A BANDA  (Chico Buarque)

Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas
Parou para ver, ouvir e dar passagem

A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela

A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar cantando coisas de amor

Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou

E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor

(Ouça a música)

Recentemente, ouvi o escritor Rubem Alves falar dessa música em uma palestra no Youtube e achei a reflexão digna de compartilhamento. Até então eu não a conhecia. Depois de assistir à palestra, li e ouvi toda a música, meditando em seu significado do ponto de vista filosófico. É surpreendente. Se você assistir à palestra verá que, partindo dela, desenvolvo outras reflexões. Vale a pena conferir!

Falando da música, observe que, quando se diz, por exemplo, “O homem sério que contava dinheiro parou […] O faroleiro que contava vantagem parou […] para ver, ouvir e dar passagem“, o que se mostra aqui e que se repete ao longo de todo o enredo é a ideia central de que só notamos a canção da banda quando refreamos nossos anseios, e decidimos parar as atividades para escutá-la. Quando cada personagem para os seus afazeres, inclusive suas dores e desencantos (como visto em “A moça triste que vivia calada sorriu”), decidindo ver a banda passar, podemos interpretar como um sinal de quietude diante de algo mágico, que não seria totalmente percebido se fossem mantidas as preocupações comuns e superficiais.

Pense nisso no dia a dia de nossas vidas terrenas. Quantas são as vezes em que observamos com atenção os detalhes da vida? Qual a última vez que você observou a lua ou as nuvens que se formavam no céu e que pressagiavam a chuva? Quando foi a última vez que aquele olhar puro de uma criança que você teve no passado lhe reviveu e te permitiu enxergar “animais” nas nuvens? (A mitologia grega diz que a deusa Hera quem soprava sobre as nuvens e elas assumiam formas variadas, entre as quais de animais. Mas eu ainda aposto no brilho pueril para promover este mesmo efeito.) Qual a última vez que você olhou nos olhos de um amigo/a querendo prestar-lhe um sincero apoio – sem nada desejar em troca? Geralmente estamos muito ocupados com aquilo que proporciona ou prazer imediato ou redução das dores a nós próprios. “A Banda“, que muito bem poderia representar – a princípio – a construção de uma sociedade moral e ética, ou no mínimo mais educada, infelizmente não é notada, porque parecemos não minorar nossa ignorância para “ouvi-la tocar”. Pelo contrário, quando algum instrumento toca, querendo anunciar uma oportunidade de reflexão e mudança de comportamento, tratamos logo de silenciá-lo, para que não atrapalhem nosso dito “progresso”.

E como a “Banda toca”? E quando a “Banda passa”? Bom, tais situações podem acontecer de diferentes maneiras, mas uma coisa é certa: ouve-se a “Banda tocar” quando você sente aquele incômodo em seus pensamentos, que praticamente insiste para que revejas a sua conduta enquanto ser humano – aquele despertar para um olhar mais depurado,  o qual enxerga beleza em um ato de fraternidade em ajudar o próximo, em servir mais que em ser servido. Além disso, quando você observa que seus atos, embora não prejudiquem outras pessoas, são egoístas e mesquinhos, buscando sempre um benefício com pouco esforço e sem consideração pelos demais, esquecendo-se que você faz parte do todo e que não deveria viver em uma bolha só para si e, tomando consciência busca pela mudança, a banda está passando. Saber como ela toca, exige uma atenção pessoal, que parte de dentro para fora. Enxergar o mundo como um sistema dinâmico, no qual pessoas e outros seres estão interligados é uma ótima maneira de fazer isso. Ler bons livros e/ou textos (a saber, aqueles que te faz pensar, que te avança um passo no sentido da formação humana), ouvir boas músicas (que não tenham vibrações e/ou linguagens grosseiras), ter boas conversas, por exemplo, sobre questões sociais e existenciais ao invés de falar de vidas virtuais e de personagens que jamais existiram ou existirão – senão na fantasia -, são interessantes formas de entender como a “Banda toca”.

Uma simples música pode trazer excelentes reflexões. Que não deixemos passar as oportunidades de somar na vida do próximo por escolher, em troca, alimentar a nossa própria mediocridade e debilidade. Quão bom seria se o vaticínio de Chico Buarque não se cumprisse, onde ele diz

“[…] Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou

E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor.”

#VocêJáParouParaPensar?

 

NOTA: A foto de Chico Buarque, utilizada construção da imagem de capa foi retirada deste Link.

 

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos