O que é a vida? Essa pergunta com certeza já deu muito o que falar nos mais diversos meios de convivência humana. Existem respostas que versam desde a combinação atômica baseada no carbono, organizada de modo a constituir um organismo capaz de apresentar homeostase, metabolismo próprio e reproduzir-se, até questões mais metafísicas.

Vantagens adaptativas, incorporação de matéria, bem como reações a estímulos do meio ambiente, geralmente são considerações que biólogos utilizam na hora de falar de “vida” – o debate é tão intenso que, até hoje, para muitos cientistas, os vírus permanecem sem um lar taxonômico para existirem enquanto “cidadãos” na literatura. Por outro lado, se você questionar uma pessoa sob o viés religioso, possivelmente ela dirá que a vida é algo divino, um sopro dado pelo seu Criador sobre determinado ser – a saber, o humano -, que o tornou diferenciado das demais criaturas a partir daquele exato momento, tornando-o vivo. Os outros animais, digamos, existem com vida, mas nada comparado ao que essa mesma palavrinha pode significar para um Homo sapiens. Embora, de acordo com a Bíblia Judaico-Cristã, Deus tenha dito que “produza a terra alma vivente conforme a sua espécie; gado, e répteis e feras da terra conforme a sua espécie; e assim foi(Gênesis 1:24), somente no homem a “vida” assumiu um significado mais proeminente e de valor nitidamente intrínseco.

Mesmo assim, essa pergunta insiste em ecoar pela humanidade desde que o primeiro ser humano gritou “quem sou eu?”, pois ali ele se viu como um suposto ser pensante. Reitero: O que é a Vida? Qual a possibilidade de haver uma resposta plausível e universal para essa questão? Visualizar esse questionamento na sociedade parece-me mais com uma colmeia de abelhas que, ao ser tocada, lança suas operárias prontas para morrerem em prol da casa. Por onde quer que você passe, caso pergunte “o que é a Vida”, as pessoas te dirão quase que com ferroadas o que elas pensam. Ai de você se ousar discordar ou, no mínimo, expôr uma opinião que não seja idêntica à dela. Esse cenário piora consideravelmente se a pergunta for feita em um centro acadêmico na área das Ciências Humanas. Por outro lado, Teólogos e Cientistas da Natureza, apesar de apresentarem pontos de vistas bem distintos, entre seus grupos específicos não divergem muito de uma restrita opinião: ou a vida é matéria combinada entre carbonos (no caso dos cientistas da natureza), ou ela é um sopro divinal (no caso dos teólogos).

A “vida” acontece o tempo todo, dizem! “viver a vida” é uma expressão usada mundialmente e que, na maioria das vezes, está relacionada ao Homo sapiens. Mesmo assim, se você preferir, pode-se extrapolar o termo para os canídeos, dizendo que uma pessoa X vive uma “vida de cão“. Em ambos os casos, viver é fazer algo daquilo que é considerado vida. Nesse sentido, fica confuso entender o que cada um quer dizer quando se afirma que vive. Logo, viver e estar vivo não seria necessariamente a mesma coisa, haveria de se considerar qual o ponto de vista é utilizado como sustentáculo em cada circunstância.

Ademais, se para os filósofos gregos clássicos “uma vida sem questionamentos não merecia ser vivida“, para os nossos pensadores contemporâneos isso nem é tão necessário assim, melhor mesmo é “viver uma vida de experiências incríveis e inéditas – como comprar o último Smartphone lançado pela Apple ou Samsung, viajar para a famigerada Europa, ascender profissionalmente, comprar o último modelo de carro da Honda ou da Hyundai e postar uma foto nova e feliz a cada dia nas redes sociais“. Seja deste ou daquele ponto de vista, para vivermos necessariamente precisamos estar em movimento, seguindo para alguma direção, rumo a um objetivo estabelecido (pelo próprio vivente ou por terceiros, mas em movimento).

Seguindo essa tendência de raciocínio, do ponto de vista dos sapiens a vida começa em um momento específico. Se viver é fazer algo com aquilo chamado de “vida”, o nascimento marca o seu início; dificilmente um feto conseguiria tomar uma decisão, como pedir para a sua mãe desligar o som caso estivesse insatisfeito com a música. Em contrapartida, ao nascer, mesmo munido de ferramentas rudimentares, um humanoide consegue manipular sua mãe a partir de um choro, sendo que, quanto mais agudo, maior será o grau de desespero dela e, consequentemente, maior a chance dele ser atendido. Ele estará vivendo (quanto à mãe…)!

Curiosamente, mesmo depois de adultos, humanos costumam usar das mesmas táticas de sobrevivência – mudando para isso apenas a ferramenta, que geralmente é mais avançada tecnologicamente. Não é raro se encontrar um adulto fazendo drama nas redes sociais para conseguir algum favor; alguns manipulam suas fotos em aplicativos para aparecerem mais convincentes e, assim, conquistarem seus objetivos – ainda que seja o de ser aceito em determinado grupo. Caso não queira apelar para a tecnologia e prefira lançar mão de ferramentas ditas “primitivas“, na pior das hipóteses, é recorrente o caso de pessoas agindo com violência para ter seu desejo atendido – nesse caso, o choro do outro servirá como parâmetro de sucesso. Se viver é fazer algo com a vida, tais seres podem ser considerados vivos (ao menos aquele que atingiu o seu objetivo)?

Ao se afirmar que viver é fazer algo da vida, fica subentendido que esse algo pode ser feito de diferentes maneiras. E fazer algo de diferentes maneiras, em uma sociedade competitiva como a nossa, pressupõe certos escalonamentos, os quais estabelecem claras diferenças entre um polo e outro – assim sendo, por consequência dessa atitude, haverá um “vencedor” e um “perdedor”.

Em uma publicação anterior, eu escrevi que por muitos anos ouço dizeres de que, para ser um vencedor nessa vida, é preciso possuir um bom diploma universitário, conquistar um excelente cargo na empresa, ter uma conta bancária no mínimo razoável, conhecer diferentes países, falar mais de um idioma, ter um bom carro, nunca desistir de um objetivo, ser visto pelo maior número de pessoas, etc e etc. Como resultado desses padrões sociais fortemente estabelecidos, vejo pessoas sofrendo porque jamais atingiram (ou jamais atingirão) metade dos requisitos para que sejam consideradas como supostas “vencedoras”. A situação torna-se ainda mais caótica quando a massa decide ser uma vencedora a qualquer custo; relembrando aqui que “a qualquer custo” significa fazer exatamente tudo em prol da vitória, ainda que para isso seja necessário causar dores e prejuízos aos demais. Os problemas são quase que imensuráveis. O mais grave é o fato de que as pessoas esquecem-se de que são, sobretudo, seres humanos e passam a agir como fantoches nas mãos de uma tirania incansável. Mas, como a isso eles chamam de “vida”, poucos são os que se atrevem a levantar a voz contra essa ideia. Alguns que fizeram isso perderam a vida orgânica.

Caro leitor e cara leitora, se você se contenta com a ideia de que viver é de fato essa mera manipulação de algo que concerne à nossa existência, mantendo-nos em movimento, suspeito que os próximos parágrafos soar-te-ão um tanto quanto pedantes e fortemente fantasiosos. De toda forma, agradar a gregos e troianos não foi possível nem na Ilíada, que brigavam praticamente pela mesma coisa, que dirá num post de um ser tão pequeno como eu sou.

Precisamos, antes, considerar uma questão: somos seres que tendem a categorizar e classificar tudo sempre que se é possível. Agrupamos os seres vivos em táxons, separando-os por Reinos, Filos, Classes, Ordens, Famílias, Gêneros e Espécies. Tudo isso para “facilitar” a identificação deles. No âmbito social, por sua vez, classificamos os humanos quanto à etnia, cultura, nacionalidade, cor da pele, renda, profissão, escolaridade e lá vai uma imensidão de caixinhas. A verdade é que sempre achamos uma maneira de colocar uma determinada característica em seu “devido lugar“, e em sua “devida sina”. Isso implica, entre outros quesitos, em atribuir valores a essas determinadas classificações. Dizem que assim estão organizando a “vida”.

Quando falo em “atribuir valores às classificações“, um universo se abre criativamente na mente dos sapiens. Ainda hoje não é incomum que na ciência algum biólogo diga que, dentro do grupo das plantas, por exemplo, briófitas sejam inferiores às angiospermas; enquanto no contexto sócio-cultural, portadores de diploma são considerados “superiores” (ou vencedores) se comparados aos analfabetos. Obviamente que esses valores não são meramente ilustrativos, eles sempre exerceram uma influência sobre o todo; tanto que, na Grécia Antiga, Aristóteles falava em Escala Natural, na qual todos os seres vivos evoluíam para um ótimo ideal; além de ele separar a sociedade em homens ociosos, homens livres, mulheres e escravos, ele criava justificativas para cada uma de suas escolhas. Mesmo não sendo um consenso, hoje em dia somos considerados quase que numa escala aristotélica – sempre somos incitados a atingir um patamar de perfeição. E seguem dizendo que isso é viver.

Se você me permite uma consideração pessoal, é esta: Isso não é viver! Talvez seja existir, ou sobreviver. A Vida não pode ser assim tão simples e condicionada por fatores previsíveis e frágeis que nós mesmos criamos. Mas a questão é que, dada essa categorização de que tanto utilizamos, acabamos por atribuir nomes que não necessariamente refletem um significado profundo.

Recorrendo mais uma vez à uma publicação que fiz no Blog, digo que, filosoficamente, a Vida, em suas mais variadas vertentes, é um conjunto de leis que exercem suas forças independentemente de nós as percebermos ou não. Claro que essa é uma definição simplória e subjetiva. Todavia, o que quero dizer é que a Vida segue um mecanismo que não se altera devido as nossas escolhas ou crenças prévias. O que acontece, entretanto, é que nós podemos alterar a maneira pela qual enxergamos, sentimos e participamos de tais mecanismos.

Desse modo, posso me ousar a lançar uma luz sobre o discurso do que entendo por Vida. Ela, que tem assumido múltiplas facetas na epopeia humana, nem sempre é vista por todos da mesma maneira, mas penso na vida como se ela fosse uma “força cega”, um complexo conjunto de fatores em transe no universo. Não obstante, o fluxo da vida é contínuo, não aponta para uma direção específica, nem escolhe por que ou por quem passar.

A Vida, à moda Andreônica, não precisa te classificar para que você a mereça – a propósito, muito antes do ser humano inventar o conceito de vida, ela já existia e nunca dependeu de nossos critérios pobres para isso. Pelo contrário, se vida é algo que acontece independentemente de nossa atuação, seria como dizer que é você quem pode expressá-la de acordo com o seu grau de sensibilidade. Nessa direção, trago para reflexão uma ideia do filósofo indiano N. Sri Ram, segundo a qual “tudo isso surge da vida, fazendo parte da sua natureza e ação“. Indo mais profundamente, ele disserta que “atribuir tudo isso a combinações moleculares, por mais que a vida aparente delas surgir, é uma explicação que não pode ser chamada de razoável ou convincente. O cientista estuda e especula, na medida em que de fato o faz, sobre a vida em seu aspecto comum, sobre a natureza do invólucro material que ostenta, e não sobre o seu aspecto extraordinário que não pode ser medido por régua e bússola ou pelos instrumentos os mais sofisticados que ele tenha inventado. […] Aquilo que é extraordinário é deixado completamente de fora quando se restringe a atenção àquilo que pode ser observado na matéria“. O que você acha dessa abordagem feita pelo filósofo?

Em vista disso tudo, eu considero que a vida é um conjunto de fatores complexos o bastante para não caberem em poucas definições, ela é uma combinação de mecanismos, que passa por nós humanos e por todas as coisas. Quando ela passa por um indivíduo que está sensível o suficiente para expressá-la, este consegue transmitir com sutiliza e brio o que a Vida tem de melhor e que pode ser expresso a partir de um humano, mas não está restrita a esse grupo – o mesmo pode acontecer com qualquer outro ser ou com qualquer outro conjunto de átomos. Em se tratando de nossa espécie, uma pessoa que busca depurar o seu olhar, refinar os seus gostos e suas vibrações, tendendo à entregar-se ao que chamamos de Amor, à Bondade, à Fraternidade e à Solidariedade, entre outras qualidades que conceituamos, certamente será alguém que expressará a Vida o mais próximo de sua pureza e beleza – mas não a tornará exclusiva a nós.

Todas as pessoas podem servir de meio para que a vida se manifeste, acontece que poucas querem limpar suas janelas, raras são as que permitem deixar entrar a “luz do sol” em suas moradias e serem preenchidas pelos raios do conhecimento; se nos tornamos mais sensíveis e mais empáticos os somos porque a cada nova etapa de nossa existência aprendemos a expressar o que é a Vida. Nunca é demais enfatizar, mas de fato essa capacidade de expressão não se reduz ao Homo sapiens; todos os organismos e constituintes que compõem tudo o que podemos ou não enxergar podem servir de veículo para a Vida, acontece que nem sempre nós [H. sapiens] somos capazes de entender ou de interpretar como eles a manifestam – e, por ignorância, dizemos que somente a espécie humana é capaz de desenvolver essa consciência sobre a Vida. Acredito, ainda, que, quando morremos, a Vida não deixa de existir – ela simplesmente deixa de ser expressa em nós, mas continua como sempre foi; na primeira oportunidade de manifestação, ali ela estará.

Por fim, reitero os primeiros parágrafos dizendo que, seja a Vida descortinada do ponto de vista científico ou religioso, pouco se conhece de sua essência – ninguém até hoje conseguiu chegar a um acordo que contemplasse as diversas opiniões. Honestamente, nem sei se é realmente importante/necessário definir o que é a Vida propriamente dita; nossas definições são nitidamente tendenciosas – personificamos tudo que nos convém; afinal, só podemos enxergar coisas que estão dentro do nosso campo visual e cognitivo, e pendemos para atribuir valores que sejam pertencentes ao nosso universo de valores. Enxergar tudo sob o viés humano não costuma ser preciso, tão pouco eficiente. Na melhor das hipóteses, conseguimos fechar uma definição dentro de um pequeno grupo que concorde conosco, enquanto o restante acaba criando outros conceitos.

Se você enxerga alguma coerência no que eu disse até aqui, junte-se aos humanos que aspiram à depuração dos gostos e “Viva“. E aqui não falo de cultura, mas de uma condição que enxerga o próximo como importante e valoroso. Sejamos Humanos!

De acordo com o seu modo de pensar, como você enxerga o que é a Vida? Deixe a sua opinião nos comentários sobre esse texto, bem como a sua visão a esse respeito! Você gosta de poesia? #MomentoPoético: Que tal criar uma poesia e falar da Vida de acordo com o seu ver? Seria uma experiência incrível! Eu gostaria muito de lê-la!

#VocêJáParouParaPensar?

 

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Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos