Hoje terminei a leitura de um livro que, apesar de não ser bem o estilo de que mais gosto, rendeu-me belas reflexões. Ou seja, na ponderação final, o livro foi bom! Então, se você gosta de poemas, não deixe de ler Espumas Flutuantes, de Castro Alves.
Entre os 53 poemas que li do autor, eu gostei principalmente de 13. Todavia, dois deles foram muito mais marcantes, pois são como se falassem um pouco de mim, ou do meu momento atual. Claro que uma simples leitura não explicará tudo, porém, um olhar atento permiti-lo-á entender do que digo. Para quem não convive comigo, sem problemas; esse dito “olhar atento” que falei se refere a observar os meus posts no Blog – afinal, eles também falam de mim e de meu momento. Portanto, deixo abaixo os poemas O Hóspede e Ahasverus e o Gênio para que você possa tecer suas observações.
O HÓSPEDE
[Castro Alves]
Choro por ver que os dias passam breves
E te esqueces de mim quando tu fores
Como as brisas que passam doudas, leves,
E não tornam atrás a ver as flores.
[Teófilo Braga]
“Onde vais estrangeiro! Por que deixas
O solitário albergue do deserto?
O que buscas além dos horizontes?
Por que transpor o píncaro dos montes,
Quando podes achar o amor tão perto?…
“Pálido moço! Um dia tu chegaste
De outros climas, de terras bem distantes…
Era noite!… A tormenta além rugia…
Nos abetos da serra a ventania
Tinha gemidos longos, delirantes.
“Uma buzina restrugiu no vale
Junto aos barrancos onde geme o rio…
De teu cavalo o galopar soava,
E teu cão ululando replicava
Aos surdos roncos do trovão bravio.
“Entraste! A loura chama do brasido
Lambia um velho cedro crepitante,
Eras tão triste ao lume da fogueira…
Que eu derramei a lágrima primeira
Quando enxuguei teu manto gotejante!
“Onde vais, estrangeiro? Por que deixas
Esta infeliz, misérrima cabana?
Inda as aves te afagam do arvoredo…
Se quiseres… as flores do silvedo
Verás inda nas tranças da serrana.
“Queres voltar a este país maldito
Onde a alegria e o riso te deixaram?
Eu não sei tua história… mas que importa?…
… Bóia em teus olhos a esperança morta
Que as mulheres de lá te apunhalaram.
“Não partas, não! Aqui todos te querem!
Minhas aves amigas te conhecem.
Quando à tardinha volves da colina
Sem receio da longa carabina
De lajedo em lajedo as corças descem!
“Teu cavalo nitrindo na savana
Lambe as úmidas gramas em meus dedos,
Quando a fanfarra tocas na montanha,
A matilha dos ecos te acompanha
Ladrando pela ponta dos penedos.
“Onde vais, belo moço? Se partires
Quem será teu amigo, irmão e pajem?
E quando a negra insônia te devora,
Quem, na guitarra que suspira e chora,
Há de cantar-te seu amor selvagem?
“A choça do desterro é nua e frial
O caminho do exílio é só de abrolhos
Que família melhor que meus desvelos?…
Que tenda mais sutil que meus cabelos
Estrelados no pranto de teus olhos?…
“Estranho moço! Eu vejo em tua fronte
Esta amargura atroz que não tem cura.
Acaso fulge ao sol de outros países,
Por entre as balças de cheirosos lises,
A esposa que tua alma assim procura?
“Talvez tenhas além servos e amantes,
Um palácio em lugar de uma choupana,
E aqui só tens uma guitarra e um beija,
E o fogo ardente de ideal desejo
Nos seios virgens da infeliz serrana!…”
No entanto Ele partiu!… Seu volto ao longe
Escondeu-se onde a vista não alcança…
… Mas não penseis que o triste forasteiro
Foi procurar nos lares do estrangeiro
O fantasma sequer de uma esperança!…“
AHASVERUS E O GÊNIO
(Castro Alves)
(Ao poeta e amigo J. Felizardo Junior)
SABES QUEM foi Ahasverus?… — o precito,
O mísero Judeu, que tinha escrito
Na fronte o selo atroz!
Eterno viajor de eterna senda…
Espantado a fugir de tenda em tenda,
Fugindo embalde à vingadora voz!
Misérrimo! Correu o mundo inteiro,
E no mundo tão grande… o forasteiro
Não teve onde… pousar.
Co’a mão vazia — viu a terra cheia.
O deserto negou-lhe — o grão de areia,
A gota d’água rejeitou-lhe o mar.
D’Ásia as florestas — lhe negaram sombra
A savana sem fim — negou-lhe alfombra.
O chão negou-lhe o pó! …
Tabas, serralhos, tendas e solares…
Ninguém lhe abriu a porta de seus lares
E o triste seguiu só.
Viu povos de mil climas, viu mil raças,
E não pôde entre tantas populaças
Beijar uma só mão…
Desde a virgem do Norte à de Sevilhas,
Desde a inglesa à crioula das Antilhas
Não teve um coração! …
E caminhou! … E as tribos se afastavam
E as mulheres tremendo murmuravam
Com respeito e pavor.
Ai! Fazia tremer do vale à serra…
ele que só pedia sobre a terra
— Silêncio, paz e amor! —
No entanto à noite, se o Hebreu passava,
Um murmúrio de inveja se elevava,
Desde a flor da campina ao colibri.
“Ele não morre”, a multidão dizia…
E o precito consigo respondia:
— “Ai! mas nunca vivi!” —
O Gênio é como Ahasverus… solitário
A marchar, a marchar no itinerário
Sem termo do existir.
Invejado! a invejar os invejosos.
Vendo a sombra dos álamos frondosos…
E sempre a caminhar… sempre a seguir…
Pede u’a mão de amigo — dão-lhe palmas:
Pede um beijo de amor — e as outras almas
Fogem pasmas de si.
E o mísero de glória em glória corre…
Mas quando a terra diz: — “Ele não morre”
Responde o desgraçado: — “Eu não vivi! …”
Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos