Um dia Atmos perguntou para o outro
o que era tudo aquilo que estava vendo;
por que, em vez de outrem, era ele ali na existência,
e não qualquer outra pessoa?

Atmos ficou bons anos assim,
se vendo no outro,
questionando o outro,
sem nada entender do… outro.

Que sentido tem isso que chamam de vida?
– ele perguntava.

“Por que faço o que faço e não outra coisa?
Por que no lugar dessas ideias não estão ideias outras?
Quem as gerou?
Quem as introjetou?
Como? Quando? E por quê?
Para quê?”

Frio e curiosamente, numa angústia lenta,
soprava o ar da dúvida;
as cortinas da incerteza ondulavam na janela do absurdo,
em cima da mesa tremiam as concretudes de pensamentos,
balançando até que tombassem;
na cama dormia a felicidade: pálida e silenciosa
como quem, de tanto fingir-se de morta, morreu de fome;

Imagens…
representações que reúnem em si o sentido da linguagem…
não se sabe ao certo se o uso irresponsável das palavras tornam as imagens pobres e vazias,
ou se, ao contrário, por destituir as imagens de seus valores primários, a linguagem que as representa agora não passa de um vento de poeira: seco e pobre de sentido.
Palavras vazias; imagens sem imaginação.

Atmos não cessa de questionar
aonde reside o sentido nisso tudo…
e se sentido é o particípio do sentir,
logo é também a concretização do sentimento…
a realização do ato de sentir;
disseram que “se houve o sentimento de algo, esse algo foi sentido”;

Mas, e agora?, o viver foi experimentado e dele o sentimento houve?
Foi sentido?
Mas que sentimento?
Mas que viver?
Viver tem sentido?
Quando começa um e onde termina outro?
Começa e termina?
Importa esse saber?

O que sinto, sinto por mim ou pelo que aprendi?
Aprendi ou fui apreendido?
Gosto/odeio de mim próprio ou do que construí de mim para mim mesmo?
O que faço do que foi feito de mim?

Perguntou novamente ao outro
quanto tempo mais restava na ampulheta em cima do armário;
quanto de areia se somaria àquela já escorrida?
Quanto de tempo seria acrescido enquanto a ideia de tempo era subtraída do tempo da ideia?

[Você que me lê: Quanto tempo duram suas ideias?
E há quanto tempo essas ideias têm durado da mesma forma?
Você sabe dizer que forma elas têm?
E o que elas formam em você quando você não tem ideia do que estão formando?”
]

Mas que raios!
Que silêncio é esse aqui!
Que barulho inaudível pode perturbar tanto quanto
a resposta do outro?

Em frente ao outro, Atmos ficou ainda mais tempo,
foi só naquele dia que ele parou de esperar a resposta por palavras
que também parou de perguntar ao outro porque a coisa é
e passou a experimentar como as coisas são…

Atmos passou todo esse tempo olhando para o outro
e, como não poderia ser diferente,
percebeu que nunca veria nada para além de sua vidinha medíocre e vazia;
não encontraria respostas nos outros,
não entenderia a vida enquanto ficasse ali, daquele jeito:
via somente a si no outro;
afinal, “outro” era só um nome substituto que dera para “reflexo no espelho“.

Foi quando abriu as portas para ver o lá fora que descobriu
o quão grande é a existência;
as coisas são imensas, intensas, e de probabilidades e acasos infinitos,
maior que tudo isso, e insuperável de forma inquestionável, só mesmo a insignificância,
aquela mesma que refletia em si;
que refletia no outro.

Um outro insignificante.

 

*  *  *

vjppp

 

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

[ . . . ]

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NOTA: a imagem utilizada para compor a capa dessa publicação foi obtida aqui.