Uma característica indispensável ao filósofo é sentir a necessidade de ser alguém melhor dia após dia (ele em relação a ele mesmo). Relatos valiosos da antiga tradição budista revelam-nos que a cada dia devemos fazer o melhor possível como seres humanos, mas com a promessa de que no dia seguinte seremos ainda melhores, mesmo que só 1% a mais em relação ao dia anterior. Dizem, ainda, que uma gota de amor para com o próximo vale por uma vida inteira. Para tanto, é preciso encarar a verdade como algo fundamental à vida; aceitá-la significa, ademais outras coisas, saber analisar as críticas que sofremos das pessoas. Em outras palavras, se queremos crescer como seres humanos, precisamos buscar o autoconhecimento também a partir do que nos dizem – e esse “dizer” não precisa ser por palavras -, ainda que seja contrário ao que acreditamos, mas precisa ser verdadeiro. A verdade nem sempre é um travesseiro macio, ocasionalmente ela virá com/como espinhos.

Não sei se você concorda comigo, mas uma coisa é notória: raras são as pessoas que desejam mudar a maneira de pensar e enxergar a vida e, assim, manter o crescimento diário. Um dos motivos que, em minha opinião, afasta muitos de nós da busca pela sabedoria pode ser – principalmente –  a falta de coragem de saber quem realmente somos. O grande passo para começarmos nosso progresso humano consiste em conhecer a nós mesmos [“conhece a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses –  já dizia Sócrates]. No entanto, esse conhecimento mais profundo de nós mesmos pode ser tão revelador que temos uma enorme insegurança emocional e, por isso, não temos forças de seguir em frente – o que nos impede de iniciar aquilo que, segundo a alquimia clássica, era chamado de “obra em negro“. Que significa descer às nossas profundezas em busca de quem realmente somos. Tal aprofundamento pode ser assombroso, e isso é normal – afinal, entrar em uma casa escura e abandonada não costuma se motivador. E é assim, assombrados, que parecemos ficar quando damos valor somente à aparência, fortificando apenas o que a sociedade acha aprazível e, por algum motivo, decidimos viver a verdade.

Em se tratando de sociedade, no caso, a nossa atual, percebe-se que as pessoas detestam receber críticas. Se possível fosse, elas prefeririam que todos ficassem emudecidos a proferir uma só crítica. Eu pergunto o seguinte: Será que receber apenas elogios e abraços contribuiriam para o nosso crescimento? Pela minha experiência de vida, diria que está bem longe de parecer assim. Acredito, ainda, que aqueles que nos criticam tem muito a nos ensinar. Demorou para isso ficar claro em minha mente. Nem sempre é fácil absorver uma crítica e tentar entendê-la; é muito mais fácil rejeitá-la, deixar de falar com quem nos criticou e seguir com nosso possível defeito. Isso é leve, não exige mudanças e não nos consome energia (aparentemente). Contudo, já adianto: Não vale a pena agir assim. A melhor coisa que podemos fazer para o crescimento humano é agir com humildade. Não falarei aqui sobre a humildade, mas ela é crucial no desenvolvimento humano. Quanto às críticas, precisamos aprender a ouvir mais e falar menos, sempre seremos capazes de aprender – desde que reconheçamos que não sabemos de nada [“só sei que nada sei”].

23795601_1970724643186725_1144984108859291327_n

Não fugindo do contexto, gostaria de dizer que um termo muito comum na filosofia é o “eu” (assim, entre aspas mesmo) que Sri Ram aborda sabiamente em seu livro “Em busca da Sabedoria”. Sri Ram fala a todo momento contra o apego excessivo ao “eu” – especificamente o “eu-pequeno” -, aquele que nos torna mesquinhos e superficiais à medida que o valorizamos. Existe, no entanto, um espaço interior muito mais profundo, onde está a nossa essência, aquela que é comum a todos os seres humanos, mas particular em sua mensagem a ser transmitida por cada indivíduo. Interessantemente, ele diz que buscar por uma vida harmoniosa, pautada em princípios e valores depurados – como deve acontecer a um filósofo – deve incluir “silenciar” o “eu pequeno” e, a partir da verdade, conduzir o seu olhar em busca da sabedoria. Esse autor diz uma frase muito marcante: “é somente quando a vida da pessoa está baseada na verdade que ela adquire o aspecto de sabedoria”.

Outro grande detalhe a ser investigado por cada um de nós é a força de nossa percepção em relação ao que de fato é a verdade. Atualmente, a busca pela falsa ideia da verdade (o que Sri Ram chama de “imagem da verdade”) parece prevalecer sobre aquilo que de fato é verdadeiro. É doloso, por exemplo, ver que as redes sociais trazem à tona um quadro bem periclitante em relação ao comportamento das pessoas diante da falsa realidade dos fatos. Vamos a um exemplo: nem dez ou vinte, mas muito mais que isso, são os perfis de pessoas que não estão passando por um momento muito bom em suas vidas reais e, infelizmente, não tem força de buscar por um amigo/a verdadeiro/a e desabafar (talvez porque todos sejam virtuais) suas dores. Antes, preferem buscar um apoio irreal, postando suas fotos com sorrisos bem feitos, em momentos de supostas alegrias, na esperança de receberem curtidas e, por isso, achar que sua vida está “bem cotada” e que vale a pena de ser vivida. Ou seja, forja-se um mundo imaginário para que a vida possa fazer sentido, porque o mundo real está sem graça e sem motivação. Isso pode, a princípio, deixar parecer que estou julgando o mundo pela minha esfera de “amizades” e contatos. Mas não é exatamente isso. Vivo no Brasil, mas um sociólogo que vivia em Londres, a saber Zygmunt Bauman, fala disso em uma entrevista. Em resumo, segundo ele, os laços sociais físicos parecem ter perdido seu valor e as pessoas demonstram viver como se tudo fosse regido pela interação virtual.

Nesse sentido, é sugestivo dizer que uma falsa verdade se levanta sobre nós e nem sempre somos capazes – ou nem sempre queremos – enxergá-la, o que sugere mais um viés desse tema, que é o fato de atribuirmos um valor exagerado a certas coisas a ponto de transformarmos um conceito ou uma ideia falsa em verdade. Mais um exemplo: quando falamos da “felicidade” que circula nas grandes mídias (aquelas que se resumem a comprar um carro novo, viajar para a Europa, beber uma Coca-Cola®, etc…), não resta muita dúvida de que a ideia consagrada do prazer como representação de ser feliz é aceita por boa parte da população. Pessoas felizes são, necessariamente, pessoas que sorriem, que estão sentindo um prazer notório; do contrário, são consideradas – obviamente – infelizes e tristes. A verdade é que, segundo diversas tradições antigas, desde a egípcia, budista até as gregas, ser feliz não está diretamente ligada ao ato de prazer – confundir essas duas coisas pode criar um vazio conceitual muito grande, com impactos reais. Cabe dizer que, sentir prazer não deve ser considerado, como na Idade Média, um ato de pecado. O prazer simplesmente não pode ofuscar a sua ideia daquilo que é de fato verdadeiro, fazendo com que você mude a sua rota por conta disso. Do contrário, retomaríamos a algo semelhante ao observado na Roma Antiga, na qual o prazer da folga e do espetáculo tornava verdadeira a ideia do “pão e circo”, quando na verdade não passava de uma manipulação intencional da massa de manobra.

Por essas e outras razões, é indispensável ao filósofo buscar a compreensão das coisas em sua realidade. Entender superficialmente os questionamentos da existência humana não é difícil, isso fazem aqueles/as que buscam a alienação como estilo de vida. Mas, se você quer realmente ser motivo de soma na vida das pessoas, deve fazê-lo com sabedoria. E é impossível ser sábio sem viver uma vida baseada na verdade. Sejamos melhores dia após dia. Sejamos verdadeiros, sejamos humanos.

“Aprendei a dizer a verdade com propriedade e a propósito; e, se vossos esforços não puderem servir para efetuar o bem, que sirvam ao menos para diminuir a intensidade do mal; porque tudo só será bom e perfeito, quando os próprios homens forem bons e perfeitos; e até lá, os séculos passarão”

(Thomas Morus – Utopia)

 

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

#VocêJáParouParaPensar?