As experiências aparecem, ora ao acaso, ora por consequências notórias;
vivências,
buscas,
percalços,
histórias…
Os aprendizados surgem dia após dia,
nem todos são felizes,
nem todos são tristes;
mas é verdade que muitos aqui viraram cicatrizes;
lembro-me do tempo em que eu me abria com tamanha facilidade ao encontro,
que de tanto fazer isso passei a me desencontrar;
me desencontrei sobretudo daquilo que poderia ser eu,
buscava sempre agradar o que era “seu”.
de tantos “nãos” que escutei ao longo da minha vida afetiva,
hoje tenho dificuldade de dizer “sim” para mim;
não parece provável aquele afeto suave,
parece rara aquela conversa interessada;
sempre que começa com empolgação, o calor se fria no começo da estrada;
as cicatrizes estão aqui,
desde de manhã até à noite;
elas, num silêncio brutal, gritam de onde vieram;
não que por isso determinem os próximos passos,
mas inegavelmente afetam o que agora eu faço,
sugerem,
encantam,
alertam,
alarmam…
Cautela!
Calma!
Trauma?
Mesmo onde não precisa haver cuidados profundos,
elas estão ali, dizendo “será?”,
perguntando “e se?”,
sugerindo “de novo isso?”
Fere muito que algumas pessoas não tenham o mínimo de consideração,
que pisam o coração como se fosse ali o próprio chão;
que entram, bagunçam e saem no calar da noite,
isso tudo depois do beijo que antecede o açoite.
Nem todo fetiche é colonizador,
mas toda pessoa colonizadora é fetichista.
Nessa fantasia de um falso “querer” está escondido o pior do ser;
querem te amar, querem ficar, querem te beijar,
mas isso tudo é só uma estratégia rápida e vazia de te usar;
a complexidade é que “nem todes”,
nem todes chegam por e para isso;
nem todes querem apenas colonizar, usar, explorar e ir embora;
algumas pessoas são sinceras e honestas em suas ações;
nem todes, mas sempre alguém…
a questão são as cicatrizes;
de tantas que ficaram, a pele até engrossou,
sua elasticidade diminuiu,
de sua sensibilidade, pouco restou…
Como amar se não for de verdade?
Como se entregar por parcelas?
Por que não poder ser intensa em suas ações?
Para que pisar em ovos o tempo todo?
Há mesmo que fingir uma moderação afetiva só para evitar o prenúncio do sofrimento?
Me parece que quanto mais fingimos moderação;
quanto mais nos regulamos para não transparecer o que e quem somos,
quanto mais limitamos nossa expressão para aproximar as pessoas de nós,
é justamente aí que nos afastamos de quem somos, mais ampliamos nosso sofrimento, menos regulamos a nossa dor e mais perdemos nossa identidade.
Quando temos tantas cicatrizes causadas pelos cortes na nossa pele afetiva
é relativamente fácil perceber que devemos nos retirar de situações que não nos fazem bem;
é, na melhor das hipóteses, possível de se retirar dessas situações.
Ao mesmo tempo, essa casca grossa nos dificulta entender quando vivemos outro cenário;
se por um lado nos ajuda e rejeitar outros sofrimentos,
por outro lado no dificulta entender e aceitar quando recebemos um afeto calmo e acolhedor;
de tanto viver e reviver relações de preterimentos, de abuso e de descaso,
passamos a duvidar quando algo desejante, cuidador e acolhedor se apresenta diante de nós;
o que fazemos quando recebemos de uma relação aquilo que sempre buscamos, mas que só tivemos o oposto?
como reagir quando, ao levantarem as mãos para nós já esperarmos por um sinal de “adeus”, mas a pessoa diz “vem comigo, seguro a sua mão”?
quando estruturamos nossos afetos para resistirem ao vento, à tempestade de areia, à seca e ao terremoto,
se nada disso acontece achamos que nossa estrutura é inútil;
quando criamos várias proteções contra sofrimentos, parece que estamos justamente esperando por esses sofrimentos para darem sentido à nossa estrutura.
é tão absurdo quanto contratar um Plano de saúde e torcer para ter uma doença rara que faça valer a pena pagar pelo Plano;
ou tão ‘neurótico’ quanto assinar um seguro do carro e torcer para sofrer um acidente na estrada, para assim sentir que valeu a pena pagar pelo seguro.
em vez disso, poderíamos nos contentar que nossas defesas estão ali caso um problema aconteça, mas que não estão sendo necessárias para serem usadas;
As cicatrizes pode, sim, nos fazer mais resistentes e menos sensíveis aos novos encontros,
ela pode nos tornar menos disponíveis afetivamente;
mas nem tudo vira resistência, evitação e fuga;
algumas vivências nos produzem num lugar seguro;
algumas cicatrizes viram espelhos, e ao olhá-las olhamos para nós e nos vemos ali;
essa mirada ao espelho nos convida a nos amar, a nos valorizar,
a saber nossos limites e nossos desejos;
algumas cicatrizes são, por isso, nossas guias;
não pedimos para que elas existissem, mas quando vieram e ficaram, aprendemos a possuí-las sem que elas nos possuíssem.
Não escondo minhas cicatrizes, mas não espere que elas falem por mim;
não nego minhas vulnerabilidades, mas não pense que por isso estou disponível para que você me use como depósito de angústias num ato meramente utilitarista e descartável;
apesar das cicatrizes, ou justamente por elas, não deixarei de ser uma pessoa emocionada;
quero viver minhas emoções, sentir meus sentimentos e me encantar com o toque na pele;
não deixarei de olhar para as cicatrizes, mas elas me lembrarão que posso me amar mesmo que outras histórias não me encorajem a isso.
* * *

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos
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Não é raro a Sexualidade ser uma “forma” de manipulação, muitas vezes, em relações interpessoais! Quando leio uma espécie de check list gênero X atração, costumo dizer que atração a gente sente quando nos despertam ou quem nos despertou atração também sente! Dá aquela “mexida hormonal” ou como chamam feronomios! E ai quem nunca sentiu todo corpo preparado para receber penetracao e a outra pessoa sorrir nos tratando bem: creio que um beijo até breve com carícias, poderia haver como forma de aliviar a atração que despertou no outro!
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