Acusam-me, de quando em quando, de ser “pessimista” […] Isso, só porque não tenho o hábito de bendizer tudo e por não concordar livremente com a maioria das situações que vejo em nossa sociedade, com maior ênfase, talvez, essa acusação deve-se por eu buscar pela real definição de certas palavras que ao longo da história foram esvaziadas pelo mal uso – sou sempre o chato da vez. Como vocês devem supor pela imagem de capa, uma dessas palavras é a famigerada e aclamada e venerada e santificada Felicidade. “Que diremos pois destas coisas?”

Caros leitores, sejamos realistas: Precisamos Viver! E, não obstante, torna-se imprescindível fazê-lo da maneira mais inteligente possível.

Atualmente, a procura pela chamada “felicidade” é desenfreada, senão doentia. Parafraseando um filósofo/historiador que admiro – Leandro Karnal -, dada a dimensão dessa procura, a felicidade passou a ser “vendida” em farmácias (sob a forma de remédios), em bares (falsamente, no estado líquido), e até mesmo em shoppings (onde também é chamada de ‘compras’). Outro ponto interessante é que muitos de nós deixamos de viver intensamente o presente acreditando religiosamente que, no futuro, após nossos esforços, alcançaremos a tal felicidade; esperamos tanto pelo futuro que perdemos eventuais oportunidades de sermos felizes [hoje].

Nesse sentido, a grande verdade é que, no meu ponto de vista, ninguém precisa sofrer por não ser feliz;  muito menos se deve supor não tanto feliz como são os que nos bordejam – se é que realmente o são. Tem mais: ninguém é obrigado a encontrar-se com a felicidade todos os dias à sua porta. Primeiramente, o que é felicidade para “A” não necessariamente o é para “B”. Então, pensemos, por que perdemos a motivação quando não conseguimos determinada colocação no mercado de trabalho/escola/grupo social? Ou, por que nos inferiorizamos quando não temos aquilo que faz outrem sorrir? Por que  se desmorona o nosso castelo de possibilidade ao primeiro desencanto? Por que cometemos atos impensados de pura carência psicológica somente buscando os produtos dessas ações na forma dessa palavrinha esvaziada? Não precisamos postar falsas felicidades nas redes sociais, muito menos que curtam as nossas fotos para que a nossa vida tenha sentido; não precisamos ser quem não nascemos para ser simplesmente porque o a nossa sociedade assim nos quer. Pare! Pense! Você NUNCA será feliz enquanto achar que a felicidade é uma obrigação ou parâmetro de vida boa! Você NUNCA será feliz enquanto não souber o que de fato te faz vibrar!

Mas aqui surge um impasse colossal: o que é a Felicidade?
Bom, realmente esculpir essa definição não é uma tarefa fácil – Epicuro, Spinoza e Cristo que vos diga (e olha que tentaram!). Ademais, eu não sou a melhor pessoa para dizer isso com tanta certeza, pois também sou um mero aspirante à sabedoria…. um mero filósofo, estou aprendendo – como o pregador eclesiástico da bíblia dizia: “avisto a sabedoria, mas sei que ela está lá do outro lado da colina, ao longe”. Por outro lado, posso arriscar a dizer o que não é a felicidade – menos complicado. Depois, se for possível, arrisco um palpite sobre o que ela poderia ser, Ok? Sem dúvidas, posso dizer uma coisa: Felicidade não deve ser tida como sinônimo de prazer e/ou alegria. São coisas totalmente distintas, porém não necessariamente indissociáveis. Eis aí o possível motivo de tanta confusão por parte da sociedade.

Vamos à prática… Se eu vos pedir para me dar 3 exemplos de felicidade, quais seriam esses? … [pensem] … Mais: e se agora (sendo generoso) eu vos pedir que me digam um [apenas um] exemplo de Felicidade que não envolva prazer e/ou alegria, qual seria? Viram? Geralmente associamos estas palavras como sinônimas. Isso nos faz refletir o porquê das mídias sociais transformarem um carro zero km, uma viajem, uma festa ou, até mesmo, uma Coca-Cola gelada em felicidade. Será mesmo que Felicidade é só isso? Para mim, como neurocientista, atribuiria a tudo isso uma séria de cascatas hormonais. Desde a liberação de catecolaminas (como dopamina), serotonina, oxitocina, e por aí vai, até os comportamentos e sensações derivados dessas moléculas, tudo pode e é facilmente confundido com o que seria “felicidade”. Vamos com calma! Se assim fosse, bastava um café e eu seria a pessoa mais “feliz” do mundo.

Como eu disse, definir a felicidade não é algo muito preciso e certeiro, mas eu diria que ela não deve ser considerada como o nosso objetivo de vida. Ser feliz não é algo que deveria ser programado e calculado, como fazemos com uma aposentadoria ou determinado cargo no mercado de trabalho. A Felicidade, se acontecer dela nos visitar, deve ser uma consequência natural de nossas mais humanas e genuínas ações. Imaginem que eu viva exatamente aquilo que acabo de vos dizer – que minhas ações de bondade são humanas e genuínas. Simultaneamente, imaginem uma situação fictícia, na qual eu um seja voluntário num grupo de socorristas durante uma trilha na floresta. Agora, observem bem! Estou no meu primeiro dia de voluntariado quando, de repente, uma pessoa sofre um grave acidente. Nesse instante encontro-me sozinho para auxiliar a pessoa que perde muito sangue, apresenta uma fratura exposta e grita desesperadamente de dor – nisso chega correndo um parente, que desatina a chorar pelo sofrimento do acidentado. À medida que o tempo passa, eu percebo que a situação começa a estabilizar-se, por fim outros socorristas chegam e, então, normaliza-se tudo. O acidentado está a salvo. Foi levado para um local de pronto atendimento. Eu posso dizer que fui feliz naquela situação? Diante de tanta dor e apreensão, a felicidade consegue aparecer com todo seu potencial? A resposta é Sim! Felicidade pode ser vista e tida, metaforicamente, como uma voz que nos diz que estamos no caminho certo, que naquele momento brilhamos enquanto seres humanos. Mesmo que não houveram risos ou alegrias estonteantes, no exemplo fictício, fui humano e agi com atenção à vida. Fui feliz! Percebem que isso é diferente do que é pregado sobretudo pelas mídias? Não só por elas, mas por muitas igrejas e qualquer outra corrente ideológica que nos ensinam que a felicidade é o nosso termômetro na vida, o qual jamais indicará uma febre, no máximo uma hipotermia – ou seja, não podemos carecer de felicidade, porém, não há limites para tê-la conosco.

O grande risco de confundirmos a felicidade com prazer/alegria é que ficamos viciados – com isso, nunca seremos felizes como fomos ontem, nem amanhã como hoje. Quando consideramos algo como o produto final –  meta de vida que está acima de tudo, passamos a buscar por aquilo em nossas ações – geralmente isso não tem outro fim senão o esgotamento do buscador. Se o vício em drogas afetam a vida de incontáveis humanos, isso não ocorre apenas no plano neuro-hormonal, o estado psicológico é fortemente afetado. Chegando ao ponto em que não ajudamos uma pessoa porque é o certo, mas porque isso é bem visto pelos demais. Não buscamos um deus porque queremos nos aproximar dele, mas porque nosso estoque de “felicidade” está acabando, precisamos de mais, do contrário seremos “pessoas que deram errado na vida”. Ser feliz, repito, não é regra nem dever. Falo por mim: se eu morrer hoje, pouco me importa se fui feliz na vida ou não. Verdade é que morrerei, e vocês também, mas quero fazer o melhor que posso enquanto estiver vivo.

Digo por aí, e direi por aqui: Não tenham medo de morrer! Temam não viver enquanto estão com vida.  

Portanto, deixemos de reclamar os porquês de não sermos felizes, isso não mudará em nada a nossa situação. Antes, cresçamos como seres humanos [conhece a ti mesmo – já dizia a máxima socrática] e busquemos adquirir sabedoria o suficiente para entender se o que vivemos é real, ou se tudo não passa de uma insana busca pela felicidade.

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BÔNUS : Um pouco de História

Acompanhem – e reflitam sobre – um trecho do livro Sapiens, de Yuval Noah Harari, no qual ele aborda, ao final da Parte IV, a relação entre melhorias históricas e felicidade:

“A ciência e a Revolução Industrial deram à humanidade poderes sobre-humanos e energia praticamente sem limites. A ordem social foi totalmente transformada, bem como a política, a vida cotidiana e a psicologia humana.

Mas somos mais felizes? A riqueza que a humanidade acumulou nos últimos cinco séculos se traduz em contentamento? A descoberta de fontes de energia inesgotáveis abre diante de nós depósitos inesgotáveis de felicidade?Voltando ainda mais no tempo, os cerca de 70 milênios desde a Revolução Cognitiva tornaram o mundo um lugar melhor para se viver? O falecido Neil Armstrong, cuja pegada continua intacta na Lua sem vento, foi mais feliz que os caçadores-coletores anônimos que há 30 mil anos deixaram suas  marcas de mão em uma parede na caverna de Chauvet? Se não, qual o sentido de desenvolver agricultura, cidades, escrita, moeda, impérios, ciência e indústria?

Os historiadores raramente fazem essas perguntas. Eles não perguntam se os cidadãos de Uruk e da Babilônia foram mais felizes que seus ancestrais caçadores-coletores, se a ascensão do islamismo tornou os egípcios mais satisfeitos com a vida, ou de que modo o colapso dos impérios europeus na África influenciou a felicidade de muitos milhões de pessoas. Mas essas são as perguntas mais importantes que podemos fazer à história. A maioria dos programas ideológicos e políticos atuais se baseia em ideias um tanto frágeis no que concerne à fonte real de felicidade humana. Os nacionalistas acreditam que a autodeterminação política é essencial para a nossa felicidade. Os comunistas postulam que todos seriam felizes sob a ditadura do proletariado. Os capitalistas sustentam que só o livre mercado pode garantir a maior felicidade possível para o maior número, criando crescimento econômico e abundância material e ensinando as pessoas a serem autossuficientes e empreendedoras. O que aconteceria se pesquisas sérias mostrassem que essas hipóteses estão erradas? […]

[… ] os historiadores têm evitado fazer essas perguntas, que dirá respondê-las. Eles pesquisaram a história de praticamente tudo – política, sociedade, economia, gênero, doenças, sexualidade, alimentação, vestuário –, mas raras vezes pararam para se perguntar como essas coisas influenciam a felicidade humana. Embora poucos tenham estudado a história da felicidade no longo prazo, quase todos os estudiosos e leigos têm alguma ideia vaga preconcebida a esse respeito. […]”

 

SUGESTÕES de leituras para os seus devaneios filosóficos

Caso queiram saber outras opiniões sobre esse assunto, que tal algumas sugestões?

Leituras recomendadas:

Resultado de imagem para a molécula da moralidade pdf Paul Zak – A molécula da moralidade

Felicidade

 

Sapiens – uma breve história da humanidade20046853_1918248781767645_1991199288041674907_nFoto: Andreone T. Medrado

 

#VocêJáParouParaPensar?

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos