No caminho percorrido durante a construção de mim
fui colocando tijolos, massa e vigas
daquilo que acreditava ser o mais importante,
senão o mais agradável,
para estar vivo.
Uma morada chamada Eu foi erguida;
fui entendendo aos poucos o que era ser,
fui percebendo quem eu era;
e fiz boa parte disso ao lado de uma outra pessoa.
Construímos juntos um palácio,
decoramos suas paredes com nossas cores,
preenchemos seus jardins com nossas flores,
sentimos nele nossas mais íntimas canções.
Foi tudo assim,
sentido,
vivido,
feito,
construído.
Mas tudo assim também se foi…
Numa noite incerta, parte do palácio foi assaltado
pelo desejo de não existir;
num intervalo curto, porém o mais longo de todos,
começaram a cair os tijolos;
as paredes racharam,
as estruturas abalaram com o vento frio.
E eu estava lá, inerte na cama,
apagado para o mundo,
perdido e preso em mim mesmo,
dentro do nada.
A companhia que eu tive começou a se proteger,
pois temia o desabamento de sua parte…
por medo, por susto e por trauma,
mas também pela covardia, pela fraqueza e pela incapacidade,
ela foi buscar por socorro,
e lá acabou ficando…
os caminhos se desvencilharam,
as rotas se distanciaram e se descruzaram;
“nos perdemos”.
Ella se foi.
Quando eu acordei,
quando senti que era possível respirar
e quando achei que estava me reerguendo dos escombros,
eu estava ali,
sozinho.
Sozinho!
Hoje, sentado num banco torto que me sobrou,
olho para o palácio à minha frente
e vejo só o fundamento dele;
eu até queria reconstruí-lo, reformá-lo, com ella…
mas uma andorinha sozinha não faz verão,
e ella não me poupou as palavras:
“Queria muito querer,
mas eu não quero mais”.
Um ponto final.
O ponto afinal.
É preciso deixar esse lugar,
é preciso refazer as coisas,
é preciso reinventar a vida,
fazer tudo outra vez.
Não do zero, mas de um zero.
Sairei arranhado também,
machucado,
seguirei perdido em mágoas e ilusões,
mas preciso acreditar que sairei, pois sairei.
Se preciso for, usarei os tijolos desse palácio
para construir uma nova morada,
nem que seja para construir a cisterna desse novo lar,
de uma morada minha,
feita por mim e para mim,
mas se possível com ajuda das amizades reais,
aquelas mesmas que sentavam à minha mesa e que não mentiram para mim!
As descobrirei logo menos.
Refarei, sim, refarei;
tentarei, sim, tentarei;
nesse intervalo, chorarei, sofrerei,
cansarei, pensarei em desistir;
e ainda lidarei com a minha impetuosa memória.
Mas só conseguirei me refazer se, antes,
eu perceber uma coisa em relação ao que já existiu:
eu não queria assim,
eu realmente não queria isso, mas
é preciso deixar ir.
* * *
Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos
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