Quanta coisa poderia ser dita sobre esse assunto! Poderia falar de estatística, benefícios para a prevenção de Alzheimer, colocação profissional, e tantas outras. Mas, do que dizer? Para quem dizer? ou Por que dizer? Bom, optei por falar sobre o hábito da leitura na minha vida e como eu enxergo essa prática hoje. Você quer saber mais? Então… vamos lá!
PARTE I
O meu relacionamento preambular com a Leitura
Minha infância não foi das mais opulentas, dinheiro nunca foi algo que sobrasse a cada fim de mês para contar histórias. Apesar dele também não ser escasso o tempo todo, a regra mais básica do planejamento financeiro dos Medrados era (1) pagar as contas, (2) fazer as compras para a casa e (3) colocar gasolina no carro velho. Feito isso, geralmente retornávamos ao ponto em que não sobravam muitas “histórias”. Sempre ajudei meu pai no comércio dele; ali, no meu tempo livre, junto ao meu irmão Rodrigo, só pensávamos em escrever gibis de ação e construir cidades iluminadas, utilizando os materiais elétricos da loja do nosso pai (talvez, por isso nunca sobrava dinheiro? Vai saber!).
Durante a semana, eu não via a hora de calçar a minha botina de camurça de R$15,00 (idêntica a esta), entrar no fusca branco com todos os meus outros irmãos e ir direto para escola; se não tinha o fusca branco, íamos de CMTO – também branco – que caia aos pedaços e ruía vidros e portas, era um ônibus velho que parecia que a qualquer momento desmontaria (o trocador era o Sr. Bigode – bigode esse bem semelhante a Nietzsche. […Enfim na escola…] Sempre gostei de estudar, achava admirável aprender algo novo, mesmo em uma escola que raramente se ensinava algo novo. (Triste cenário dos anos 90 que não mudou muito em 2018). Eu era (se ainda não o sou) movido por curiosidade e questionamentos, queria saber os porquês das coisas serem como são. No colégio, durante o intervalo – vulgo “recreio” -, eu e um grupo de amigos ficávamos na biblioteca, eu ia direto à seção das enciclopédias (principalmente a coleção Enciclopédia Ilustrada da Ciência), depois visitava as partes da literatura, mas retornava às enciclopédias, desta vez as da Barsa. Não passava muito disso! pena que o intervalo era muito curto.
Com exceção da bibliotecária da escola, raramente me diziam que eu precisava ler. Ela me dava até bombons, mas logo deixou de frequentar a biblioteca, pois esta foi fechada para uma eterna reforma. Adeus aos livros, à bibliotecária e aos bombons. Hoje, num retrospecto, vejo que o que menos existia nos meios quais eu frequentava era o incentivo à leitura. Quando os professores precisavam recomendar livros, diziam quase na forma de uma ameaça – e isso não era nem de longe estimulante. Não para mim! Em resumo, passei minha infância e juventude sem muito contato com a leitura (aquela leitura lúdica e sedutora). Claro, eu lia “bastante“, mas não era uma leitura de todo construtiva, era aquela “indispensável à vida” – textos obrigatórios nas salas de aulas, a bíblia aos domingos de manhã e, quando necessário, textos para os trabalhos escolares. Foi algo que construí dentro de mim? Não! Foi algo que me fizeram construir – apenas disseram “grave isso em sua memória“. Menos mal que eu não fiquei traumatizado com textos e livros – não digo o mesmo de outras pessoas que conheço… algumas hoje preferem assistir ao BBB por mais de 10 minutos do que ler um único resumo literário de 10 linhas. Ab alio expectes, quod alteri feceris*.
O tempo passou […] e na graduação e pós graduação continuei a leitura, dessa vez com muito mais volume que antes. Nessa fase, eu lia muitas coisas, principalmente sobre ciências. Em razão do mestrado e das pesquisas eu precisava ler muito, mas, diferentemente do período anterior, sentia-me movido a buscar pelo conhecimento, tinha mais autonomia e mais fontes, além de mais recursos. E vi que era bom! Comecei, então, a expandir os tipos e gêneros de textos, passei a ler livros de romances (ainda com menor frequência), assuntos curiosos de várias áreas, aquarismo (sempre), entretanto não alçava voos tão longínquos. Tudo isso mudou nos últimos 5 anos. Atualmente, leio muito mais que antes, leio de tudo. Livros pequenos, grandes, de romance, poemas de Homero e, sobretudo, livros de filosofia, sociologia e história. Alguma coisa mudou. O que foi?
Parte II
Por que a leitura importa?
Em determinado momento da minha vida, aquele pavio fumegante que queria saber o porquê das coisas foi soprado por um vento. Ele, que nunca esteve apagado, acendeu-se com mais intensidade. “Coisas que pareceriam óbvias até para uma criança” começaram a não ficar assim tão óbvias para mim. Eu estava relativamente bem esclarecido quanto aos processos biológicos, físicos e químicos da vida, acabei aprendendo; mas as minhas dúvidas surgiam como raios que anunciam a chuva. E isso me incomodava muito.
Comecei a minha busca pelas respostas optando por assistir a muitas palestras de cunho histórico e filosófico, e as assistia todos os dias. Percebia que os palestrantes sempre falavam de inúmeras obras, diversos autores, e demonstravam um conhecimento que só poderia ser fruto de muita leitura. Um deles até disse: “A ideia da boa companhia de um livro é uma das mais agradáveis que a nossa cultura inventou. Alguém que não lê terá uma infância, juventude ou velhice solitária, porque nossa grande companhia são as pessoas, mas nem sempre estas estão disponíveis“. Fato é que, depois que iniciei minha vida de leituras, nunca mais fui o mesmo!
A leitura foi importante para que eu enxergasse o mundo com outros olhos que não os meus viciados em determinados conceitos e dogmas. Eu já lia desde antes, mas só depois que aprendi a ler passei a descobrir o poder de um livro bem lido. Por que a leitura importa? Porque ela nos mostra que “nada sabemos”, mas que temos muito a aprender – basta que estejamos dispostos!
Parte III
O que devemos ler?
[Aqui eu já deixo de falar tanto de mim (ao menos diretamente) e passo a refletir sobre minhas observações ao longo da vida]
Dizer o que devemos ler pode soar como algo impertinente, uma vez que cada pessoa lê aquilo para o qual tem mais inclinação. Ad concilium ne accesseris antequam vocaris**. Mas, você já parou para pensar que o modelo atual de divulgação de informações está cada vez mais manipulador? Se você leu o Post chamado “Ovos de cuco: as ideias parasitas que chocamos sem desconfiança“, entenderá bem do que estou falando. Mas, se não leu nem pretende fazê-lo, eu resumo o conteúdo dizendo que incontáveis vezes a cada dia somos induzidos a acreditar em coisas que a mídia assim deseja, e o fazemos sem a menor desconfiança de que estamos encubando um ovo que formará uma ideia. Ideia essa que criaremos e defenderemos como se fosse nascida de nós. Pior: a defenderemos com “unhas e dentes” ou “garras e bico” contra quem ousar negá-la como nossas. O mesmo acontece no campo da leitura. Observe!
Tenho visto que, seja aonde for – redes sociais, universidades, igrejas, bibliotecas, grupos de leituras na internet, rodas de amigos, etc… -, pessoas estão usando da leitura como algo representativo e egoísta, não como uma ferramenta auxiliadora na construção pessoal e social. Você já notou que há um ávido processo de elitização do conhecimento? Pessoas ditas “intelectuais” geralmente são supervalorizadas, chegando a ser, inclusive, um elogio galante – “Nossa! você é tão intelectual!“. Da mesma maneira, a leitura tem sido tratada nesses moldes. Inúmeros canais no youtube resolveram falar de leitura, livros, hábito de leitura e muito mais. Isso não é de todo negativo; claro que tem sim o seu lado positivo e que isso contribui para disseminar e estimular a leitura. No entanto, boa parte deles falam da leitura como se cada livro lido representasse um troféu (e só isso). Cenas lamentáveis em que duas pessoas conversam e uma diz “Eu li um livro semana passada” e a outra responde “Ah, eu nem li tanto quanto queria, só consegui ler 5 livros nesta semana, estou devagar“. Assemelha-se mais a uma disputa. É como se a leitura perdesse o seu valor libertador e passasse a segregar humanos: um grupo dos que “leem muito” e por isso são superiores e dos que “leem pouco ou quase nada”, e por isso são anencéfalos. Certamente que essa divisão não faz sentido, embora exista sob a égide do homem culto.
Realmente, eu não acho que não ler nada seja algo muito interessante para a formação de uma pessoa. Disse e repito, não sabemos de tudo, precisamos conhecer sobre diversas coisas; necessitamos aprender, e por que não fazer isso utilizando do conhecimento que já está disponível? Assumo que, infelizmente, não podemos confiar diretamente nas mídias televisivas (muito menos nas redes sociais) como fontes de informações confiáveis, geralmente há uma manipulação desmedida de dados e notícias que versam sobre o que rende mais financeiramente, não sobre o que as pessoas realmente precisam saber. Inclusive, não confie em tudo que eu falo, leia esse Blog com um olhar crítico, do contrário, ele será apenas mais um conjunto de textos alienantes.
Nesse sentido, quando surgir a dúvida, saiba: você deve ler o que te falta – aquilo que pode te fornecer respostas sobre o que você busca. Dubium sapientiae initium***. Se você gosta de saber mais sobre a história da humanidade, leia coisas de história; se deseja saber sobre a bíblia, leia-a – são 70 livros reunidos em um só; se quer descobrir os mistérios da mente e do comportamento humano, leia artigos científicos de neurociência, livros de psicologia e psicanálise. Todavia, se o que você busca não é exatamente uma informação tão direcionada, mas sim algo mais abstrato, não tem problema, leia romances, ficções, poesias, contos, crônicas – enfim, não faltam opções do que se ler. A minha única sugestão é: jamais leia para agradar alguém, ainda que esse alguém seja o seu próprio ego! Se você tem feito dessa forma, busque alternativas para mudar essa situação. O papel da leitura, a meu ver, deve ser transformador. Novamente: não nascemos prontos, precisamos adquirir conhecimento e experiências ao longo da vida, e acredito que a leitura tem o seu papel fundamental nessa equação. Costumo dizer que não existe sequer uma leitura que não nos ensine algo. Basta sabermos como ler.
Parte IV
Como devemos ler?
Até aqui já falei da leitura na minha vida, da importância dela e o que se ler. Falar acerca de como devemos ler, no entanto, diz respeito ao modo como eu vejo esse assunto hoje em dia. Antes de comprar um livro, eu penso naquilo que me falta no momento – como dito na Parte III. Meus interesses atuais são bem abrangentes, mas temas como filosofia e história me atraem bastante, por isso, quando penso em comprar livros vou nessas seções. Quando já estou com o livro em mãos – que veio de um interesse anterior sobre certo conteúdo – eu penso em algumas coisas antes de iniciar a leitura: deixo bem claro em minha mente que lerei o livro de forma crítica e atenciosa, para tanto separo canetas marcadoras para assinalar trechos interessantes e confusos, faço anotações e colo adesivos. Assim pode até parecer que não estou respondendo à pergunta inicial – como devemos ler? – mas estou. Devemos ler com propósitos claros e objetivos, e alguns procedimentos podem ser úteis. Independente do livro que iniciarmos, precisamos ter um propósito estabelecido para que, assim, possamos conduzir a nossa leitura. Sobretudo, é preciso que a leitura seja honesta.
Um livro deve ser lido sem que nos deixemos influenciar pelas nossas experiências e pelo nosso conhecimento de mundo. No momento da leitura é importante estarmos abertos para captar o que o autor/a quer dizer, do contrário, seguiremos eternamente reforçando nossas próprias ideias pré-concebidas sem nunca aprender algo novo. Ler é como ouvir o próximo: primeiro deixamos que ele fale e, enquanto isso, somente prestamos atenção em cada palavra, sem pensar em outra coisa. Só depois, meditamos no que foi dito a fim de utilizar de nossos conhecimentos para retribuir a conversa – quando e se for necessário. Se não, será como se alguém estivesse falando algo e nós, maquinando as possíveis respostas, sequer déssemos ouvidos ao que foi dito. Você já observou isso? Observe!
Recentemente li Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba – ambos de Machado de Assis -, são romances, mas apliquei os mesmos critérios ditos anteriormente. Antes de iniciar o livro decidi que buscaria compreender a maneira como os personagens agiam, como era formada a sociedade naquela obra e que informação cada característica presente nos vários personagens me daria sobre a vida em real, todavia faria isso sem lançar mão de minha visão de mundo sobre a do autor. A verdade é que aprendi muito – veja o que rendeu. Lendo dessa maneira, sempre aprenderemos algo além de uma narrativa. As palavras dos livros são símbolos utilizados para nos trazer uma mensagem mais profunda. Acredito que a maioria dos livros disponíveis em livrarias e sebos foram escritos por humanos, logo tem algo de humano nessas obras… então, há uma mensagem a ser decodificada. Repito: qualquer livro pode falar algo de útil. Acreditar que todos os livros que fogem das minhas preferências são hostis e ignaros faria de mim um ser humano intolerante, cego e egocêntrico – o que é, obviamente, inaceitável. Cada pessoa sente-se atraída por estilos diferentes.
No que diz respeito à técnicas de leitura, aí sim!, existem muitas opções. Especifica e particularmente no que diz respeito a ler mais rápido, uso a técnica da caneta ou do dedo (coisa que dentro de um certo limite me ajuda bastante), e não tenho nenhuma vergonha disso; ela tem se mostrado muito útil para mim. Consegui ler duas (quando muito, 3) vezes mais rápido que antes de utilizá-la – mas, claro que isso varia sobremaneira de um livro para o outro. Não consegui ler Ilíada e Odisseia – de Homero – na mesma velocidade que li Espumas flutuantes – de Castro Alves. Isto posto, se você quiser saber mais sobre sobre essa dica, posso recomendar um vídeo bem curtinho, que fala sobre isso:
Por Fim
Se leu até aqui já é uma mostra de que leitura não é problema para você. Acabei escrevendo demais, admito – mas caso acredite em mim, ainda resumi o que eu tinha para falar.
Como você pode perceber, minha vida como leitor consciente foi “tardia”. Gostaria de ter começado com o hábito da leitura muito antes. É inegável que esse hábito deve ser criado aos poucos, de forma estrutural e concreta, para isso é necessário o incentivo em suas mais variadas versões, sejam estas provenientes de casa, das escolas e, por que não das mídias? Já que a maioria das pessoas no nosso país tropical preferem assistir a um programa televisivo a ler um livro, por que não usar desse meio como incentivo? Infelizmente a reposta vem à cavalo – se a mídia sugerir outro tipo de alimento, poderá ser que o freguês troque de restaurante! E isso provavelmente elas não querem.
Sobre mim… Se, por um lado, eu disse que não tive incentivo para adquirir o hábito da leitura, por outro, digo que a falha foi minha também. Desde a minha infância existem bibliotecas públicas com muitas obras, livrarias e sebos que permitem que a pessoa entre e fique ali lendo por quantas horas ela quiser, sem dizer de locais que doam livros e de pessoas que estão dispostas a emprestá-los também. Se eu não lia, em boa parte foi por falta de interesse genuíno. Entretanto, como quase nunca é tarde para iniciar a construção do hábito de leitura, hoje me vejo nesse caminho. Ainda não sou nem de perto o leitor que desejo ser um dia (mais atento, analista, criador de pontes), mas como todo hábito, é preciso dedicação e esforço. Atualmente, não passo um dia sem que me dedique, por pelo menos uma hora, à leitura de um livro que não seja relacionado aos estudos cotidianos ou ao trabalho. Isso tem sido transformador na minha vida! Experimente!
(*) Ad commodum suum quisquis callidus est: Cada qual acode onde mais lhe dói / Cada qual sabe onde o sapato lhe aperta
(**) Ad concilium ne accesseris antequam vocaris: Ninguém se meta onde não é chamado
(***) Dubium sapientiae initiumQuem: mais duvida, mais aprende
#VocêJáParouParaPensar?
Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos