Interjeição é uma palavra invariável ou sintagma que formam, por si sós, frases que exprimem uma emoção, uma sensação, uma ordem, um apelo ou descrevem um ruído (p.ex.: psiu!oh!coragem!meu Deus!)

As interjeições aparecem quase sempre seguidas de um ponto de exclamação, que pode estar imediatamente depois delas ou no final da frase: Exemplos: Credo! que horror!, Adeus, meus amigos!

O significado de cada interjeição depende sempre do contexto em que ela aparece e da entonação com que é pronunciada. Exemplo: psiu! (breve) – chamamento, psiu! (alongado) – pedido de silêncio.

Quando a interjeição é expressa por mais de uma palavra, recebe o nome de locução interjetiva. Exemplos: ora bolas!, Cruz credo!, Puxa vida! Pelo amor de Deus!

Como visto acima, várias são as possibilidades de se utilizar das chamadas interjeições no dia a dia. Não raramente ouvimos delas aos montes, seja aonde for, independente da ocasião. Até aqui, aparentemente, tudo soa muito bem, sem grandes problemas; quem não gosta de ouvir um bom dia!, Boa tarde! ou um Boa noite!? Que mal há em dizer Eu te Amo!, A Paz de Deus!, Deus te abençoe!, Vá com Deus! ou Fique com Deus!?  Mas, espere um instante…. essas “estruturas” são interjeições???? Bom, se você mudar um pouquinho só o seu ponto de vista, olhando sob um ângulo um tanto quanto fora do comum, perceberá que sim, podem ser consideradas como interjeições – ou melhor, locuções interjetivas. Veremos.

Você já parou para pensar que temos o costume de utilizar determinadas palavras, ou até mesmo algumas frases como resposta automática, sem que elas necessariamente tenha um significado pleno? Quando estamos em uma roda de amigos e um deles nos diz algo que foge totalmente da nossa aceitação, dizemos logo um “Sai fora!“; quando nos contam algo realmente novo, que nos chama muito a atenção, dizemos “Hum!“; se, por sua vez, um evento ou uma ação já passou da hora de ter ocorrido e de repente acontece, lançamos um “Aleluia!“. Não obstante, nem pensamos que “Aleluia” significa “Louvem Deus”, ou que ao dizermos “sai fora” deveria significar “vá embora” […] quanto ao “Hum”…. sabe-se lá de onde isso saiu, mas a verdade é que utilizamos muito esse termo. Entretanto, há uma palavra que parece calhar bem como uma interjeição, principalmente por ser amplamente usada como uma reação mecânica, mas que não tem seu significado levado a sério no momento em que é dita. Essa palavra é Deus.

Quando digo que “Deus” é a interjeição nossa de cada dia, refiro-me principalmente ao uso dessa palavra desprovido de seu significado pleno (Deus enquanto entidade divina, adorado em alguma religião), mas que é, por outro lado, imbuído de sentido. Quando queremos pedir ou clamar por algo e dizemos “pelo amor de Deus”, na verdade estamos expressando isso simplesmente no sentido de “por favor”; Quando nos aproximamos de um idoso católico, existe o costume de dizer-lhe “Bênção, Sr. Z“, que nos responde “Deus te abençoe”. Esse “Deus te abençoe” é dito em que sentido? Seria no sentido mais comum de bênção (voto de felicidade), ou mais próximo de seu sentido no hebraico (algo celestial dado por Deus a nós. Dt. 16:17)? A verdade é que, dado o nosso poder de transtornar transformar os sentidos das palavras, acabamos por esvaziar o significado de muitos dizeres, enquanto o seu sentido, como vimos logo de início, depende exclusivamente do contexto.

No dia a dia – e aqui vai uma crítica às instituições religiosas (especificamente às igrejas) – não percebemos o quanto podemos transmutar conceitos e passá-los de geração em geração. [Às vezes] Fazemos isso  mecanicamente, sem pensar. Como exposto por Frédéric Lenoir, no livro Deus – sua história na epopeia humana, a palavra “Deus” assumiu diversos significados ao longo da história e é usada das mais variadas formas e nos mais diferentes contextos. Assim, quando observo as igrejas modernas, tenho a impressão de que cada uma, embora utilize da mesma fonte de conhecimento (a Bíblia), falam de “deuses” totalmente distintos. Talvez, essa minha impressão deriva-se exatamente da transformação livre de Deus em uma interjeição – ou seja, usa-se essa palavra apenas como um termo que expressa outro sentido. Sentido esse consagrado pelo uso, não pelo que ele de fato possa querer dizer. Por exemplo, ao se convencionar uma determinada saudação, tal como A Paz de Deus ou A Paz do Senhor, deveríamos ter a consciência de saber o que ela significa. Isso faria com que eu jamais dissesse essa saudação caso não houvesse de fato a Paz de Deus no meu coração; essa saudação não deveria ser dita como se diz um “bom dia”. Para além do ideal, já vi pessoas que não se suportam dizerem umas às outras “A Paz de Deus” ou “A Paz do Senhor“. É o mesmo que se dizer “Eu te amo” à uma pessoa que de fato não sentimos nada senão uma indiferença abissal. Não é interessante isso! Porém, é muito praticado.

Mas isso não se restringe apenas ao corpo eclesiástico – tornou-se parte incorporada da cultura brasileira. Apesar de eu não frequentar nenhuma religião e questionar seriamente a eventual existência de Deus, não considero sensato que – aqueles que nele acreditam – tratem dessa crença com tamanha frieza e desdém; parece-me no mínimo incoerente tal atitude. Nesse contexto, entre as interjeições mais consagradas, sem dúvidas uma merece posição de destaque: Graças a Deus!. Essa é utilizada para praticamente tudo, e nem é dita por alguém que frequente – religiosamente – uma igreja. Daí, percebemos que de fato tornou-se uma interjeição – ou, para usar o nome correto, uma locução interjetiva. Compare algumas situações e seus respectivos questionamentos:

_Graças a Deus que choveu aqui em São Paulo, estava muito seco!
E graças a quem que no nordeste morre-se de sede?

_Graças a Deus que você chegou bem!
E graças a quem que outra pessoa morreu ao caminho do trabalho, ou trabalhando?

_Graças a Deus que você foi aprovado no vestibular!
E graças a quem que milhares foram reprovados ?

_Graças a Deus que minha família é unida!
E graças a quem que um certo “pai” estuprou os filhos?

_Graças a Deus que tenho o que comer!
E graças a quem que milhares de pessoas morrem de fome todos os dias?

_Graças a Deus que …etc…etc…

Isso traz à tona pelo menos duas reflexões. Na primeira, considerando que a pessoa está de fato consciente da fala e que de fato o agradecimento é pensado e não se trata de uma interjeição, ao se dizer “dou graças a Deus”, pressupõe-se que a causa obtida foi porque Ele quis que assim o fosse; simplesmente porque Ele está sob vigília a todo momento na vida de certas pessoas e que Ele interfere diretamente – como um sentinela que jamais dorme – e que vive em função apenas dos seus filhos eleitos. Quanto aos que não tiveram a mesma “sorte” da proteção, cabe o padecimento, como precitos no deserto. Logo, não podem dizer que agradecem por algo, pois não há pelo que agradecer. Isso soa, mais uma vez, incoerente. Renderia um post apenas para falar desse assunto de agradecimento. [Esse post já existe! Acesse-o aqui]

Na segunda reflexão – um pouco mais profunda – pode ocorrer uma falta de coerência entre as palavras e os atos. Como que uma pessoa que agradece a Deus pela sua família não se esforça para dar a ela a devida atenção? Ao mesmo tempo em que se agradece pela dádiva da família, ela é deixada de lado – porque ganhar dinheiro é, além de necessário, mais importante do que viver a vida ao lado de seus entes? Ainda, agradece-se pela comida, mas em boa parte das vezes nem o sabor é recordado – comemos com tanta pressa que nem sentimos o que colocamos na boca… quando não, resolvemos comer o alimento “agraciado” quando estamos diante de alguma atração, que esta acaba sendo mais saborosa que o almoço… acabamos de comer e ficamos com a “síndrome do  prato vazio” (olhamos para o prato e dizemos: Eu já comi tudo? Nem me dei conta de que acabou! – e não nos sentimos saciados). Como que o agradecimento pode ser sincero se não o vivemos na vida real? Agradecemos apenas por costume? usamos apenas uma interjeição? Tenho para mim que desfrutar da vida com consciência, entregando-se ao que é feito e aproveitando cada situação com dedicação e presença mental, é sinônimo de agradecimento legítimo, ainda que nenhuma sílaba seja dita. Um ato sincero vale mais que mil palavras.

CONCLUSÃO

Por que isso acontece? Acredito que você já entendeu, todavia reitero: uma das principais causas da transformação de palavras em interjeições deve-se à consagração pelo uso, o que nem sempre leva em conta aquilo que a palavra ou frase significa per si. Na palavra em questão – Deus -, outdoors, fachadas gigantescas, frases motivacionais, jargões famosos e até mesmo saudações e felicitações são destituídos dos significados originais. Há apenas uma expressividade que condiz com o contexto e o tom da voz. Dizem uma coisa, mas exprimem outra bem diferente!

Por fim, acho extremamente importante dizer que não sou contra o uso de interjeições ou de locuções interjetivas. O que me causa incômodo é o fato de falarmos por aí coisas sem pensar sequer no significado real por traz delas. Uma simples interjeição não é o fim do mundo, mas o mecanismo que transforma uma expressão em interjeição é o mesmo que esvazia centenas de palavras. Palavras estas que usamos no dia a dia sem o mínimo interesse em saber do que dizem.

Ufa!!! Acabou! (uma interjeição, só para descontrair)

Por favor, deixem os seus comentários; diga-nos o que você achou desse assunto!

 

#VocêJáParouParaPensar?

Referências: