Existe um fim.
Esse, tão certeiro e tão preciso, não se permite ser ainda previsto.
Se de algo nossa espécie miserável tem certeza nessa vida, é de que existe um fim,
e o fim vem – só não querem aceitá-lo;

Sim, vem logo ali, naquele lugar que ninguém sabe aonde fica,
ali, atrás dos seus olhos, entre seus occipitais,
não dá para vê-lo em você,
mas nem o mais niilista dos seres humanos ousa dizer que o fim não existe;

O fim vem assim,
tão coloquial, tão certo de si, tão informal,
tão natural,
que é naturalidade demais para que corpos deficientes de crueza e de bom senso o aceite enfim;

O fim vem assim,
entre dois,
se não me entender agora,
talvez me entenda depois;

Não sendo capazes de compreender o quão cru-é-o fim, e que ele vem queiramos ou não,
inventamos nomes, epopeias, continuidades, promessas e até acreditamos em tudo isso,
mas o fim não dá sermão,
e, se inventamos o que inventamos, é porque, além de vir, o fim também dói. O fim é isso.

[Eu]Já quis aceitar que, “tudo bem, esse é o fim“, mas não o queria assim,
aceitei Jesus para ser salvo dessa atrocidade,
cresci esperando uma misericórdia de verdade,
mas até essa ideia moribunda e mesquinha de eternidade deixou de ser pra mim uma verdade;

Deus, Vishnu, Ogum, Odin, Alá, Poseidon ou Osiris;
tudo criação de mentes medrosas e autossabotadas que não aceitam suas vidas finitas.
Fé, esperança, desejo e confiança;
todas coisas que no escuro da ilusão acendem a luz da ignorância em mentes aflitas;

“No sepulcro, quem te louvará?”, pergunta o velho sagaz e mentiroso;
mas quem precisa esperar pelo sepulcro para esquecer o messias?
Quem precisa morrer a morte para anulá-lo, se dia a dia enterram-se em si mesmos,
se a cada manhã Narciso é o primeiro convidado, e se a cada olhar de lado o fim leva mais um coitado?

Hoje em dia nem é preciso que o galo cante três vezes para que venha a negação dos costumes e princípios – todos degenerados;
basta uma vez – basta um canto, que, sem hesitar nem pestanejar,
todos os costumes animalescos são logo negados em troca de um minuto a mais em vida,
a ferramenta para isso? tente adivinhar;

O fim vem, e quem nega isso já encontrou ao menos o fim da sabedoria.
É fim quando deixamos a velhice de indivíduos estáticos dominar nossa infantilidade de sujeitos curiosos que fomos e, então, paramos de aprender coisas novas;
mas também é fim quando percebemos que nem sempre precisamos da alegria; e, nesse caso, é o fim das tristezas suas covas;

Viver para sempre é desejo de gente insensata e insegura,
que incapaz de viver a vida aqui, na ilusão em outra ali se segura;
sofrer a morte é não se desapegar da sorte,
da sorte de que se vive apenas uma vez, e que depois o resto é trote;

Sim, depois da morte o resto é trote,
nem céu, nem inferno,
nem purgatório, nem sansara, nem escuro, nem claro,
nem Anúbis, nem pluma, nem isso nem aquilo – o resto é trote;

O dia acaba, a noite finda,
o sonho morre, a música cessa, o vento passa,
a relva cresce e torna a morrer,
o mar vem e volta a se recolher;

O sonho se interrompe, o desejo de modifica,
a casa cai, o amor se mortifica,
o tempo chega, a dor implica,
mas sempre o fim que se sobressai – e o nada novamente fica.

O fim vem, e você se vai também,
é deixando que se deixe as coisas que no final você não é ninguém,
não faça isso porque depois do fim tem tempo“,
não prova aquilo porque do Rei não é o intento“;

Espere mais um pouco, esfrie seus ânimos,
deixe para depois o que pode fazer agora“,
quanto aos seus sonhos, mande-os embora“,
tudo isso porque da santíssima trindade você terá a suposta vitória – mas que ideia ilusória!

Quando o fim chegar, e ele chegará,
nada será recuperável, provável e/ou verificável,
não existe um guardião que viva fora da sua cabeça;
que o fim vem e nada mais haverá é uma potente certeza;

Não existe quem controle as suas incertezas [além de ti],
o dono do universo é simplesmente o fim do bom senso, onde começa um, geralmente termina o outro,
mais perceptível é o fim que um incenso,
e ele virá para você, mas também para mim – não sou eu que penso.

Existe uma coisa que precisa ficar bem clara, da qual eu quero dizer e aos seus ouvidos não irei poupá-los:
somos um insignificante intervalo de existência que acontece entre dois grandes intervalos,
aquele que existia infinitamente antes de nós,
e o outro que, depois do fim, seguirá eterno, indiferente, caótico, e sem nós.

 

*  *  *

 

vjppp

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

 

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NOTA: a imagem das plantas, usadas para compor a capa dessa publicação foi obtida aqui.