Toca a campainha;
lá está a substância pessoalizada do modo menos pessoal possível;
não preciso convidá-la a entrar,
ela sempre esteve dentro – o som é interno;
é acionado apenas para marcar sua presença mais ativa e muitas manhãs.

Tudo segue acontecendo;
tudo se movimentando;
tudo variando;
tudo se [re]produzindo à mil.

Se tudo muda, algo há que parece variar pouco…
mas só parece, afinal, crescer é mudar;
e se vê que cresce o desânimo.

O desânimo, aquela substância, é constante;
constantemente crescente,
cresce a cada dia, floresce à cada estação,
está grande ao ponto de extravasar pelas janelas.

Há de chegar o dia em que lembranças pixeladas definirão a existência;
há de haver um lugar meramente simbólico do sofrimento n~~ao mais encarnado;
quando será o dia em que o não-querer-estar dará lugar ao não-haver?

Todos os dias a mirada no espelho revela uma imagem cada vez mais transparente,
algo ficou ali naquela de tarde de 19;
algo se esvaeceu e de dissipou;
algo perdeu ainda mais o sentido já rarefeito que era dado à vida.

Todos os dias me pedem para ficar;
quase que imploram por uma esperança;
exigem, sem que notem a demanda, que eu permaneça a qualquer custo;
em suas palavras viciadas propõem uma cura a algo que sou eu.

Diaramente o discurso tenta colocar ideias de permanência na minha mente.
Por que é tão difícil compreender que se existe amor, amar também é deixar ir?
Por que não conseguem conceber a ideia de que está bem querer embarcar na viagem?

O 19 foi um projeto inacabado,
ficou ali a esperança que se-quer é lida dessa forma;
se a esperança era de viajar, ela ruiu;
interromperam o processo/projeto.
Perdi o voo, cancelaram as passagens.

Desinteresse;
apatia;
desânimo, desânimo, desânimo;
inconformação;
indiferença.

A vida é um pensamento solto.
Ou, ao menos, eu quero poder soltá-lo para dela me soltar.

Todos os dias me olho no espelho da sala, aquele com duas pirâmides e um dado;
houve o tempo em que eu não tive coragem de contar a ninguém em voz alta o que silenciosamente explodia na minha cabeça havia tempos;
deixei, então, aqui, minhas palavras para que as lessem:
deixei meus termos para que os pudessem ler, ou para que os ignorassem – mesmo sabendo que não mudaria nada em suas vidas.

De certa forma, levemente me equivoquei;
levemente apenas!

Algo aconteceu em quem passou pelo episódio;
mas como nada dura para sempre,
os efeitos passam aos poucos;
a normalidade é fluida demais para não ocupar os recônditos das subjetividades angustiadas.

Mas existem espaços fundos demais, que sem sempre são preenchidos o bastante.
Ou, por outro lado, existem vasos furados,
cujo líquido vaza constantemente.

Antes não havia ao certo uma angústia destacada;
hoje sim que ela está aqui;
sentada aqui enquanto escrevo;
é angustiante saber que quero algo, mas ter de pensar em como realizar de fato o querer.

Há de chegar o dia em que lembranças definirão a existência,
há de haver um lugar meramente simbólico do sofrimento desencarnado;
quando será o dia em que o não-querer-estar dará lugar ao não-haver?

Nada dura para sempre,
a noite passa,
o dia passa,
o sonho passa,
a vontade passa,
a vida passa.

* * *

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

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