#01 – Somos menores do que imaginamos. Perceber-se um ponto insignificante dentro de um pálido ponto azul que vagueia em órbitas num vasto universo poderia ser um antídoto ao senso de grandeza que constrói a nossa ilusão e que, simultaneamente, corrói a nossa animalidade. Justamente pela crença de que existem gradações entre os seres humanos e destes para com o outros animais e seres vivos é que passamos a maior parte do tempo inventando conceitos que – um após o outro, numa cadeia caótica e compulsória – criam-se em ainda mais separações. Ou se é melhor pela cor da pele, ou pelo gênero, ou pela religião, ou por qualquer coisa correlata, ou se é melhor simplesmente porque elencou-se um atributo e deste fez-se o topo, transformando em base e em dominado todo o restante. Um conceito tende a chamar por outro conceito. E seja num ou noutro caso, parece universal que o ser humano se considera melhor sempre a partir de um ideia que existe apenas no plano imaginário, nunca no plano material. Nenhuma atribuição adjetiva – portanto, abstrata, irreal e inventada – faz sentido per se no mundo biológico; a nossa arrogância e ganância não subsiste a um minuto de análise “neutra”. A beleza, a arte, o bem e o mal, assim como o real e irreal, são, como não se poderia negar, atribuições feitas por um animal que virou coisa: sim, nós mesmos, ex-Homo sapiens, mas atualmente seres humanizados. Diga a natureza que ela existe, e ela continuará existindo; diga-lhe, por outro lado, que ela não passa de uma fantasia, de uma violência e de uma degeneração – e certamente que nada mudará: a natureza não sabe que é natureza, assim como peixe não sabe que é peixe, nem árvore sabe que faz fotossíntese. Nós, entretanto, criamos conceitos e alimentamos seus caprichos diariamente com ilusões e abstrações fervorosas tais que, por sua vez, acreditamos deveras que tudo o que pensamos pode também existir e que nossos valores de fato valoram a vida e substanciam as coisas; passamos a um ato alucinatório sem que percebamos a arte do engodo. Fazemos de nossas verdades a própria realidade; e desta, a única verdadeira; determinamos que nossos julgamentos são representações objetivas do tudo e do nada, do existente e do inexistente, real e irreal; vivemos como se o mundo que enxergamos fosse o mundo que de fato traça sua órbita elíptica ao redor do sol, e este ao redor de outro centro gravitacional, infinitamente. No fim das contas, supomos piamente que tudo que vemos, acreditamos, conceituamos e definimos é a coisa própria em si, e não uma ideia opaca da coisa que nós penosamente inventamos. Esquecemos de nossa insignificância frente ao cosmos e desdenhamos de nossa diluída representação frente ao mundo. Quer saber quanto vale a sua [e a minha] opinião no sentido puramente numérico? Divida 1 por 7,6 bilhões: eis a nossa importância absoluta. Concordo que talvez fizesse mais sentido, ou que fosse menos melancólico medir o nosso valor pelo quanto interferimos na vida que nos rodeia, ou seja, a nossa importância relativa – mesmo assim, como o valor é nosso [individual] e criado por mim e por você, o senso de que somos importante continuará criando raízes no sentimento de superioridade. O que fica – no fim e no começo – é que embora existam ferramentas que subvertam este meu palpite, somos menores do que imaginamos. Dar-se conta disso requer humildade, muita observação e alguns minutos de silêncio frente a vastidão de coisas, dos seres e dos acontecimentos que estão por aí o tempo todo – mas que nosso barulho e nosso “autobrilho” nos impedem de ver e de escutar.
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Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos
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#VocêJáParouParaPensar?
NOTA: A imagem utilizada para compôr essa publicação foi obtida aqui.