Ato 01

(I)
Não se engane com as primeiras palavras…
este texto se completa do começo ao fim…
Não se iluda com a sua pressa…
Suas flores são as mais belas verdades, que em breve cairão no chão e apodrecerão como as suas mais belas mentiras..

(II)
Estou te escrevendo não porque essa minha atitude mudará algo,
é apenas para deixar registrado um possível (e trilhado) caminho do ser humano em sua jornada de alimentação egoica;
ainda assim, não sei se termino de escrever esse texto e o envio para ella e para o mundo,
ou se simplesmente jogo fora esse rascunho;
por outro lado, prefiro deixar para decidir isso depois.
Depois da última palavra escrita.
Por hora, quero só dizer que uma voz ecoa em minha mente
e que me diz a cada vez que a olho:
“E assim ella vai indo”.

(III)
Sim, eu sei que estou te “perdendo”,
sei que você está indo, e que certamente se vai.
Digo
“perdendo”, assim entre aspas, porque no fundo sei que ninguém é de ninguém,
logo, não posso perder o que nunca tive.
Mas sei que posso estar perdendo a sua companhia,

perdendo o meu lugar nos seus planos,
perdendo o que te causava desejo de estar comigo,
enfim, perdendo você…

*  *  *

(IV)
Hoje passei em frente aquelas três estátuas no centro da cidade onde você nasceu;

você se lembra delas?
São as estátuas daquelas três mulheres sobre uma fonte de água,
segurando seus bebês, onde tiramos fotos juntos.

(V)
Lembrei-me do quanto você e eu desejávamos um ao outro,
do quanto queríamos nos ver e conversar o tempo todo.

Você dizia que pensava em mim o tempo inteiro,
que pensava sempre em nós dois a todo instante
e que queria conversar comigo porque isso te fazia bem.

(VI)
Esse sentimento foi crescendo,
fomos nos conhecendo,
nos sentindo e entendendo o que de fato queríamos:
compartilhar nossas vidas.
Você precisou escolher entre sua doutrina religiosa,
entre a amizade com sua família e entre outras dificuldades existenciais;
mas você escolheu que ficássemos juntos.
Se por um lado a nossa história foi tão lindamente construída,
por outro, hoje sinto que ela pode acabar.
Eu sinto que você está indo.

(VII)
Naquela época, em que tudo começou,
eu era outra pessoa.
Eu era um sujeito “normal”, que sorria de tudo,
por tudo e para todos;
Enxergava a beleza na vida com muita facilidade.
E você gostou daquele 
eu.

(VIII)
Hoje, depois de crescer e mudar alguns pensamentos,
enxerguei a vida com um certo desencanto;
sentia que nem tudo era tão bonito e colorido quanto parecia.
Para agravar a situação, algo se passou em mim
– alguns chamam de depressão, e podem estar certos -,
e fiquei triste de forma que nem sempre eu conseguia disfarçar.

(IX)
Pensei coisas terríveis sobre o mundo,
mas nada se compara ao que passou na minha cabeça

sobre mim e sobre a minha vida.
Já pensei até em me matar;
ainda cometi o erro de revelar isso para você.
Confiei demais!

(X)
Fiquei sem motivação,
a vida perdeu a graça e o sentido quase que por completo;
eu estava realmente me sufocando, perdendo o chão.
Eu sangrava todos os dias… e você não conseguia ver, ou se mentia…
Apesar de você duvidar, eu juro que tentei de muitas maneira sair daquela situação.
Desculpe-me.
Mas foi só por isso que te contei;
Você era a única pessoa que eu realmente podia chamar de verdadeira amiga.
Me expus para você, expus minhas feridas de formas sutis em certos casos,
e de forma explícita em outros.
tinha você em quem confiar.
Só não esperava que isso te ferisse tanto;
nem que te ferisse até à sua fraqueza mais bem protegida.
Eu só não sabia, mas estava pedindo socorro.
Hoje sei disso,
mas é tarde…
pois você está indo.

(XI)
Quando você descobriu que talvez eu “
fosse embora
você não quis ficar sem saber o que seria de você
– e isso de acordo com o que você me disse -,
não quis pensar em ter que ficar sozinha.
Você, a partir de seus mecanismos psicológicos,
mas também a partir de suas astúcias,
quis se defender,
buscou
“algo” que te desse segurança;
buscou alguém que não fosse tão “
para baixo“,
ou que ao menos não “
desejasse morrer“.

(XII)
Eu só queria ter você, estar com você,
sentir você.
Não consegui mostrar isso,
pois a tristeza era tamanha que tudo estava cinza.
Mas fui abandonado nesse mono tom.

(XIII)
Sabe, minha querida,

não te julgo por você não estar comigo quando
silenciosamente eu clamava por isso;
também não tenho o direito de te exigir que permaneça comigo até agora. Mas você me abandonou quando eu mais precisava.


(XIV)
Sei que está conhecendo outra pessoa,
isso há um tempo,
e que possivelmente está muito interessada nela;
mais que isso, sei da possibilidade de um dia existir a necessidade
de você “escolher” entre mim e ele.
Digo, escolher o que já está escolhido!
E, sinceramente, esta não é a questão;

o que me deixa triste é perceber que essa possibilidade 
já configura uma “possibilidade cogitável” por você. Ou, até mesmo já é uma certeza.
Mas que você não me contou nada até agora!


(XV)
O que mais me dói

– e é por isso que não sei se te envio ou não esta carta –
é que pode parecer ser culpa minha estar te perdendo… mas pensar isso faz sentido?
Talvez não.
De jeito nenhum!

(XVI)
Você só quis se defender e ficar longe de minha depressão,
pelo menos é o que ousa dizer;
E para isso, você mentiu!

(XVII)
E, nesse processo, você “desconsiderou” a minha presença em sua vida;
“desconsiderou” porque eu disse que talvez “desapareceria”;
e você levou tão a sério que considerou isso como certo. Me apagou.

[…]

(XVIII)
Você foi a pessoa mais linda que já conheci;
te “perder” significa, nesse instante de março, muita coisa para mim,
mesmo assim, por saber que você estará com quem “gosta”
me fará aceitar a situação;
pois é isso que importa:
que você esteja com quem deseja, e que se sinta bem.
Mesmo estando escondendo essa informação de mim!
Mesmo estando mentindo enquanto te olho!
Você acha que não sei de nada!
Acha que não percebo…

(XIX)
Você está se envolvendo de tal forma
com essa nova paixão que realmente eu sinto que
você quer estar o tempo todo com ela,
pensando nela o dia inteiro e sentindo a falta daquela companhia.
Sabe, tem muita coisa que não entendo;
principalmente o porquê de mentir para mim,
se o que mais dissemos ser importante ao longo desses nossos quase nove anos era a sinceridade…
é “só” questionamento,
mas que aqui pouco importa.

(XX)
Você
es indo“, é o que sinto fortemente…
Enquanto estamos mudando de casa e

enquanto embalamos nossas coisas,
eu sinto que isso acontece por/para você, puramente.
Embora eu esteja contente com a mudança,
sinto que ela tem prazo estipulado –  para mim.
Sinto que – na mais ilusória das hipóteses – no dia que você cumprir com seu “compromisso”,
e quando eu puder “me virar”,
você não terá mais esse “peso” na hora de decidir ficar ou ir.
E sinto que irá.
E que essa ida já começou lentamente, há muito tempo.
Talvez você nem espere tanto, talvez acabe logo com esse teatro de vampiros, que ocorre sempre à penumbra.

(XXI)
Construí sobre nós uma ideia que não me é mais nítida;
pensei em envelhecer ao seu lado, ou ficarmos juntos até que não combinássemos mais;
porém, sendo bastante honesto, não coloco mais minhas esperanças nisso.
Só quero que você vá para onde deseja,
e que fique, caso seja a sua vontade.

(XXII)
Amar é deixar ir!

*  *  *

(XXIII)
O que eu sinto por você é real,

é forte, é sincero!
Não queria que você pensasse em um dia ter de sair.
Mas talvez isso seja egoísmo meu…
mesmo parecendo que seja também seu…

(XXIV)
Hoje, nesse instante, ainda tenho medo de suas respostas e

tenho medo de suas escolhas,
mas jamais as impediria,
pois devem ser suas;
Pego até emprestadas as palavras do Samuel:

(XXV)
“Eu nunca iria te perguntar, porque lá no fundo

Tenho certeza que eu sei o que você diria.
Você diria “me desculpe, acredite em mim
Eu te amo, mas não desse jeito“.

E odeio dizer que eu “preciso” de você
Sou tão submisso
Sou tão dependente
Sou um tolo.

Quando você não está aqui
Me pego cantando blues.
Não consigo suportar
Não consigo encarar a verdade.

Você nunca vai saber qual é essa sensação
Você nunca vai ver por estes olhos” [A]

(XXVI)
Quero que você seja “feliz”!

Quanto a mim, espero ficar bem também.
O meu céu cinza tem se diluído nos últimos dias
depois de tanta chuva;
hoje sinto um mix de não querer partir e de querer lutar,
mas sinto muito em mim por não fazer ideia se você realmente ficará.
Já passei por tempestades tão fortes,
que essa seria
mais uma etapa.
Uma difícil etapa.
E aqui tem mais uma vez o Samuel:

(XXVII)
“Cansado de acordar na escuridão

Quando o céu está sempre pintado de azul
Há um método para a minha loucura
Está claro que você não tem uma pista.

Eu estive esperando por uma resposta
Porque eu construí esta cama para duas pessoas
Eu só estou esperando sua resposta
Eu construí esta cama para mim e para você”. [B]

(XXVIII)
Eu quero muito que você fique;
quero muito continuar podendo compartilhar a minha vida com você;
mas não aceitaria que isso acontecesse por pena – vinda da sua parte;
ao mesmo tempo, também não quero que você sofra por estar comigo nessa minha vida “medíocre” – como você mesma rotulou.
Não quero continuar colocando em risco a sua saúde mental – como você me disse naquele dia 14 de março.

(XXIX)
Só me promete uma coisa?

Não esconda [ainda mais] de mim quando você realmente decidir ir embora!
Não deixe eu me iludir ainda mais;
Fique se desejar ficar; e seria a minha alegria que você realmente ficasse;
mas, se desejar ir, vá; é seu direito.
Só pense antes, se é que não tem feito isso arduamente!
E que sua decisão seja pautada em seus sentimentos de gente adulta.

(XXX)
Para terminar, peço mais uma vez a voz
dele:

(XXXI)
“Minha cabeça está cheia de ruínas

A maioria delas são feitas com você;
Agora a poeira não se move,
Não perturbe o seu fantasma.

Elas estão vazias, elas estão vestidas,
Me diga para quê nós construímos isso
No lugar de algo mais,
Você é quem não posso ignorar.

Eu sentirei sua falta
Eu ainda me importo
Às vezes eu queria que nunca tivéssemos construído esse palácio,
Mas amor verdadeiro nunca é uma perda de tempo”. [C]

(XXXII)
Você foi especial!

Uma pessoa incrível!
“Desculpe-me” se oscilei em meu jeito de ser,
se tive uma “baixa” em minha forma de agir…
e você fez o que te coube, pois obviamente que não aguentou o tranco,
buscou se proteger;
se priorizar – como disse olhando nos meus olhos.
Como você escreveu:
algumas escolhas são irreversíveis.

*  *  *

(XXXIII)
Escrevo essa carta te olhando sentada no sofá,
na casa dos seus pais – de quem sentirei saudades;

você está de camiseta amarela,
lixando suas unhas e retirando as suas cutículas;

não se percebe, pois escondo forçadamente,
mas meus olhos brilham de choro;
se eu estivesse sozinho, com certeza teria chorado;
mas fecho meus olhos e mudo o pensamento para
não desabar agora, na sua frente
nem na frente dos seus pais;
pois se eu não sei de tudo que você está me escondendo, que dirá eles?

(XXXIV)
Se eu tivesse que te pedir algo, seria para que fique;

que realmente tentemos outra vez, nós dois.
Por outro lado, não posso fazer isso.
Você quem tem de decidir.

(XXXV)
Você sabe o que quero dizer,

É como andar no calor durante o dia todo sem água,
É como esperar por um amigo,
Assistindo todo mundo encontrar o deles naquela esquina,
Ou me perder em um argumentos;
Embora você esteja certa e não possa colocar suas ideias em ordem.

Ainda sim me contenho
De falar com você, em falar…
Você me conhece bem;
Eu não explico.”[D]

*  *  *

(XXXVI)
Enfim,

por mais que doa em mim,
por mais que eu aceite sem entender completamente,
por mais que o meu pragmatismo não tenha me protegido disso, dessa situação,
e por mais que eu me engane achando que talvez eu tenha falhado,
só me resta te dizer:
siga o seu caminho!

(XXXVII)
Pois as atuais circunstâncias só me dizem uma coisa:

“e assim ella vai indo”

*  *  *

Ato 02

(XXXVIII)
Ella se foi
.
E se foi muito antes de eu supor que ella estava indo.
Só nunca me contou!
Porém eu descobri!
Cavei fundo, até encontrar o corpo enterrado no meu quintal!

*  *  *

Ato 03

(XXXIX)
Eu quero que ella se vá!
E preciso que se vá mesmo!

*  *  *

Ato 04

(XL)
E a mentira?
Seria a atitude mais insana esperar que você ficasse?
Sinto que sim!
Primeiro, porque eu sempre defendi a ideia de que “não se permanece em um relacionamento se este não faz mais sentido na sua existência” – logo, isso já seria mais que suficiente para que você se fosse;
Segundo, você deve ser capaz – embora as evidências não permitem tal constatação de forma segura – de pensar por conta própria. Fazer suas escolhas ou ser reabsorvida em outras vivências diz respeito somente à você – aqui percebe-se que você pode estar de fato acreditando que esta tudo certo no que está fazendo comigo, em me mentir;
Terceiro: com tanta mentira que você potencialmente está escondendo debaixo do tapete que você chamava de amizade, o melhor é que se vá!
Só me questiono ainda agora sobre como – nesse março tenebroso – não dou ouvidos imediatamente quando essa tal “voz” ecoa em minha mente dizendo “e assim ella vai indo”?
Os próximos dias revelarão muito mais acontecimentos, e disso não tenho dúvidas!

[escrito em 18 de março de 2020, no apartamento da sua mãe e do seu pai]

 

*  *  *

 

vjppp

 

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

 

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NOTA: a imagem utilizada para compor a capa dessa publicação foi obtida aqui.