Ajaz, filho de Oileu, tu, que és um guerreiro reconhecido entre as batalhas, que de seus familiares és sempre lembrado com brio e fulgor. De fato é notório como consegues manter-se de pé nas dificuldades de sua vida e, sobretudo, perante os fortes ventos de Bóreas. Sua consorte o admira a tal ponto que em suas mãos deposita toda a sua vida e seus sonhos – mesmo que essa entrega seja acompanhada de aparente sofrimento. Se, como na mitologia grega, sua vida não fosse poupada por Poseidon mesmo depois de sua teimosia e arrogância, que haveria de ser daquela que desposaste ainda na juventude?
A vida mostrou-te coisas que outros demorariam de ver. Viste tombar o jovem carvalho do qual viestes; o vento levou-te para longe de seus entes; uma vida tivestes de construir desde o barro, onde nada havia, até que por sobre sua cabeça gesso e luzes fossem colocados. Em teus prados algumas árvores cresceram. As estações passaram e hão de outras mais passarem. Hoje, pós pouco mais de cinco decênios, vives uma vida da qual talvez não esperavas quando aflorava em teu imo peito os desejos de rapaz sonhador. Vistes muitas pessoas nessa batalha, falastes com muitos sobre muitas coisas, lestes o livro que uns temem e outros usam sem nenhum pejo. Mas até aqui, sabendo de tudo isso, algumas coisas me são mal compreendidas. Penso se deveras colhestes os frutos que a vida to deu; se sim, o que com eles fizestes? Aonde estão os ensinamentos que folheastes com tanta destreza? Por que, depois de tantas oportunidades e desencantos, segues olhando para o mundo como se fosse ele uma caixa de mármore na qual poucas coisas cabem e que tudo quanto nela não está simplesmente deve ser considerado um erro?
O que fizestes tu com os ensinamentos Dele, que deixando a orientação para que ao mundo inteiro amasse tu preferiste amar somente os que te cercam e que de teu carvalho saíram? Seguirás desejando a morte a quem cometeu uma ação atroz, mesmo que esta não atingisse nem a ti ou aos teus? Entenda: o mundo que te formou está em mudança, jamais estará parado, nunca será estável. Por que tu, que tanto lutou e venceu à inúmeras pugnas permanece estático? Sedes sábio! O que achas de expandir sua mente e olhar o diferente sem preconceitos? O que pensas sobre ser um guerreiro valoroso de verdade? Acreditar que a vida te ensinou o suficiente para que vivas até que caia a última folha, ou que de seus braços seja tombada lança brônzea, pode ser uma declaração de ingenuidade e/ou teimosia. Vale a pena tudo isso? Vale a pena viver como um velho que tudo crê saber e nada mais almeja aprender? Lute para que sejas um Ajaz telamônio, não um filho de Oileu. Viva enquanto tens vida, deixe para morrer apenas o seu corpo físico – quando de fato estiveres morto. Que tu não violes a pureza da vida!
Uma coisa, não obstante, eu entendo: se assim tu és e estás por vontade própria, inúteis são os desejos divinos de que te torne um homem verdadeiramente humano. A vontade não parte de outro ser senão daquele que almeja a mudança.
Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos
Curiosidade: Saiba quem foi Ajaz, o filho de Oileu.
Créditos das imagens utilizadas na Capa:
Árvore (Carvalho);
Representação de Ajaz, o filho de Oileu, avançando sobre Cassandra.
Olha, Andreone… Não é uma leitura simples de se entender. E qualquer análise imediata é frívola, tamanha a metáfora bem estruturada que você propõe reflexão. Fora que você encadeia muito bem os tempos verbais, mais uma vez, parabéns! Me vi bastante na metáfora trabalhada. Eu já fui a pessoa que amava viver no seu conúbio de elogios hiperbólicos, que me alegravam externamente, mas que vedavam meus olhos para a necessidade que estar constantemente incomodado com o que nos torna acomodados deve ser regra. Além do maior aprendizado que tive, que me torna constantemente alguém que aprende, que é a reflexão socrática! Parabéns!!
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Primeiramente, sou agradecido, meu amigo Alexandre!
Em segundo lugar, confesso que não é nada fácil responder a esse comentário! Pois fico realmente contente por suas palavras! Obrigado pela atenção! Você captou denotações importantes do texto!
Metáforas e ironias são bases nitrogenadas do meu DNA – e como tal, sofrem mutações aleatórias. E compreender como a vida é irônica conosco faz parte do nosso aprendizado!
Um forte abraço!
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