“Não existe racismo no Brasil”
É o que ouço quase constantemente,
mas é também o que, na forma de ironia, vem à minha mente quando
ando no supermercado e vejo sempre
– e de modo insistente –
o mesmo funcionário [segurança?] em todos os corredores
correndo atrás da gente!

Vou na seção de higiene, ele está lá,
chega junto comigo,
como quem pressente o perigo;
vou à seção de pães, outra vez ele,
farejando como os cães;
quando coloco a mão no bolso para saber se alguém me ligou,
ele simultaneamente pega o radio e ameaça uma chamada…
alarme falso, falhou!

É insuportável ser preto num país que “não tem racismo”!
Ninguém vê nada!
Aqueles olhos não leram quem eu era, leram a etiquetas que à minha cor foi dada!
No mesmo lugar que “não há racismo” esses olhos que nos empurram para o abismo!

Eu me olho no espelho e vejo um ser humano,
penso se o que sei de mim é o que deveria saber,
ou se é tudo um engano!
Quem devo ser?

Alguns de nós até se perguntam se são aquilo mesmo que estão vendo no reflexo espelhado,
pois no dia a dia, na sociedade,
o que sentem, é o inverso!
Sentem um sentimento já cansado!

Muitas pessoas se questionam de sua cor…
“Sou uma pessoa parda, negra, o quê?”
Seja o que for, porque o resumo tem de ser dor?
“Meu cabelo me define de verdade?
Minha boca?
Meu nariz?
Meu avô e minha avó?
Quem sou eu nessa sociedade?”

Perguntas difíceis, fortes e sem precisão…
Mas que revelam a desumanização de quem não sendo da cor branca
é como se não pertencesse à nação;
Quer falar? Implore!
Que amar? Chore!
Que ser amado e amada? Se explore!
Qual a sua cor? Depende da sua dor!
“Ah, não! Escuro demais para ser branco!
Desculpe-me! Claro demais para ser preto!
Dá licença, por favor!”

Meu irmão foi parado pela polícia onze vezes,
isso num ano, que tem apenas 12 meses;
No basquete o racismo apertou sua face,
angustiou-lhe o peito,
ali não havia o respeito!
Desse jeito, não que por dentro não se despedace!

Hoje os remédios lhe emprestam o sossegue que deveria ser um direito;
a terapeuta tenta dizer que é assim,
que damos nosso jeito!
Até quando teremos que olhar para nós e pensar que o erro é eterno,
e que ninguém é perfeito?

Quando criança, era a piada da padaria,
o pão que ficou demais no forno,
e a culpa, ou vontade, era de Deus, que o fazia;
era o marrom escuro, o moreno, o mulato,
e por dentro sentia o no coração um transtorno acumulado!

Minha irmã?
Era do cabelo dela que todos riam!
E de tanto dela zombarem,
era a si mesma que ela não queria!
Não daquele jeito,
Não com aquele efeito!

No dia de folclore, eu era o saci de duas pernas,
menino preto, maltrapilho,
pobre que deveria ficar só na favela!

Isso tudo porque os olhos que me leem são olhos condicionados,
olham uma cor, associam a algo errado!
Aprenderam que ser preto é sujo, é desviante, é perigoso,
Acham, ainda, que nosso grito por direitos é coisa de cão raivoso!

O racismo é o abismo,
nas costas das pessoas que nele são jogadas sempre tem mãos,
mão que tem cor clara, que empurram,
que sufocam, e que na vida se mascaram, mas torturam!

Ser negro/a hoje em dia é uma questão de leitura social,
leitura feita de um jeito moral,
que desumaniza o ser humano até transformá-lo
num bicho imoral.

A lança do racismo atravessa as vivências pretas todos os dias;
atravessam o desejo,
o querer,
a rejeição,
o ser.

Mas eu não sou o que leem de mim,
não sou o que dizem do que eu deveria ser mas que não está assim;
Quero poder ser lido pela pessoa que sou,
queria ser considerado por como estou,
ser aceito onde vou!
Mas não vejo isso na vida,
vejo somente uma exigência surreal,
de um ideal de ego que é branco,
que dizem que deve ser o ideal.

Minha identidade sou eu,
meu jeito, meu desejo…
[é como vejo?]
A sua leitura é produzida, contaminada,
induzida!
Por que é assim que a sua vida é conduzida?

As suas lentes estão sujas!
A suas lentes foram produzidas lá antes dos 1500,
e você aceita usa-las até hoje?
Por que ler o povo preto desse jeito?
Quem te disse que não existe outra maneira?

Os olhos que me leem tentam me colocar no lugar que creem ser o meu,
mas porque não se questionam dos seus?

Sim! Existe racismo no Brasil!
e ele se apresenta na sua leitura social!
Deixe de fingir que nunca o viu!

* * *

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

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