Mudança

Entender o significado da palavra mudança não é algo complexo, tampouco exige uma pesquisa aprofundada na etimologia – as definições acima, feitas em um simples dicionário online, permite-nos compreender o que isso representa. A grande questão é saber o que motiva uma mudança e, não menos importante, entender como promover essa mudança.

Mudanças vs Protocolos

Quando o assunto é uma mudança de domicílio, na qual serão transportados todos os móveis e apetrechos domésticos, ela é bastante simples de ser conduzida. Qualquer pessoa pode nos ajudar, e os passos a serem seguidos funcionam em praticamente todos os casos de mudanças domiciliares – ou seja, bastaria um protocolo básico e tudo ficaria bem. Por outro lado, se a mudança diz respeito à maneira como vivemos, implicando em uma transformação de hábitos e visões, nenhum protocolo inventado pelo homem seria suficiente para garantir o sucesso de outrem. A menos que fossem criados 7,5 bilhões de protocolos diferentes.

As palavras alienação, ingenuidade e carência – cada uma em sua devida proporção – representam, sem muitas dificuldades, os motivos que levam uma pessoa a acreditar em propostas milagrosas de mudança de vida. Você provavelmente já leu ou ouviu algo do tipo: “Como mudar de vida em apenas 11 semanas“, “7 passos para alcançar uma vida equilibrada” ou “como ser feliz em apenas 10 etapas(Obs.: números ímpares e/ou múltiplos de 10 atraem mais o público alvo, coisas de Marketing). Isso não deveria fazer o menor sentido. Talvez por ajudar apenas a quem vende o livro ou a ideia, isso receba o nome de autoajuda. Eu seria um hipócrita e mentiroso se me atrevesse a dizer-te que aquilo que me ajudou a superar meus problemas seria tão eficiente para você como o foi para mim. Eu sou eu, você é você. No máximo, como tento fazer a cada publicação, eu posso dizer o que fiz e como enxergo o mundo; tudo isso, na tentativa de lançar fagulhas sobre os seus pensamentos. Mas, evidentemente, você é quem deve assoprar para acender a brasa e encontrar a melhor maneira de mantê-la acesa. A menos que você acredite na bíblia, milagres não existem. O que existem são consequências de ações anteriores.

 

Qual a dificuldade?

Desde muito tempo, somos rodeados por exemplos heroicos que superam praticamente todas as adversidades e tornam-se aqueles que promoveram a mudança. Biblicamente, Jesus venceu tudo e foi coroado Rei da Glória pelos seus; Siddhartha Gautama abandonou os luxos de seu palácio e iniciou uma mudança de comportamento e de pensamento até que, debaixo de uma árvore Bodhi (Ficus religiosa), alcançou a iluminação. Apesar das inúmeras dificuldades pelas quais ambos passaram (ao menos historicamente), suas imagens são passadas adiante valorizando apenas o auge de suas transformações. E, para piorar a situação, as pessoas acham que serão Jesus ou Buda em apenas 10 etapas. Quando, na realidade, o processo é gradual e exige muito esforço.

Bem mais recentemente, grandes empresários dão palestras em toda parte do globo dizendo o que enfrentaram para mudarem de vida (e ganham dinheiro com isso, hem! Talvez seja essa a razão de seguirem “mudando” de vida). Enquanto isso, aqueles que assistem às palestras e compram os livros, apenas gastam mais tempo e dinheiro e iludem-se durante o prazo estipulado na capa santa (capas dos respectivos livros).

O que quero dizer é que, seja qual for a mudança interior que você estiver buscando, prepare-se para fracassar. Tem mais: prepare-se para fracassar quantas vezes forem necessárias. Em um discurso na Universidade de Harvard, em 2008, a escritora J. K. Rowling disse uma frase marcante, com a qual concordo inteiramente:  “É impossível viver sem fracassar em algo, a não ser que você viva tão cautelosamente que seja como se você nem estivesse vivendo — nesse caso, fracassará por omissão“.

Nesse contexto, acredito que o maior fator que dificulta ou impede a nossa mudança é o fato de acharmos que iniciaremos o processo de transformação interior e chegaremos ao fim, atingindo todos os objetivos, sem que nenhum ponto seja falho. Isso é uma ilusão! Quem diz que basta acreditar e ter fé, que tudo dará certo, provavelmente nunca tentou nenhum tipo de mudança no plano real da vida. Pelo contrário, o fato de temer a mudança, e buscar um conforto cada vez maior no imaginário coletivo pode ter feito deste um ser estático, que acaricia as correntes que o acorrenta. E, pobre de quem tentar dizer que essas correntes são a causa da prisão – poderá até ser agredido.

Quando vivemos de uma maneira que nos incomoda, que nos machuca e que provoca em nós sensações das mais amargas possíveis, normalmente tendemos a procurar por fontes inspiradoras. Isso não é errado. Às vezes, quando estamos passando por alguma circunstância dolorosa em nossas vidas, buscamos algum tipo de conforto para que aquele episódio seja o menos danoso possível. Isso também não é errado. O erro está na desistência de nós mesmos. Desistimos da vida quando acreditamos que somos incapazes de mudar a nossa situação; deixamos de existir quando aceitamos como normal uma adversidade que deveria nos ensinar a viver – mas, ao invés de viver, estamos querendo morrer daquele mesmo jeito, sem aceitar o desafio da mudança. Eu disse em outras publicações e repito aqui: o sofrimento é útil em nossa trajetória à medida que aprendemos com ele; passado isso, viver sofrendo será um estranho estilo de vida.

Muitas pessoas morrem diariamente achando que encontraram a razão de viver; passam a obedecer a padrões sociais de luxo e consumo, mas vendem suas vidas e esgotam sua existência pelo simples prazer de possuir bens e mostrá-los ao mundo. Outras, podendo aprender com a situação em que se encontram, preferem sufocar-se, mergulhando a cabeça num balde de decepções – achando que, por estarem ceifando suas próprias esperanças, estarão vencendo. O pesadelo pode acabar-se com um barulho que te acorda na noite, mas o motivo do pesadelo, se não dominado, poderá perturbar os seus futuros sonos.

A constatação e a Ação

Uma mudança não acontece se for forçada ou induzida, ela precisa partir daquele que deseja uma transformação. Entre as tentativas mais inúteis na vida, uma delas certamente é a de tentar fazer uma pessoa aderir a uma mudança somente porque nós achamos que é o melhor para ela. Infelizmente, isso é observado o tempo todo na mídia, nas redes sociais, nas igrejas, nas famílias; onde quer que estejam dois ou três reunidos, ali existe a chance de alguém querer impor uma mudança sobre o restante. A isso, chamo manipulação, alienação da massa.

Em contrapartida, se você decidiu conscientemente que precisa iniciar um processo transformativo da sua existência, esse é o momento crucial para que se enxergue. Pois aí estará a constatação. A constatação de que somos manipuláveis, facilmente influenciáveis, e tantos outros “áveis”, é um passo importante para prosseguirmos com a mudança. Quem deixaria de agir como um ser estúpido se achasse que, ao invés disso, era um ser humano digno de honra? Em outras palavras, que pessoa deixaria de praticar o mal se na mente dela aquilo era o bem? Ninguém muda se não reconhecer o seu ponto fraco. Quem não sabe de sua fraqueza (e que ela deve ser trabalhada), morrerá como Aquiles, atingido em seu calcanhar.

Luz da vida

Além disso, uma vez que você reconheceu o seu defeito, não espere ir a um médico e receber uma dose da porção mágica que mudará a sua vida – até porque ela não existe. O que cabe ao médico ou psicólogo é avaliar o seu estado físico e psicológico na tentativa de “controlar” o seu sistema orgânico a fim de que você possa ter condições mentais de iniciar uma mudança mais efetiva. Não desconsidere a possibilidade de consultar um especialista nessa área. Isso não é vergonhoso, tampouco fará de você um fraco assumido. Pelo contrário, quem reconhece seu defeito é forte, quem busca por ajuda é inteligente.

Uma vez em dias com a saúde física e psicológica, observar-se com profundidade pode ser uma boa opção. Eliminar fatores que nos prendem aos nossos erros são coisas a serem consideradas. Mas, sem dúvidas, estar preparado para errar é algo muito, mas muito importante mesmo. A sociedade não nos ensina isso. Antes, ela prefere dizer que atingiremos o “sucesso” desde que nunca desistamos; ou, dependendo do meio cultural que você frequenta, basta que entregue a sua causa nas mãos de um ser supremo, e tudo será resolvido. Na minha vida isso não existe! a menos que eu decida sonhar que estou no mesmo país que Alice.

Imagine o Andreone escrevendo um livro “motivacional”… seria um desastre de vendas. As pessoas, ávidas por uma palavra consoladora, receberiam logo um balde de gelo ao ouvirem que “provavelmente fracassarão mais de uma vez durante o processo de mudança”. A verdade é que não me importo, não nasci para falar aquilo que as pessoas querem ouvir. Ou melhor, não nasci para falar nada – mas, já que escolhi falar, que seja a verdade (dentro dos meus limites humanos de distinção e compreensão da verdade).

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Mudar dá trabalho, exige paciência, adaptações de planos e de metas, persistência e, porque não?, algum desgaste no plano mental ou material. O artista, quando olha para uma pedra de mármore, não vê o mármore, mas a escultura pronta. Parte por parte é lapidada, lascada e quebrada até que a escultura seja feita. Se nos considerarmos como uma pedra rústica, precisaremos saber o que desejamos ser – nesse ponto, perguntar-se aonde estamos e para aonde queremos ir torna-se indispensável. “Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve“, já dizia o Gato de Cheshire em Alice no País das Maravilhas.

Por ser difícil a mudança, muitas pessoas param no meio do caminho, abandonam sonhos, desistem da vida e, não muito raramente, tiram suas vidas. Tudo isso porque acreditaram que a distância entre o estado de incômodo e a mudança era de apenas 11 passos, quando na verdade pode ser enorme. Eu tenho consciência de que, para atingir o meu objetivo – que é deixar de ser esse ser humano pequeno que não sabe pensar direito e que é instrumento da alienação, e passar a ser um ser Humano Sábio – existe uma imensa estrada a ser percorrida, na qual haverá dias de frescor, assim como virão chuvas, tempestades e dias de intenso calor. Nada disso pode me tirar da estrada se eu estiver consciente de que quero a mudança.

Vale dizer que, as estradas da vida cruzam-se a todo instante (parecendo formarem apenas um caminho), e que ao longo dessa jornada encontraremos pessoas que nos ajudarão e que serão ajudadas por nós. Quem se desvia dela por qualquer coisa, simplesmente ficará mais distante de atingir a objetivada mudança. Ademais, prender-se a uma ideia fixa e imutável também é uma forma de abandono da estrada, por mais paradoxal que possa parecer.

A estrada não é fixa, feita de terra ou concreto, ela é subjetiva, formada de princípios verdadeiramente Humanos. Se um Homo sapiens escreveu algum desses princípios, compilando-os em um “manual de instruções”, ainda que se utilizando do nome de uma divindade para isso, não passa de um manipulador. Precisamos ser livres para expandirmos o nosso pensamento. Tudo que nos impõe limites em pensar bloqueia o nosso crescimento. E tudo que bloqueia a elevação do nosso nível de consciência assim o faz por temer que sejamos proativos o suficiente para fazermos nossas próprias escolhas conscientemente.

Por fim

Se você quer uma mudança efetiva, não siga manuais. Eles foram feitos para geladeiras e fogões. Você precisa de orientações, que são bem diferentes de regras. Uma orientação, como o nome diz, te orienta como fazer algo. Ou seja, se vou orientá-lo como chegar em algum lugar, direi “fica naquela direção“. O caminho, o veículo e a velocidade ficarão por sua conta. Pressupor que tudo que fiz funcionará rigorosamente com você é assumir que você tem exatamente as mesmas experiências que eu – o que é absurdo. Nenhuma pessoa é capaz de ter a mesma experiência na mesma intensidade que a outra. Podem ser muito parecidas, no entanto, mesmo a mais sutil diferença pode ser decisiva na hora de escolher uma medida a ser tomada.

Portanto, não desista de mudar quando necessário! Não pense que tudo está perdido antes de tentar verdadeiramente. Pense com a sua “cabeça”, viva com as suas experiências. Porém, pode ser valioso espelhar-se naqueles que lutaram, como um arquétipo, um referencial, para que você se oriente. Os sábios que passaram pela terra deixaram sugestões valiosas de coisas que podem nos ajudar. Avalie quais são mais adequadas à sua situação e inicie o processo de mudança o quanto antes. Mas, lembre-se, somente nas floriculturas que tudo são flores o tempo todo!

 

#VocêJáParouParaPensar?

 

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos


Créditos das imagens utilizadas na capa:
Imagem de fundo
Rosa dos ventos
Self-made-man