Quando se pensa em sinceridade e honestidade não raramente se enxerga nos outros o quanto eles mentem ou não para entre si – como se esse fosse o único parâmetro funcional; principalmente especulando que “se alguém mente para nós é mentiroso, logo, não é honesto“. Suspeito que essa não é a única maneira de identificar o significado dessas duas características [honestidade e sinceridade]. Todavia, assumindo o propósito de lançar uma luz sobre a ideia do que é a honestidade e a sinceridade, aconselho que conheçamos a nós [tanto quanto for possível] e que sejamos transparentes com todos [também, tanto quanto possível].

Ser honesto vai muito além do que o senso comum diz, que é cumprir com os compromissos, honrar uma palavra, ou não trapacear. Eu entendo a palavra honestidade como a capacidade de nos mostrarmos como realmente somos, sem a necessidade de usar algum tipo de disfarce para apresentar aos demais exclusivamente aquilo que eles querem ver ou saber. Por exemplo, quando te perguntam uma coisa mas iniciam a frase com “seja honesto comigo“, o que será que estão querendo dizer? Entendo que estão querendo dizer “Não oculte o que está realmente sentindo, fale-me o que há de mais verdadeiro dentro de você!” – como se fosse necessário relembrar à pessoa com quem conversamos de que ela tem grandes chances de não ser transparente, mas que, por precaução, é melhor refrescar a sua memória. Você já parou para pensar nisso? Se ser honesto é ser um humano limpo e transparente, mesmo que em construção, por que preferimos ou não sê-lo ou deduzir que o outro não o é? Se a honestidade diz respeito à nossa transparência inata, o que acontece para que seja preferível tornar opaca a nossa mensagem?

Por outro lado, existe uma palavra que pode ser facilmente confundida com “honestidade”. É a sinceridade. Essa confusão acontece com razão, pois ambas as palavras são transformações sofridas de um terceira palavra. Observe a definição dessa terceira palavra, dada, por exemplo,  por um dicionário etimológico on-line:

  • Significado de Fidelidade:
    Do latim, fidelitas é um vocábulo oriundo do substantivo fides. A palavra fides designava, nos primórdios da língua latina, a “adesão [do devoto aos preceitos de sua religião]”. Na evolução desse idioma, o sentido da palavra se alargou, embora conservando o conceito inicial da adesão positiva a um princípio religioso, sendo ela empregada em diversos sentidos, como, por exemplo, “sinceridade“, “retidão”, “honestidade“, “responsabilidade”, “confiança”. Em latim, fidelitas significa “aquilo que possui fides”.

Logo, ser sincero, também tem conotação que remete ao sentido de ser transparente, contudo, com a diferença de que a sinceridade diz respeito ao agir. Se honestidade refere-se ao fato de que não devemos nos cobrir com máscaras, sinceridade está relacionada ao fato de que nossa a conduta (nossa fala, nossas escolhas, nossos passos, etc…) deve ser regida externamente de maneira fiel ao nosso princípio interior. Em resumo, honestidade é uma característica que embasa o nosso caráter, sinceridade é a demonstração genuína dessa característica.

Pensemos: se somos honestos e sinceros (filosoficamente falando), significa que não temos a necessidade de esconder do mundo a nossa verdadeira “essência humana“. Se a escondemos, não temos segurança de expôr o que nos movimenta. Se não o expomos, não somos transparentes. Se não somos transparentes, não somos honestos. Mas não desanime, embora eu não seja nenhum referencial, mesmo assim, acredito que seja possível buscar pela honestidade a fim de nos tornarmos honestos ao longo da vida.

Para tanto, o primeiro passo a ser dado deve ser dirigido rumo à constatação de que somos frágeis e com defeitos – mas que podemos adquirir consistência. Constatado isso, não podemos seguir conformados, torna-se indispensável a busca pela mudança. Bobbie Carlyle, em sua obra escultural Self-made man, retrata esta possibilidade de autoconstrução que possuímos. Somos capazes de construir uma identidade mais “concreta”, percebendo o quanto nossas ações geram consequências para além no nosso universo particular; mas isso exige esforços diários e reais, com convicção de que nosso papel como indivíduos é esse. Isso requer que um pouco de nossa aparência fútil seja retirada, ou esculpida, a cada dia para que apareça a nossa forma verdadeira, a nossa honestidade. Uma vez honesto, temos que praticar a honestidade no dia a dia, em cada (e em todos) os atos, assim seremos sinceros.

16807048_1843513965907794_7325563125728631905_nSelfie made man, de Bobbie Carlyle(Fonte da imagem)

Conselho: [humildemente digo] não faças coisas boas porque você precisa ser salvo ou por medo do castigo; não faças ações humanas esperando algum tipo de reconhecimento exterior ou interior, por menor e mais sutil que ele seja – o nome disso é mediocridade. Faça coisas boas porque é isso que precisamos fazer para manter um convívio social minimamente harmonioso – somos seres sociais, saber se relacionar não é uma característica monástica ou santa, mas uma necessidade básica da nossa espécie. Ser honesto e sincero significa colocar para fora da caixa secreta todas as nossas características, despidas de toda vaidade inútil e interesse material, e enxergá-las e examiná-las criticamente. Ser sincero e honesto é uma questão de convicção, não de coerção, logo, é um princípio que poucos praticam genuinamente. Mas repito, dizer que é um princípio não significa supor que seja um presente dos deuses – praticar essas atitudes é preciso porque é preciso. Pergunte para a história o que costuma acontecer quando olhamos somente para os nossos próprios interesses e rejeitamos ações que inclua todo o restante da biocenose.

Você pode estar se perguntando: “se ser honesto é não fingir uma característica interior, e ser sincero é demonstrá-la tal como ela existe dentro de nós, então Hitler, Mussolini e Stalin, por exemplo, eram honestos e sinceros?“. Essa é sem dúvida uma excelente observação. E a resposta não é tão difícil, mas é complexa, já que ser honesto e sincero é algo que não necessariamente diz sobre a bondade e a maldade, sobre a compaixão e a vingança. É por isso que sobretudo necessitamos conhecer o humanidade em suas variadas nuances e comportamentos para que possamos entender o que é visto como mais “adequado” para cada situação e em cada período – devemos, ainda, evitar os anacronismos históricos durante essas observações. Contudo, obviamente que o que Hitler, Mussolini e Stalin fizeram não é configurado como algo que correto em momento algum. Embora os comportamentos e as totalitaristas dialogassem com a penumbra do princípio darwinista de que o mais adaptado sobrevive, aceitá-los como verdade social não passa de uma interpretação equivocada das descobertas de Darwin a respeito da evolução biológica; isso é absolutamente estúpido em uma sociedade humana regida por fatores que extrapolam a biologia.

Atitudes semelhantes às executadas pelo nazismo na Alemanha, fascismo na Itália ou pelo stalinismo na URSS são maneira de eliminar grupos menos favorecidos ou que apresentem “qualidades” não “suficientes” para o meio; mas repito, isso não é evolução, mas sim controle social baseado na força brutal e ideológica. Ainda que esses comportamentos reflitam com fidelidade o que estava dentro de seus idealizadores, aceitá-los e praticá-los não significa uma atitude correta. Por isso, há que entender a vida em sociedade para que possamos saber o quanto somos influenciados. Certas influências são tão bem estabelecidas que passamos a acreditar que são ideias nossas, e que expressá-las com transparências é algo bom. Além dessas ideologias expostas, retomo o ponto de que não se deve fazer as coisas exclusivamente pautadas em recompensas e punições. Por medo da morte muitas pessoas entregam suas vidas a ideias que jamais fariam se o medo não existisse. E, em troca de uma suposta recompensa, seres humanos são capazes de dar cabo às ideias mais sujas que podemos imaginar.

 

Queremos ser Honestos e Sinceros, mas…

Os “quandos da vida:

  • Quando buscamos o crescimento humano e observamos os passos e os comportamentos que regem a sociedade, notadamente sentimos uma sensação de angústia ao perceber que muitos falam da honestidade e da sinceridade, mas pouco se sabe do que realmente está sendo dito. Acredita-se fielmente que desonestos são os Políticos, pois roubam o dinheiro do povo; que sinceras são as crianças que falam o que querem (às vezes sem pensar). Mas está certo viver somente sob esse ponto de vista?
  • Quando roubamos a oportunidade de uma pessoa em uma fila de supermercado, quando roubamos a vaga de um vestibulando ao fazermos mal uso de uma política de ação afirmativa (cotas para Pretos, Pardos e Indígenas, por exemplo), quando levamos para casa uma caneta do trabalho, quando mentimos a renda para termos direito a uma bolsa de estudos ou isenção de impostos, etc…, etc…. Quando fazemos  essas coisas que ninguém[além de nós] está vendo, será que estamos sendo Sinceros? Duvido! Entenda, o roubar não é o ato de falta de sinceridade que quero destacar. Aqui, não ser sincero é buscarmos pela honestidade como princípio e não a praticarmos como ação.
  • Quando sabemos o certo a ser feito e fingimos que não precisamos mudar nosso pensamento; quando sabemos que a sociedade está definhando-se – perdendo suas bases formativas e seus valores – e preferimos acreditar que um milagre acontecerá e todos serão instantaneamente bons em um piscar de olhos; quando não ensinamos os nossas crianças e alunos a praticarem a transparência de caráter; quando recebemos e propagamos uma menagem recheada de más intenções e corrupção e decidimos incorporá-las à nossa vida; quando formamos nosso caráter baseando-nos em mentiras e hipocrisias, com mantos grossos da corrupção; será que ao fazer essas coisas estamos sendo honestos?

 

Vale um exemplo de como desestimulamos a honestidade e sinceridade: Imagine que você tenha um filho ou uma criança pela qual você é responsável. Imagine, agora, que ela recebeu um presente de outra pessoa, mas que não gostou nenhum pouco do que ganhou. Se esta criança disser “eu não gostei do presente, achei feio“. Qual será a sua reação? Acho que você dirá “menin@, não fale isso, não seja mal educad@!”… e ainda obrigará a criança a se desculpar pelo ato “errado”. Acertei??? Infelizmente, fazemos isso o tempo todo. Como uma criança será capaz de construir um caráter honesto se não deixamos que ela expresse o seu gosto e opinião? Esse exemplo é bem simples, coisas piores são feitas a cada segundo. Por outro lado, uma sugestão é ensinarmos os Homo sapiens juvenis a avaliarem criticamente as coisas, ao invés de dizer-lhes o que querer que falem.

Navegando pela internet, encontrei uma frase que ilustra bem o que quero dizer. Os “quandos” que tanto enfatizei acima, podem ser percebidos nela. Repare por você mesmo e questione-se aonde está o problema da frase. Além de dizer que não concordo com ela, não te direi nada:

viver-em-sociedade-e-optar-por-usar-uma-mascara-social-algumas-vezes-incomoda-porem-necessaria-fabio-fonte-frase-11003-117539NOTA: Eu NÃO concordo com a frase! Ela está aqui para que pensemos no que circula na rede como algo normal.

Queremos ser honestos e sinceros, mas pouco nos importamos em saber o que isso significa! Mas podemos tentar. Vamos?

#VocêJáParouParaPensar?

 

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

 

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NOTA: A imagem utilizada para compor a capa dessa publicação foi obtida aqui.