pessoas não sofrem de depressão porque acham fofo e bonito; um ser humano não pendura um corda no teto da sala e planeja a sua própria morte só porque acha que será emocionante. Isso chama-se limite de suportabilidade! Sim, a pessoa atingiu o seu limite de suportabilidade. Os fatores sociais ditos ao longo desse texto atuam diariamente sobre todos nós, mas se mostram maiores quando não enxergamos um lugar em que “caibamos”. Portanto, achar que uma pessoa torna-se deprimida da noite para o dia, ou que o suicídio vem como uma doce ideia numa manhã ensolarada ao som dos passarinhos, é simplesmente uma ingenuidade que beira o absurdo. Pior que isso é acreditar que meia hora de conselhos, por si só, salvará uma vida em todas as circunstâncias. Precisamos estar presentes, sem sufocar nem pressionar, mas com o melhor que temos de nós. Podemos atuar como um ombro amigo; existir enquanto ser Humano é ser útil para o próximo. Se abandonamos uma pessoa, podemos deixar de ser o único apoio que ela tem naquele momento. 

A humanidade carece de seres altruístas e empáticos. Vemos muitos ensinamentos dominantes na nossa sociedade que direcionam cada indivíduo a conquistar o seu lugar no mercado de trabalho, a comprar o seu carro e a sua casa própria; crenças religiosas  dizem que a sua alma irá ao céu e que a salvação é individual; existimos em um padrão de consumo que nos influencia diariamente a sermos indivíduos melhores… melhores em relação a quem?… melhores em relação ao outro, pois somos conduzidos por caminhos que dizem “seu vizinho ainda não tem essa televisão smart slim 4K de 80 polegadas com tela curva, compre uma e fique à frente dele“. É um tanto quanto simplório demais acreditar que trocamos de carro porque nos sentimos bem com a troca em si. A verdade é que nos sentimos bem caso alguém olhe para as nossas coisas e digam que estamos bem por adquirirmos coisas novas.

Vivemos constantemente um egoísmo paradoxal, que alimenta a nossa ganância mas que nos faz existir somente para o outro – medimos o nosso sucesso a partir do feedback que recebemos da sociedade alienada, nunca a partir da nossa essência. Nesse vai e vem ganancioso e perturbador, esquecemos que podemos ajudar outras pessoas ao invés de somar tesouros apenas no nosso baú. Com isso, abandonamos aqueles que, por questões psico-biológicas, realmente merecem a nossa atenção e que por conta própria ainda não conseguem se livrar do fardo da depressão. O abandono da causa pode custar o preço de uma vida!

 

Conheça o CVV – Centro de Valorização da Vida

CVV

  • O CVV – Centro de Valorização da Vida – realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias;
  • O CVV assumiu como tarefa, desde a sua criação, estimular essa discussão, ação esta que passou a merecer mais empenho nesses últimos anos;
  • O voluntário do CVV doa seu tempo, sua atenção, para quem precisa conversar sobre todos os assuntos e não tem conseguido fazer isto com as pessoas próximas. Se você tem mais de 18 anos de idade, pelo menos quatro horas disponíveis por semana e vontade de ajudar pessoas, você pode ser um plantonista do Programa de Apoio Emocional do CVV. Para isto você precisa participar de um curso gratuito de preparação de voluntários em uma de nossas sedes. As principais frentes de atuação do plantonista são o atendimento por telefone, voip e o chat. Para se cadastrar e participar gratuitamente do curso, [clique aqui e faça sua inscrição];

  • Reunimos textos, estudos e discussões a respeito do tema. Queremos a sua colaboração, seja você um pesquisador, profissional da saúde, educador, pessoa impactada diretamente pelo problema ou, simplesmente, um interessado pela vida humana [clique aqui];
  • Acesse vários links úteis que te auxiliarão a entender mais sobre Suicídios e, consequente, preparar-te para ajudar as pessoas à sua volta [clique aqui].

 

Por fim…

Em publicações anteriores falei sobre como eu enxergo a Vida, tanto no sentido dela existir em nós (no texto Um breve ensaio sobre “O que é a Vida?”), quanto no sentido de nós existirmos nela (no texto Ampulheta & Morte). Depois de tudo que eu disse nesses textos, somado ao que escrevi na presente publicação, gostaria muito de sugerir que estejamos mais atentos às pessoas desde já, estando também presente de “corpo e alma”. Ainda que você não seja a própria pessoa que cogita o suicídio, observe o seu entorno, às vezes alguém do seu lado pode estar rogando silenciosamente por ajuda.

Observe os comportamentos que levantem suspeitas de pensamentos periclitantes – deixarei inúmeros links-suporte que servirão de orientação para que você possa observar e identificar melhor os sinais que antecedem um suicídio. Uma vez identificados, tente uma conversa, seja mais presente; caso note isso em alguém na faculdade ou no trabalho, procure por um responsável ou parente mais próximo dessa pessoa (caso você não se sinta seguro para falar diretamente), oriente esse responsável a buscar por um auxílio especializado. Não deixe de ensinar as crianças sobre esses sinais, elas podem ajudar os coleguinhas que podem estar correndo perigo. Quando identificados precocemente, as chances de evitar uma tragédia aumentam de forma considerável.

Não podemos permitir que vidas sejam destruídas enquanto olhamos somente para o nosso umbigo. Não importa que nossa situação esteja boa, se podemos ajudar, ajudemos! E adianto, não há compensação divina, nem lugar no céu para quem ajudar, ou lugar no inferno para que rejeitar socorro; deve-se ajudar o próximo incondicionalmente, de coração limpo e honesto! Não aceite oferecer ajudar esperando receber uma recompensa, isso é ser medíocre. Ajude porque é o que deve ser feito! Se quiser chamar algo de recompensa, que seja a nova chance de construir uma vida que a pessoa teve ao não se suicidar. Mas, particularmente, não penso que seja uma recompensa – é um direito da pessoa viver, e é nossa missão cuidar do próximo!

Se você está passando por um momento de dificuldades emocionais, sentindo-se sem motivações – sejam pessoais e existenciais, sociais e profissionais, ou de qualquer tipo -, procure por uma ajuda especializada. Apesar do caos social em que vivemos, você pode  sim contar com o apoio de Humanos dispostos a ouvirem o que você tem a dizer. Não sufoque os seus pensamentos por mais nem um segundo! Busque ajuda agora mesmo! Lembra-se do CVV? Então, entre em contato com eles também! E você não precisa esperar pelo dia seguinte, faça-o já! Conte também comigo! Conversar sobre questões existenciais e maneiras de enxergar a vida são coisas que, apesar das minhas limitações intelectuais, posso fazer; não tenho formação na área, como mencionei logo no início desse texto, mas com certeza indicarei caminhos nos quais profissionais poderão te dar todo o suporte necessário! Unidos somos mais fortes! Não desista!

Um amigo me disse

Recentemente, fiquei muito preocupado… Conversando com um amigo, ele me disse que cada pessoa tem o direito de escolher viver ou não. Cada um é dono de sua vida e pode fazer dela aquilo que achar mais aceitável no momento que julgar oportuno. Segundo percebi na fala dele, se viver é um direito, morrer também o é. A nossa conversa, como sempre, foi longa. Ele passa bem!

O que você diria caso um amigo(a) te relatasse a mesma coisa? Você está preparado para conversas que versem sobre o suicídio? Quem é você quando a última porta que uma pessoa pode recorrer para refugiar-se são as suas palavras?

#VocêJáParouParaPensar nisso?

 

MUITO OBRIGADO POR LER ATÉ AQUI!

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QUER SABER MAIS?

>>> [NÃO DEIXE DE CONFERIR] Assista a um vídeo do especialista Fernando Fernandes, do canal Psiquiatria Online: (se precisar, acesse o vídeo por aqui):

 

>>> Assista a um conjunto de entrevistas de excelente qualidade, promovido pelo TV Plan:

  • PLANTÃO 47 – SUICÍDIO ENTRE JOVENS CONTINUAÇÃO (BLOCO 1)
  • PLANTÃO 47 – SUICÍDIO ENTRE JOVENS CONTINUAÇÃO (BLOCO 2)
  • PLANTÃO 47 – SUICÍDIO ENTRE JOVENS CONTINUAÇÃO (BLOCO 3)
  • PLANTÃO 47 – SUICÍDIO ENTRE JOVENS CONTINUAÇÃO (BLOCO 4)

 

>>> Assista ao vídeo do professor Leandro Vieira – do canal ProEnem -, no qual ele fala sobre a relação entre os tipos de Suicídios (na visão de Émile Durkheim) e a série 13 Reasons Why (se precisar, acesse o vídeo por aqui):

 


 

#VocêJáParouParaPensar?

 

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos