Como vai, querida Quelone? Tudo bem com você?

Fiquei sabendo… ouvi dizer…
Ouvi dizer que você cresceu, já não é a mesma menina de antes. Soube também que agora está trabalhando, e que a sua vida não é mais amarrada aos seus pais, e que você é uma mulher independente, pode fazer de seus ganhos e gastos o que quiser, como e onde desejar. Por horas,  estive a pensar em ti. Por quê? Sei lá eu. Mas assim estive.

Conhecer-te como eu conheço, apesar de não ser em pouco grau, não responde nem de longe aos meus questionamentos. Suspeito de que tais observações sejam frutos de diálogos que tivemos. Ao mesmo tempo que você diz querer andar mais rápido, essa casa construída sobre suas costas delongam seus passos e acabam consumindo a sua energia. A propósito, esse nome, “Quelone“… Ouvi dizer que é oriundo da palavra grega Khelônê – que significa “tartaruga”. Segundo a Mitologia Grega, Khelônê foi uma ninfa que ao ser convidada por Hermes junto como todos os homens, deuses e ninfas para o casamento de Zeus com Hera não compareceu, pois era demasiadamente morosa em seus atos – quando pensava em fazer algo, movia-se de tamanha “lerdeza” que nunca chegava ao seu destino, falhava nos compromissos. Conta-se, também, que quando ela resolveu sair de casa para ir à festa deitou-se no caminho para descansar, acordando apenas quando os convidados retornavam. Ela, então, acordando por ouvir destes os comentários sobre o casamento, decide retornar à sua casa – recebendo por isso o castigo dos deuses, que a transformaram em uma tartaruga, condenada a carregar sobre suas costas a sua casa, para sempre. Porventura seria isso uma mera coincidência? Ah! não posso chamar-te de Quel? Parece-me mais meigo e carinhoso.

Estou sabendo que você tem sonhos – tu me dissestes – e que almeja ser diferente da Ninfa mitológica. Sim, isso é possível – desde que não imite as atitudes dela. Einstein dizia (ou melhor, esta frase é atribuída a ele) que “não adianta fazer a mesma coisa todos os dias e esperar resultados diferentes“. Tenho que concordar com ele. Por isso, você poderia me dizer o porquê de insistir em carregar essa casa sobre ti? Até quando seguirás dizendo que quem a pousou sobre suas costas foi a vida. Será mesmo? Será que os deuses existem para colocar casas sobre nossas costas ou, na realidade, nós quem a construímos e saímos por aí com ela culpando quem quer que seja? No livro homérico – Odisseia -, logo no primeiro Canto, nos versos 33-36, diz assim:

Vede bem como os mortais acusam os deuses!
De nós (dizem) provêm as desgraças, quando são eles,
pela sua loucura, que sofrem mais do que deviam.

Quem sou eu para dar-te conselhos, não é verdade? Mas, posso atrever-me a um? É esse: Seja mais!
Tire a culpa das estrelas, tire a culpa de tuas costas! Tire a culpa de seus pais – eles não te formaram, ninguém te formou, você quem aceitou ser assim… conscientemente! Seja mais ativa e exigente consigo, seja mais humana. O sol de fevereiro – em que vivemos nesse momento – está ardente, quer se divertir sob ele? Divirta-se – você é (ou deveria) ser livre. Mas, no carnaval da vida, cuide para não ser mais uma ninfa que se atrasa para o compromisso da vida.

Por fim, Quel, digo que entre as maiores e mais perigosas debilidades que podemos ter está a de vitimização. Não no sentido popular, mas no filosófico: não conseguimos viver sem que o mundo olhe para nós e nos dê motivos para aceitarmos o sofrimento e as condições existenciais – nutrindo nosso ego desse mal. Seja mais, imite menos! 

Se leu até aqui, agradeço-lhe a atenção! Quando quiser me visitar, já sabe, estarei disponível. Mas, por favor, se vier, não se atrase!

 

Atenciosamente,
Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

 

Créditos da imagem: a foto utilizada para ilustrar a capa desta publicação foi retirada deste link.