Algumas ideias que ocorrem no livre pensar são mais aprisionantes que as grades que encerram os corpos numa prisão. Nesta, o corpo está rendido; o que era um sujeito é agora apenas uma subjetividade privada de liberdade, é-se um sujeitado. Enquanto naquele – no livre pensar – o que está preso é a própria ideia, a própria subjetividade que transforma o entorno chamado corpo em algo que, ainda que estivesse fora da prisão, estaria em privação. O pensar solta e também prende; há que se entender quando e como. E isso é muito curioso: podemos estar presos em nossa própria soltura, assim como podemos estar  “livres” mesmo estando “privados de liberdade“! Seja como for, desde quando se é livre?

Será – para tornar a conversa mais Andreônica – que na realidade somos sempre presos e presas à nossas ideias? Presas das nossas ideias? A privação de liberdade começa antes ou depois que a ideia penetra nossa mente? Sentimentos de não conformidade; uma forte noção de injustiça nas relações humanas; a mais nítida percepção de que a corrupção do “sistema social humano” é irremediável e irreparável; um profundo desencanto com o futuro. Será tudo isso fruto de minha árvore de ideias? Será que a depressão – que supõem de antemão ser a minha doença, como dizem os que moram fora de mim e que não me conhecem bem – conseguiria sozinha me fazer ver o mundo assim, como ele é? Ou, para essas mesmas pessoas, ser deprimido é puramente enxergar e exagerar só o lado cru, inanimado e desprovido de fantasias da vida?

Acho que sim! Ou, talvez não. Mas há que se ter cautela. Depressão é, sim, uma doença, e dão [quase que apenas] remédios e mais remédios para ela deixar de o ser. Depressão é real, não é fantástica, não é um espírito e não é inventada. Ninguém tem depressão por desejo, e isso deveria estar o mais evidenciado possível em toda parte. No entanto, ao ouvir essa palavra as pessoas tremem, rangem os dentes e clamam à medicina. Tratam-se sempre das questões fisiológicas, raramente olham para fora do corpo. E não deveria ser segredo que o corpo está envolto pelo tecido social, e que este não vai nada bem. O tecido não suporta todos os corpos, e já se percebe que está prestes a arrebentar; tentam costurá-lo a todo custo com DSMs e CIDs…

Numa sociedade enlouquecida, mas que não se reconhece como tal, qualquer modo de aprisionar ideias frias é bem-vindo. Trata-se com drogas todo tipo de baixo-astral, toda dúvida, todo pensamento frio e cinza. Afinal, pessoas tristes não produzem, não gastam, não compram, não viajam. Humanos tristes e insatisfeitos (e não os tristes e iludidos) questionam a existência de Deus e acabam percebendo a mentira, duvidam do Estado, interrogam as ordens e não se contentam com a primeira resposta. Mas aí vem mais remédio, mais felicidade comercializável, mais promessas de um lugar incrível e de uma vida maravilhosa, mais amor e liberdades imaginadas. A distância entre os tipos de existência só aumenta. A desigualdade, que deveria – ou que poderia – gerar revolta, serve do contrário: coloca na cabeça da gente desprivilegiada o desejo quase inconsciente de querer chegar lá na outra ponta, aonde os donos dos tronos já estão bem protegidos contra a invasão. Os lugares deveriam pertencer a todos os seres, cada qual deveria ter direito livre sobre onde habitar, mas já marcaram as terras, as águas, o céu e, como forma de um desejo mais ambicioso e inconsciente, querem marcar completamente o limite dos pensamentos. Há que se pensar dentro de um escopo psiquiátrico, médico e sociocultural. Atrás desse muros gradeados estão os seres desumanos, doentes e loucos; as pessoas em crise. Os Eus, os elles [?].

Mas e a parte boa da vida? Ah! Elas devem estar por aí também, em algum lugar. Se você as vir, por favor as espalhe, apregoe-as. Pois devo tê-las guardado em alguma caixinha no armário; se a achar, é sua. Por hoje só quero dizer que é confuso o procedimento do pensar que se supõe livre; é pena que não se pode dizer tudo para todes. Ao dizer tudo, seria como bagunçar diante de um estranho que nada sabe do desenho final um quebra cabeças outrora trabalhosamente montado, porém ainda incompleto. Daria trabalho para remontar. Dará trabalho para montar. Busca-se uma lógica de aceitação, de entendimento e de conduta. E aonde está a lógica disso tudo? Sei lá… na melhor das hipóteses, a lógica vem depois.

 

*  *  *

vjppp

 

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

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NOTA: a imagem utilizada para compor a capa dessa publicação foi obtida aqui.