Não sabia exatamente o que fazia à beira da janela do mais alto daqueles 33 andares, mas sabia quase que nitidamente o porquê a tanto não saíra dali. Quando pensava no que aprendeu, recolhia um pé; ao imaginar o quanto poderia aprender, era o outro que trazia para dentro. Ficava assim, ora pé para dentro, ora pé para fora. Isso se foi por algumas vezes, mas não foram apenas dias, tampouco somente meses… anos, quem sabe.

Uma vez, como quem não fazia mais questão de nada, estava ali porque dizia que assim o queria… mas, num estranho ato de pensamento [estranho, não para si] dizia que esquisito mesmo era ter de existir quando isso não foi lhe foi questionado antes, e ter de pedir, mendigar para ficar no mundo a cada vontade que lhe surgisse. Se quer comer, tem que pedir ao sistema; para conhecer os lugares, precisa dar moedas que só se conseguem com a venda da própria vida – troca-se tempo de vida por dinheiro, sem previsão de ser diferente; para planejar, deve invariavelmente ceder aos caprichos do consumo, da lei, das injustiças. Nada é seguro, também nada é tão certo senão a incerteza. Passava sempre pelo mercado; e as prateleiras estavam transbordando dos produtos mais desejados: felicidade, amor, liberdade, paz, tranquilidade, deuses, status – todos com o prazo de validade vencidos; mas com aquelas etiquetas coladas uma sobre as outras: sempre que o prazo expirava, imprimia-se uma etiqueta nova que era colocada sobre a velha: quem deseja esses produtos não precisa de mais do que uma enganação, basta-lhes um rótulo dizendo-lhes que funciona.

Colocou novamente o segundo pé para fora. Um vento soprava suave… Daquela altura via-se melhor o que antes parecia tão nebuloso. Enquanto os sons lhe chegavam quase que inaudíveis, abafados, sem potência, via o mundo como um conjunto que ia num só embalo, tudo se movia caoticamente, com pressa, com ânsia e sabe-se lá para onde. Ah! garantir para onde caminha a humanidade ninguém pode, mas prever superficialmente… dá até para arriscar! O vento soprou ainda outra vez. Fechava e abria os olhos; até que segurou firme nas laterais, balançou os pés. Ao olhar para dentro, viu sobre suas inúmeras prateleiras todos os seus livros, suas fotos e seu relógio. Aquela beira da janela! Àquela beira da janela fechou mesmo o olhar para nunca mais o abrir. Pulou da vida. Porém, não morreu naquele dia; mas bem antes.

 

*  *  *

vjppp

 

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

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NOTA: A imagem utilizada para compôr essa publicação foi obtida aqui.