NÃO TEMOS COMPROMETIMENTO
“Eu não posso mudar o mundo, então prefiro ficar no meu lugar!”. Esta é, sem dúvidas, uma das frases que mais ouço e, sobremaneira, a que mais me causa uma sensação de amargura. É incrível, no sentido semântico da palavra, como muitos de nós preferimos acreditar que mudar o mundo somente é possível se realmente a nossa ação atingir aos 7,5 bilhões de seres humanos – isso não existe, nem existirá. Além disso, quando podemos fazer algo pelo próximo ou por nós mesmos, como servir de ombro amigo, honrar um compromisso marcado, executar as nossas tarefas de acordo com o que nos foi designado, respeitarmos as opiniões alheias, evitar a corrupção, entre outros fatores, simplesmente preferimos o comodismo à ação. Fugimos sempre daquilo que é mais justo porque o injusto é aparentemente mais fácil e mais rápido. A esses pensamentos e atitudes tão simplórios e superficiais chamo por um único conceito: falta de comprometimento.
Podemos observar a cada esquina, a cada encontro e a cada fala na rede o quanto as pessoas comprometem-se com praticamente nada. Citar exemplos é uma boa ideia, mas certamente que seriam inúmeros… haja tempo para descrevê-los. Contudo, alguns podem falar mais que um texto gigante de teorias:
Um pré-vestibulando de Medicina:
Um amigo, pelo qual tenho muita estima, recentemente falou-me que deseja estudar para o vestibular de medicina. Fiquei contente por inúmeras razões, duas delas: dedicar-se aos estudos em prol de um objetivo é algo nobre; segundo, medicina é uma das áreas que mais admiro, entre outras razões porque nela é possível empregar o que temos de melhor como seres humanos (não que em outras áreas isso não seja possível, mas nesse caso me move por dentro). No entanto, meu vislumbre diante de tal situação foi destruído quando ele me disse que deseja ser médico para, assim, atingir uma estabilidade financeira, enaltecendo o fato de que gostaria de conquistar uma vida “equilibrada” e que sendo médico isso aconteceria com mais segurança. Simplesmente trágico! A estabilidade financeira tem seu peso na escolha de uma profissão? Sim. Mas não deveria ser o motivo principal – como ele sempre deixou claro.
Justiceiros e Justiceiras:
Certa vez, conversando com um indivíduo sobre o que seria a justiça, explanávamos sobre os conceitos bíblicos e filosóficos, viajando pelos pensamentos cristãos, platônicos e budistas, e seguindo adiante com exemplos corriqueiros do dia a dia, desde a ação policial até as punições familiares. Mais uma vez fui surpreendido com comentários que remetiam à Lei do Talião, em que esse indivíduo dizia “eu faço para o próximo na mesma medida que ele me faz algo. Se a pessoa é boa comigo, sou bom com ela, mas se me faz algum mal eu devolvo na mesma hora e com a mesma intensidade”, é praticamente “olho por olho, dente por dente”. Que conceito mais radical e estranho de compreensão da justiça! Tão grande quanto isso é a minha decepção quando ouço isso de um número relativamente grande de pessoas. Acreditem, pessoas dizem o tempo todo coisas como: “Ah, eu matava fácil fácil!”, “Se fosse comigo, eu teria feito pior, teria feito pagar dobrado!“, “Essa pessoa merecia ter morrido!“, “Ah! Se eu tivesse uma arma na mão...”. Você, que me lê agora, acha mesmo que fazer justiça se resume a isso? Mais: isso não soa como uma falta de comprometimento com a vida e com os valores humanos? Pensemos.
Quando humanos tornam-se reles números:
Contou-me, uma certa amiga, algo infelizmente comum e nem por isso menos nojento. Ela dizia que em seu local de trabalho – a saber, num hospital particular – “profissionais” eram encarregados de atender a um determinado número de pacientes por dia. Cada atendimento deveria ser realizado de modo a serem feitas, ao final do expediente, as evoluções de cada caso (anotação dos quadros em um prontuário). Acontece que a empresa terceirizada, prestadora do serviço em questão, ganhava como repasse do hospital uma quantia por cada paciente que constava nos prontuários, o que significa uma relação: quanto mais pacientes evoluídos, mais dinheiro recebido. Até aqui não há nada de ilegal. Mas creio que você já suspeita do que acontecia (e acontece até hoje), não é? Alguns funcionários, senão a maioria, preenchiam todos os prontuários sem prestar atendimento ao total de pacientes. Aqueles que outrora chamavam-se – por exemplo -Maria, João é José, viravam nº01, nº02, nº03. Por que isso não espanta mais às pessoas? O que está acontecendo com o sentimento humano? Cadê o comprometimento?
Percebem como age a falta de comprometimento? Considere os casos acima e responda-me “aonde está o comprometimento com a vida?” Parece até que as pessoas nunca ouviram falar dele.
Você entende que ter comprometimento não é sinônimo de pontualidade no trabalho, cumprir promessas sobre uma saída à noite, comprar uma aliança de compromisso e dizer que está namorando? Isso pode ser chamado simplesmente de responsabilidade. O comprometimento, ao qual me refiro, é mais profundo, ele diz respeito à vida como um todo! Se podendo fazer algo preferimos a nossa zona de conforto e de mediocridade, jamais estaremos comprometidos com a mudança do pensamento, jamais caminharemos no sentido de buscar pelo bem da humanidade. Fato é que um ser sozinho não mudará o mundo, mas uma mudança que você é capaz de fazer hoje já contribuirá para redução de um mal que seria somado ao descaso amanhã, e pode mudar um mundo. O comprometimento é indispensável para aquele que almeja crescer como ser humano. Torna-se indispensável enxergar a vida como algo precioso e o próximo com a nossa razão de existir. Platão costumava dizer que nossa sociedade seria diferente no dia em que deixássemos de pensar “para que isso me serve?” e passássemos a perguntar “como posso servir a isso?”.
Não podemos, e não devemos, ser egoístas diante de tanta necessidade no mundo. Leon Tolstói tinha razão quando disse que “há pessoas que atravessam uma floresta e só vejam lenhas para a sua fogueira“, precisamos agir. É necessário ver, sentir e cuidar da vida, não apenas usar o que ela tem, esgotando-a a cada minuto.
Portanto, caro Ser Humano,
Se você assumiu um compromisso de ser uma pessoa melhor, não minta para si, não finja que não tem problema se deixar de fazer o bem agora – seja uma pessoa melhor. Você é livre para escolher o que seguir nessa vida, mas, se escolher ser um ser Humano, seja-o de verdade! Como diz um provérbio chinês “a semeadura é opcional, mas a colheita é obrigatória”.
Andreone Teles Medrado
Devaneios Filosóficos
Créditos da imagem: adaptada de Josenildo Santos.