Olá! Como vai Sen?
Espero que muito bem, obrigado!
Tenho bastante “vai e vem” para te dizer!
Ei, Sen, diga-me uma coisa: ao observar a vida – caso Sen tenha feito isso – reparaste em como ela é dinâmica? Como as coisas ora calcam-se subitamente, ora com lentidão? Passam-se as horas sem o mínimo de pressa. Ora! se a hora passa, depressa ou não, não podemos evitar – contudo, chega uma hora que devemos pensar em como vivemos. Ora! Não perca a hora de viver, Sen, não sabemos quanto dura. A hora é agora!
Interessantemente, Sen pode ser qualquer um, qualquer uma, ou ninguém. Não obstante, sendo Sen quem eu acho que seja, estando onde quer que esteja, o importante é que Sen seja! Mas, a parte os joguetes de repetidos, e para não perder o foco dessa arte carta, preciso deixar algo bem explícito (e não faço em má hora). A minha conversa aqui com Sen é direcionada a um ponto – convergente em um assunto – e nada mais que isto: O que faço eu da vida?
Pode ser que Sen tenha ficado sob curiosidades. O que eu teria a dizer para alguém? Ou melhor, para Sen.
Não conte a ninguém, mas Sen tem olhado para mim de outra forma – e não é que isso me importa, quem sou eu para achar que a forma como me olham é merecedora de atenção ou não. Ainda assim, fico preocupado. Por um acaso, Sen já ouviu falar em dogmas, preconceitos, petrificação de pensamentos e costumes? Sinceramente, não sei. E sobre alimentar tudo isso dentro de nós, achando que o que pensamos deve ser reproduzido nos outros? Ah! Isso sem dúvidas, né? Sen está lembrado de quando lá na casa da Kilise aprendíamos o proselitismo e falávamos quão bom seria se todos um dia bebessem daquele chá? Ou então – usando um exemplo mais abrangente -, Sen se lembra desde antes, quando a mídia poderosa “mostrava” modelos de comportamento social e padrões de beleza a serem seguidos? Pois bem, isso tudo está, de alguma maneira, enraizado dentro de nós. São raízes profundas que resistem às podas superficiais. É preciso muita força, esforço demais, para garantir a remoção das raízes. Principalmente, é preciso tempo e paciência. E suspeito que tais raízes estejam nutrindo seus pensamentos, querido Sen.
Hoje, diferente de ontem, Sen me olha com pena, com um ar de resgate. Se a barba me cresce, diz Sen, “lá se vão os 31 anos de sabedoria“; se os cabelos não tombam mais para a direita, mas ficam sem direção, “o que está acontecendo? ele era tão cuidadoso“; quando o assunto é Kilise… nem me fale, nessa hora parece que eu vivo na floresta de Chapeuzinho Vermelho; minha dúvida é se hoje Sen me chama de Chapeuzinho ou de Lobo mal. Mas eu repito, sou o mesmo Andreone (independentemente de como Sen me via), apenas estou regando mais a planta e trocando o vaso – isso ajuda no crescimento dela – Ah! o nome científico dela é Buscandius sapiensas, Sen nem sabe o quanto essa planta está rara, inclusive ameaçada de extinção. Não digo nada!
Das últimas vezes que Sen esteve em minha casa, achei até engraçado dois fatos, mas não comentei por lá, falarei deles por aqui. No primeiro, Sen ficou olhando os meus mimos livros nas prateleiras, não comentou coisa alguma, mas pense em um olhar de angústia!!! Era assim que Sen estava; às vezes quero traduzir os olhares, e arrisco o meu palpite sobre aquele: Sen pensava “para que ler todas essas coisas? Ele tinha tudo que precisava lá, e agora está como um escravo do conhecimento, fazendo tudo que esses autores mortos dizem! Que Dó!“. No segundo fato, eu resolvi dizer que passávamos (no plural mesmo, eu e L.D.S.M.M) a adotar uma nova dieta, na qual aos poucos deixaríamos de comer carnes e os demais insumos animais (carnes não compramos mais, estamos nos despedindo agora dos insumos… falta pouco), pensei até em dizer que criamos uma conta no Instagram (@comida_semcarne), mas depois de ver sua reação, achei melhor não abrir a minha boca. Naquele momento, foi como se Sen pensasse “Pronto, agora ele que salvar o mundo com essa ideias desatinadas, a vida inteira comendo carne e agora inventa isso“. Fiquei na minha. Mas agora, com essa carta, Sen já sabe de tudo. Nem vou comentar sobre todas outras vezes que nos vimos; Sen sabe muito bem do que digo e como foi seu comportamento.
O que mais me intriga é que Sen insiste em dizer que eu ainda posso reverter essa situação [mas que situação???]. Por isso deixo dito: Caro Sen, eu já te disse cem vezes: sem chances de eu aceitar essa proposta a qual me convida! Não consigo mais, não é por birra ou capricho, nem por orgulho ou preconceito. Só não dá mais!
[Caro leitor não se assuste. Entre mim e Sen está tudo bem, e é isso que quero deixar claro]
Só achei pertinente escrever para Sen porque – retomando a ideia inicial, o ponto convergente (lembra-se?) – fico preocupado que, ao agir comigo dessa forma Sen não perceba que pode estar agindo assim em outras situações, com outras ideias ou com outras pessoas. Digo isso porque, quando estamos fadados a centralizar nossos desejos e crendices, acabamos querendo que todos desejem e creiam na mesma coisa que nós. E temo que Sen não tenha se dado conta disso. Sim, temo e muito. Não por mim, mas pela humanidade – comportamentos assim tendem ao egoísmo generalizado, etnocentrismo ardente, e nos limita a vivermos com cabrestos – basta ver o que nos diz a História da humanidade. Não quero isso para Sen nem para ninguém; amo a vida, amo Sen, amo amar. Entristece-me o coração saber que podemos estar fechando a mente, olhando apenas para o nosso umbigo e deixando de enxergar o mundo como ele de fato é. Tudo isso porque queremos que todos sejam iguais a nós.
Por favor, se Sen pensava isso, que pondere mais suas escolhas e atribuições. A diferença que existe no mundo não deve ser combatida, mas entendida. E, para terminar, repito: Não é que me importo com o fato de Sen ter mudado a forma como me olha, mas me preocupa ele poder usar dessa mesma forma, pela mesma razão para com outras pessoas. Sen é um humano! Humanos amam. Para amar é preciso desapego de tudo, ou pelo menos de quase tudo. Então, vamos juntos, Sen, eu e os outros, desapegar-nos de nossos próprios vícios comportamentais.
A propósito, a palavra Sen significa “você“, em turco.
Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos.
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