#10 – aspectos da fé. Tal qual o efeito de um analgésico que sem aplacar a causa da doença faz desaparecer seus sintomas como se estes nunca houvessem existido: eis o aspecto fundamental da fé. A verdadeira fé é involuntária, independente e paliativa – porém, perversa ao mesmo tempo que serve de afago. Fé e razão produzem saberes – no entanto jamais dividem o mesmo assento no banco do conhecimento. Um pensar jamais posto à prova, mas que é fortalecido pela persistência do hábito; uma convicção sem raízes no questionamento e na crítica; um crer sem se saber como; um enxergar óbvio e claro que existe não por clareza e obviedade, mas por uma pura abstração mental; tudo isso movido pela fé. Explicações pautadas na fé compartilham a chave de ouro do pensamento cego: sempre existem por experiências individuais e jamais demonstráveis: nunca um deus se revelou a duas pessoas simultaneamente de modo que uma terceira – que não o crê – pudesse comprovar sua manifestação; é um evento que depende de um acordo tácito, de uma suposta crença engendrada e de uma obrigatória devoção para existir; acontece por fé, não porque de fato acontece. A anti-razão precisa ser inquestionável, absolutamente aceita, logo, indubitável; é a vontade de saber subjugada pela certeza do impalpável, improvável e imensurável. Quando se pode demonstrar, questionar, medir, calcular, prescrever, negar ou modificar  uma crença logo ela deixa de pertencer ao campo da fé, torna-se parte da razão – não uma razão cega, conservadora e alienada, mas apenas uma razão que veio do pensamento probatório, que é ao mesmo tempo em que pode deixar de -lo. Chama-se qualquer motivo que prende o ser humano a um anti-desejo, a um querer diferente do poder, à evitação de um fato com o qual seria tão doloroso conviver que vale crer em abstrações sutis ou devastadoras, as quais na impossibilidade de serem provadas também não podem ser negadas: o segredo da fé é poder sustentá-la mesmo quando não existem explicações concretas para tal. Transformar em hábito aquilo que nega a inquirição e que a tudo justifica pelo simples argumento da experiência individual e intransferível: eis, novamente, a fé em seu aspecto mais fundamental. Ela faz o cativo aceitar o cativeiro; por ela se glorifica o sofrimento fazendo deste uma etapa que antecede a dita eterna calmaria; nela justifica-se a morte e aplaca-se a dor da perda;  planifica-se a Terra e faz-se crescer o ódio pela ciência. Uma fé que se preze necessita destruir tudo aquilo que a ameace, inclusive aquelas fagulhas de questionamento que eventualmente podem atingir qualquer ser humano.

 

*  *  *

vjppp

 

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

[ . . . ]

Use o espaço dos comentários para compartilhar também a sua opinião por aqui! Você já segue o Blog Devaneios Filosóficos? Aproveite e faça essa boa ação, siga o Blog e receba uma notificação sempre que um novo texto for publicado.
#VocêJáParouParaPensar?

 


NOTA: A imagem utilizada para compôr essa publicação foi obtida aqui.