Memórias póstumas de Brás Cubas

 

Costumo dizer que toda e qualquer leitura é capaz de nos ensinar algo (entenda-se “ensinar algo” como uma coisa abrangente – podemos aprender lições do que devemos, bem como do que não devemos fazer, basta estarmos atentos). No entanto, algumas leituras são simplesmente espetaculares, elas provocam uma reflexão quase que instantânea. Assim é com o grande Machado de Assis.

No trecho retirado do seu livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas” podemos observar a narrativa de alguém que não teve uma vida que foi “lá aquelas coisas”, muito pelo contrário, agiu com os propósitos mais baixos e mesquinhos, da maneira mais ‘malandra’ que se possa imaginar. Se o jeitinho brasileiro tivesse um pseudônimo, certamente que seria “Brás Cubas”. Mas, o que mais me chama a atenção é o fato de essa narrativa , embora póstuma, mostrar-se muito viva nos dias de hoje; muitas pessoas buscam levar a vida da maneira mais vantajosa possível, não demonstrando o mínimo de preocupação com aqueles que os cercam (observe isso em sua vida, verá que – talvez -, em um pequeno raio, dezenas de metros, à sua volta encontrará no mínimo um punhado). Quando digo “ter vantagens” refiro-me sobretudo à perpetuação desse hábito.

Nessa perspectiva, se pensarmos um pouco mais, veremos pessoas gerando pessoas (acreditam que sejam Pais e Mães tendo filhos), e nelas imprimem, como em uma fábrica de roupas, suas etiquetas. Tais etiquetas contém todas as informações do fabricante, desde orientações pessoais e profissionais, até os mais profundos estereótipos e preconceitos, bem como conselhos de uso. Se compararmos essa fábrica a uma produção de equipamentos tecnológicos, veremos que as configurações são diversas, existe um atalho para tudo, o que não se encontra de maneira alguma é o botão “formatar”; pessoas são, então, geradas sem o conhecimento do que é “pensar por si“. Como se não bastasse, são feitas para serem, não descartáveis, mas, “descartadoras”. Como as que desfazem amizades como se trocassem de copos em uma festa. 

Dessa maneira, observando-se apenas uma frase, e somando a ela um pouco de vivência, percebo que não seria de todo mal que tivéssemos o mesmo saldo que teve Brás Cubas. Ele ficou satisfeito por não deixar nenhum descendente para sua miséria. Nós, entretanto, podemos fazer o mesmo a cada ato, enquanto vivos. Temos defeitos formativos, falhas tectônicas, distúrbios e outras avarias; mas não precisamos deixar que isso seja passado – como em uma árvore genealógica – de geração em geração.

Se Brás Cubas ressuscitasse hoje mesmo e resolvesse passear por aí – digamos que fosse possível -, tomaria um susto. Pensaria que algo deu errado e que sem querer transmitiu não apenas a uma criatura, mas a várias, o seu legado de miséria. Portanto, sejamos nós aqueles que tentarão evitar esse constrangimento. Se algum legado tiver que ser deixado, que seja o legado Humano, dotado de bom aroma.

 

#VocêJáParouParaPensar?

Andreone Medrado
Devaneios Filosóficos