Falar sobre gostos, interesses e subjetividades é algo bastante complexo – qualquer que tente simplificar tais conceitos poderá incorrer em injustiça ou equívoco. E já te adianto uma coisa: não é bem essa a minha intenção. Hoje quero apenas fazer indagações, perguntas e possíveis reflexões. Você aceita? Se sim, então, vamos nessa!

Quando pensamos no conjunto de pessoas que fazem parte dos nossos mais variados círculos afetivos não necessariamente nos damos conta, mas sempre partimos de critérios e classificações que nos aproximam de determinados tipos relacionais enquanto nos afastam de outros – e esse comportamento pode ser subentendido ou não. No entanto, talvez você diga que não! Que você é uma pessoa desconstruída e que não coloca ninguém em caixinhas, mas que, em vez disso, ama as pessoas pelo que elas são. “Tudo bem”, mas nesse caso a minha pergunta para você seria: “É mesmo? Você tem certeza disso?”

Ainda que se rejeite a visão maniqueísta – que separa o mundo em bem mal, certo e errado -, suspeito fortemente de que seria quase impossível não existir a separação entre o que é cômodo e incômodo, confortável e desconfortável e, reitero: isso não acontece sempre sob a nossa percepção; às vezes, damo-nos conta dessa separação só depois (e, é claro, isso na melhor das hipóteses). Além disso, acredito que a diferença entre uma forma e outra de “classificação” não te seja difícil de compreender. A questão é: quando nos relacionamos com alguém, seja em qualquer sentido do termo “relacionamento“, o que usamos como parâmetro para querer por perto ou por longe determinada pessoa?

Eu sei que as respostas seriam inúmeras. Por isso, aqui quero destacar duas possíveis formas de observação (para não dizer classificação): o que é para você uma pessoa interessante e uma pessoa atraente? São coisas diferentes? São a mesma coisa? Tanto faz?

Parecem coisas bem simples de se concluir numa primeira olhada. Mas tende a se complicar quando pensamos melhor em como definimos cada uma dessas palavras. Ser interessante é algo como provocar interesse, certo? E ser atraente é da ordem de exercer atração – no caso, entre você e o “objeto” atrativo –, concorda? Mas como sabemos que o que desejamos é o que queremos? Sabemos? E quais critérios usamos para decidir isso? Se é que temos autonomia sobre esses critérios.

Pense em uma pessoa que não pertença ao seu círculo afetivo profissional, ou qualquer outro meio de relação, mas que seja do âmbito mais íntimo (amizade, relacionamento afetivo-sexual, etc.). Como é, para você, alguém que seja atraente? Essa atração se dá por valores construídos socialmente sobre o físico – como um corpo, cabelos, voz, altura, cor de pele, etc.? Ou seria mais da ordem subjetiva – como inteligência, sede por conhecimento, “humildade”, carisma, brutalidade, delicadeza, braveza, comportamento mais reservado, introversão, extroversão, etc.? Porém, e se eu considerar esse último grupo de características [as subjetivas], como você definiria alguém interessante? Seria, então a mesma coisa?

 

Ninguém me perguntou, mas…

Eu sei que não me perguntaram nada, mas uma das vantagens de escrever para um blog é poder “responder” mesmo sem ser questionado. E cá estou!

[ATRAENTE]

Eu penso que para alguém ser atraente é necessário que haja algo nessa pessoa que não precisa ser da ordem do contato físico, mas que em um primeiro momento deve ser físico. Esse momento pode durar instantes, como pode se repetir no tempo e no espaço. Além disso, esse aspecto físico deve ser apresentado aqui com esclarecimentos, para você não entender errado: é físico no sentido de que “precisa ser percebido fisicamente” – seja a partir do som, do odor, da visão – mas não necessária ou obrigatoriamente do tato. Dito em outras palavras, quando falo que algo me é atraente estou me referindo a um comportamento que percebo ainda que eu mesmo não interaja com essa pessoa. E aqui vai algo bem importante: deve ser algo que não depende de interpretações subjetivas [ou não tão subjetivas assim]. Por exemplo, dentro do contexto de ser alguém do âmbito mais íntimo, quando considero um homem ou uma mulher atraente, isso geralmente ocorre no sentido afetivo-sexual – quando a percepção é imediata: olhei e me senti atraído. Se, por um lado, homens e mulheres me atraem sexualmente da mesma maneira (ou na mesma medida), por outro, o que cada um apresenta e que pode me chamar atenção – ou seja, me atrair – pode variar.

Cada pessoa tem “exigências” que são atendidas ou não ao olhar para alguém; algo que lhe chame mais a atenção. Eu costumo ser atraído por pessoas mais quietas (ou “tranquilas”) na forma de agir, por quem tem uma voz não desesperada como quem está constantemente em um apocalipse; não me sinto atraído por corpos que são musculosos demais (aqueles que refletem o padrão estereotipado e mais desejado socialmente)atraio-me por pessoas que sorriem, que olham nos meus olhos, […] e por aí vai. São todos componentes externos, expressivos, que funcionam como um tipo de “marca atrativa”. Tais “marcas” podem funcionar como atração ainda que seja a partir de uma fotografia, daí o seu aspecto objetivo-prático ser distanciado do subjetivo-analítico.

O que me fez ter essas “exigências? Sei lá eu! Só posso dizer que é parte daquilo que ao longo do tempo eu fui absorvendo e retendo “do lado das coisas que por alguma razão eu me sentia mais à vontade“. É curioso pensar nisso, pois, vejo pessoas praticamente todos os dias – em algumas ocasiões, como em transportes públicos ou na universidade, vejo centenas delas. Mas claro que não são todas que me atraem e, das que me atraem, isso não acontece na mesma intensidade para cada uma; pelo contrário, para a maioria delas o olhar é “neutro” nesse sentido. São apenas pessoas potencialmente passíveis de convivência (até que me provem o contrário). Isso sugere que a atração circunscreve um certo número ou tipo de “marcas”, ou de características-gatilho, que podem ser identificadas e disparadas, caso sejam percebidas.

E, é claro, reiterando o que eu disse lá em cima, dizer que algo me atrai mais não tem nada a ver com ser algo bom ou ruimcerto ou errado, melhor  ou  pior – talvez simplesmente tenha alguma relação com aquilo que me é mais ou menos cômodo ou confortável. Mas certamente é uma característica que faz parte de um conjunto de experiências que acumulei no decorrer da vida – e que deveriam, na medida do possível, ser analisadas e, se necessário, repensadas. A chance de eu gostar de coisas que nem sempre são as que desejo não deixa de ser uma possibilidade. Como é possível perceber se determinada pessoa é atraente? Isso realmente depende de cada indivíduo… isso pode vir por uma fixação saudável do olhar (não vá confundir com assédio, por favor!), numa excitação desavisada, na forma de sudorese, taquicardia, etc. Vale sentir tudo! Porém, vale mais ainda respeitar as pessoas e segurar seus próprios sentimentos. Ninguém está livre de sentir atração por outra pessoa, mas o que fazer com o que se sente é nosso dever, temos de nos entender e nos controlar – jamais invadindo o espaço alheio. Respeito é tudo!

Enfim, para mim, ser atraente é provocar “suspiros”, prender a atenção por algum tempo, pensar que seria legal estar perto desse ser atrativo; além de, também, provocar em mim o desejo de querer conhecer essa tal pessoa. E, quando isso acontece, pode ser que eu descubra se essa pessoa é, além de atraente, interessante.

 

[INTERESSANTE]

Se, depois de ler esse volume de coisas, você está achando que para mim alguém interessante é quem me desperta mais a atenção em pontos subjetivos, então, você acertou. O interesse pode ter a sua via (ou parte dela) facilitada pela atração, isso num primeiro instante. Em outras palavras, a partir da atração existente, aquela vontade de querer conhecer pode ser acentuada conforme os componentes que despertam meu interesse sejam observados. Mas, antes de prosseguir, acho justo um esclarecimento: Interesse tem suas raízes no latim, e também está relacionado a ser importante. Por sua vez, importante ter a ver com importar, que diz respeito a “trazer de fora para dentro”. Ou seja, aqui, eu considero que interessante é alguma característica que é trazida de fora [de alguém] para dentro [de mim].

Assim, eu poderia até dizer que me interesso por pessoas; mas isso seria no mínimo incompleto já que encontrei e encontro centenas de pessoas ao longo da vida e nem todas são percebidas por mim como interessantes. Logo, o mais cauteloso seria dizer que me interesso por pessoas que possuem características as quais eu gostaria de trazer para mim, características importantes – isso no sentido de tê-las por perto, não no de me apropriar possessivamente.

Tenho interesse em pessoas que olham para a vida com um tom mais crítico, que se questionam sobre algumas coisas para além do trivial, que não se rendem facilmente a tudo que lhes é apresentado; acho interessante quem gosta de aprender, quem busca compreender o mundo em que vive – ou que ao menos não considere uma perda de tempo quem isso o faz; um homem ou uma mulher que considero interessantes são sujeitos que não tratam a outra parte do relacionamento exclusivamente como uma fonte de realizações de prazeres (seja o prazer de qualquer tipo), mas que enxergam no outro corpo um espaço de existência própria, que merece respeito e privacidade. Para mim, alguém realmente interessante é quem busca ser o mais natural de si mesmo, sem precisar se esforçar para transmitir uma determinada imagem que dialogue com as necessidades do contexto mas que na essência não é o que essa pessoa desejaria ser. Às vezes dá para notar isso, mas nem sempre – ou, melhor dizendo, raramente é notável. Oxalá fosse possível rastrear facilmente quem está sendo ou não sincero e sincera.

Ser mais “cru” – ou seja, mais transparente – permitiria-nos expor mais quem somos. Contudo, é claro, ninguém é totalmente cru o tempo todo. Não saímos falando de nossas fantasias humanas por aí, não respondemos com as mesmas letras e no mesmo idioma aquilo que se passa em nossas mentes. Ainda assim, considero que seja no mínimo justo falarmos sem mentir. Nesse contexto, se de um lado não temos a ferramenta mágica capaz de rastrear o grau da sinceridade alheia, de outro lado percebemos quando a pessoa ao menos não se esforça em ser ela mesma (ou seja, quando ela age naturalmente para ser quem é) – geralmente, quem tenta ser transparente procura aceitar uma correção, diz o que sente quando está insatisfeito(a), não esconde uma informação que afeta de alguma maneira o relacionamento. Se não temos um radar específico, ao menos temos sinalizadores que, quando presentes, partem da própria pessoa com quem nos relacionamos. E isso é muito interessante.

 

LIGANDO OS PONTOS

Na minha concepção de relacionamentos, eu diria que ser interessante é muito mais significativo que ser atraente. Numa interação conceitual, digo até que o aspecto interessante é capaz de reformular o que considero como atraente. Mas raramente o contrário acontece. Pelo menos comigo nunca ocorreu de alguém não visto como interessante passar a sê-lo só porque é muito atraente. Há, sim, quem valorize mais a atração e que possua padrões bem fixados rigidamente do que é ser atraente ou não – essas pessoas geralmente têm um olhar muito mais restritivo, com critérios bastante conservadores nesse aspecto. Mas eu não sou assim (eu acho!).

Vamos a um Relato Social:
Eu gosto de perguntas – e isso com certeza não é uma novidade para você. Porém, certa vez, uma pessoa me “achou” na internet e começamos a conversar. A conversa era envolvente – e até mais libertina que de costume. Mas depois de um tempo conversando e percebendo que os assuntos se repetiam muito, mesmo eu sendo esse perguntador que sou, resolvi fazer mais uma pergunta: “o que em mim você mais gosta e de que você menos gosta?”. A resposta para o que a pessoa não gostava em mim foi o meu jeito questionador. A pessoa disse que eu “filosofava muito sobre as coisas“. Obviamente que é aceitável alguém dizer isso; estranho mesmo foi essa pessoa dizer que gostava do meu jeito, da minha visão de mundo; não entendi bem. Acontece que, depois desse episódio, de uma forma “misteriosa” não nos falamos mais. Suspeito de que tenha sido porque, como a pessoa não falava de quase nada novo, e como era eu quem sempre perguntava coisas sobre a vida e sobre as ideias – e parei de fazer isso para não desgostar a outra parte -, o assunto morreu. A pessoa disse, inclusive, que não se metia na política, “Não me envolvo com essas coisas“. Isso em um Brasil que tinha o Bolsonaro como candidato à presidência. Enfim, a pessoa era muito atraente; mas, nesse aspecto, pouquíssimo interessante.

Relacionando as coisas
Estar interessado em alguém [para mim] é querer estar próximo da pessoa ou daquilo que ela representa. Diferentemente da atração, que envolve aspectos mais práticos, ao nível da corporeidade, o interesse atua numa esfera mais abrangente. Nem sempre é possível estar fisicamente com quem nos desperta o interesse. Pode acontecer desse interesse se manifestar no mundo virtual, a partir de trocas de mensagens com alguém que conhecemos e que tem aspectos interessantes. Mas pode também acontecer de a pessoa que nos desperta interesse ser alguém com quem jamais falamos ou sequer falaremos ao longo de toda a vida – como no caso de pessoas da mídia, palestrantes, autoras e autores contemporâneos, cantores e cantoras, etc. Nesse sentido, algo que me faria desejar importar essa pessoa e seus signos precisa estar sinalizado e agindo para que a relação seja estabelecida.

Quando acontece algo próximo do relato social que mencionei acima, a situação parece ter se desenvolvido no plano da atratividade, que certamente se deu por aspectos visuais, como fotos; auditivos, como áudios, etc. Foi a partir desses componentes que eu me senti atraído em maior ou menor intensidade. Para que a conversa continuasse, e para que o relacionamento passasse do plano virtual para o físico presencial, o interesse deveria ser no mínimo expressivo – no meu caso. É por isso que eu digo que o aspecto interessante é muito mais significativo que o atraente. Não é nenhum tipo de regra, ou senso de valor universal, mas apenas algo que nesse momento que escrevo funciona em mim: eu não me relacionaria sexualmente com quem não fosse simultaneamente interessante e atraente, dentro do contexto que falo aqui.

Por fim, para não parecer “arrogante” da minha parte, ou extremamente “exigente”, é muito bom enfatizar que atraenteinteressante não são condições fixas e imutáveis. Se eu fosse elencar características que ao longo da minha vida já foram motivos de considerar alguém atraente e/ou interessante mas que hoje não significam nada disso, renderia um texto enorme. Quiçá fora eu alguém que, num olhar retrospectivo, pudesse ser considerado temporalmente sempre atraente e interessante para mim mesmo. O Andreone de ontem não existe mais; o que dele está aqui é o passado somado a inúmeras novas experiências; é um novo – mas que um dia será igualmente inexistente para passar a existir outra e outra vez. Só quem não se vê em trânsito, só quem não se percebe mudando e ressignificando seus desejos, seus valores, suas atrações e seus interesses seguiria ingenuamente acreditando que aquilo que nos é confortável hoje será invariavelmente para sempre. Como dizia Camões, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades“:

 

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E enfim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

[ Luís Vaz de Camões – (?)-1580 ]

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PENSE AÍ

Depois de todos esses devaneios filosóficos em torno do que é atraente e interessante, qual é a sua opinião? Você consegue pensar em alguém que é só atraente,interessante ou as duas coisas ao mesmo tempo? O que significa mais para você? Se achar que deve, deixe nos comentários a sua resposta sobre como você interpreta cada um desses conceitos. Quem sabe esse tema te atraia um pouco. Será muito interessante saber sua opinião!

 

vjppp

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

 

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