#05 – desconstrução construída. Não se sabe bem se desde hoje ou desde sempre, mas não é um segredo o desencanto contínuo de alguns seres audaciosos, a busca por desprender-se do senso comum e vigente e o desamarrar-se da suposta alienação que prende aos seus grilhões os pensamentos mais simples e os desejos mais animalizados. Busca-se, então, de uma maneira disruptiva ou num artesanato mais sutil e delicado desfazer-se de si mesme à medida que se descobre o invólucro ao qual se esteve em submissão. Toda possibilidade de mudança é uma ameaça à estabilidade: se ela não prevê uma alteração completa do estado atual pode, ao menos, suscitar uma alteração dos parâmetros já conhecidos – esse mudar em si mesme costuma trazer à superfície os monstros do “e se?“, do novo, do ameaçador. Ainda assim, ser alguém desconstruído é hoje quase que um título objetivado. E nesse ritual de desfazer-se para se refazer, renega-se o existir na estrutura antiga e reinicia-se numa busca pelo diferente. Pode ser uma desconstrução. Acontece que, por vezes, dado o desconhecimento do futuro e a previsão que falha pelo excesso de ingenuidade, toma-se por desconstruído todo um protocolo social que se encerra numa armadilha antiga e bem treinada. O ser em transformação supõe deixar o seu velho eu, e tal como uma serpente que acaba de trocar de pele – mas que está sensível, com a visão turva e com os movimentos comprometidos -, sujeita-se ao ambiente que o cerca; torna-se vítima de si e das outras cobras; refém de uma ideia fugidia, enevoada e perturbadora. Nesse lapso de direção, nesse ambiente que se mostra ainda mais caótico e voluptuoso, a desconstrução é então usurpada, toma-se bronze por ouro, ópio por água; embriaga-se na sensação de que realmente a mudança caminha naquela direção contrária à anterior, quando na verdade o bote foi certeiro e o engano realizado com precisão. Nesse momento, leitor e leitora, começa-se a repetir cegamente o que dita o conjunto; faz-se da desconstrução uma espécie de religião: quem não a segue à risca e sem duvidar é herege, sem perdão; torna-se um novo animal, que agora a um novo cabresto obedece a quem diz o que é certo e errado, a quem condena a partir de suas visões tudo o que dela escapa ou a ela adverte. Essa pseudo-desconstrução aliena tal como a outra, mas talvez com o deferencial de ser comprada como a melhor, a verdadeiramente eficiente, a única capaz de encaminhar o ser à dignidade. É uma desconstrução viciada e viciante, enganosa e delirante, que na oferta de liberdade te prende ao dever e ao exemplo. Pense por um momento! Quais as construções sociais que te modelam hoje? Qual delas você pode escolher e rejeitar livremente? Melhor: você pode mesmo escolher e/ou rejeitar alguma? Essa desconstrução por vezes te consome dos pés à cabeça? Pois “o que consome a sua mente controla a sua vida”! Mas uma desconstrução metrificada, protocolada e pautada numa moralidade não passa, creio eu, de uma desconstrução construída.
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Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos
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NOTA: A imagem utilizada para compôr essa publicação foi obtida aqui.
Este texto vêm em boa hora. Hoje se nota de fato o anseio pelo título de “ser um ser humano desconstruído”, pelo menos em determinados círculos sociais – no caso do curso de psicologia, esse título é bastante cobiçado… -.
Acredito que essa sua chamada de atenção é muito importante para que justamente o ato de se questionar e se desconstruir seja feito de modo pessoal e dentro de parâmetros pensados por cada um de nós, e não simplesmente aceitos ou acatados. Ainda tendo a achar que é melhor alguém que se desconstrua por questões superficiais do que alguém que nem ao menos se permite a mudança, até porque a mudança virá – se não na pessoa – no mundo ao redor dela com certeza.
Não acho ruim a ideia de se desconstruir a partir de outros, no entanto. Creio que é justamente a partir do contato com outros que podemos ter um melhor “renascimento”. Se entendi corretamente essa é uma ideia dentro desse aforismo também: não ser apenas levado pelo outro, mas agir ativamente, numa espécie de mutualismo (mesmo não querendo às vezes, ainda somos seres sociais, né haha).
No mais, quanta inspiração, hein!! Foi uma boa leitura hehe
Continue assim!! 🙂
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Que grande honra ter a sua visita, meu Querido! Maior ainda é a oportunidade de poder ler o seu comentário!
Concordo fortemente com sua fala! Principalmente quando você diz que “é melhor alguém que se desconstrua por questões superficiais do que alguém que nem ao menos se permite a mudança, até porque a mudança virá – se não na pessoa – no mundo ao redor dela com certeza”.
Um forte abraço!
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