“Te ver e não te querer
É improvável, é impossível
Te ter e ter que esquecer
É insuportável, é dor incrível“
O que é o ser humano? Essa pergunta é muito persistente na história da humanidade, mas segue sem uma resposta minimamente convincente e que englobe todas as suas variedades e manifestações. Ninguém, até hoje, conseguiu definir com honestidade o que é “ser humano“. Mas, quanto ao Homo sapiens, isso é muito mais fácil, e sabemos de forma considerável o que ele é. Um destaque importante é que essa espécie não apresenta “acessórios” biológicos eficientes quando comparado à maioria das outras espécies – como revestimentos rígidos, garras, asas, cobertura de pelos, etc. Talvez, isso tenha feito dessa espécie uma voraz coletora de dotes da natureza para suprir suas necessidades (ou “carências”) biológicas.
[Talvez] Como fruto dessa apropriação, surgiu a necessidade de utilizar também dos recursos naturais para que estes servissem de representações simbólicas ao próprio ser humano. Começamos a coletar dentes para formar colares; montamos adornos com penas vistosas; passamos a selecionar grandes espécimes que conferissem um certo status social (cavalos imponentes, cães fortes e ágeis, etc.), tudo para nos destacarmos enquanto grupos sociais. A grande questão é que essa prática de apoderamento e de exibicionismo identitário não parou até hoje; seguimos desejando insistentemente tudo aquilo que por alguma razão nos dê, ou prazer, ou status, ou traga um simbolismo; ou, quando não, que seja tudo isso junto. Consideramos “improvável, impossível” resistir àquilo que queremos – e isso não se restringe a coisas, esse comportamento acaba se aplicando inclusive a pessoas (como diz a letra da música que iniciou essa publicação).
É como se estivéssemos andando pela floresta amazônica e nos deparássemos com a exuberância de uma arara azul e imediatamente a desejássemos. Como se não bastasse o desejo, a capturamos e a levamos para a nossa casa, acreditando que conosco ela estará melhor que na natureza, quando, na verdade, ela foi evolutivamente selecionada para viver ali, em seu habitat natural. Esse pensamento hostil – que nos faz desejar e que nos impede de ficar apenas na contemplação – é (somado a outros fatores) o responsável por levar à extinção centenas de espécies ano após ano. A arara azul entra aqui como um exemplo simbólico, pois raras são as pessoas que conseguem enxergá-la sem deixar escapar ao menos um profundo suspiro de encantamento pelas cores, formas e pela perfeição do voo. O que não percebemos é que esse comportamento de “ver e desejar ter” está no nosso dia a dia. Vemos uma planta na natureza e a capturamos para o nosso lar; vemos a foto de um cachorro (de raça) e o desejamos tanto que “encomendamos” um filhote [com pedigree]; vemos um objeto numa loja (isso mesmo, a metáfora vale até para o consumo) e, mesmo não precisando dele, o desejamos e o compramos. Na melhor das hipóteses não percebemos que consumimos mais do que precisamos – e consumimos tempo, coisas, pessoas, histórias, sonhos e, inclusive, nós mesmos!
A situação mostra-se em seu tom sociocultural quando vemos uma pessoa e, por desejá-la, acreditamos que também podemos tê-la. Homens desprezíveis acreditam que simplesmente por desejarem uma mulher eles podem levá-las consigo (e geralmente tentam ou fazem isso); insistimos por um relacionamento (mesmo que a outra parte não queira) simplesmente por que desejamos tanto que “é improvável, é impossível” aceitar o “Não!”.
Desejar coisas não é um mal em si. Não temos pleno controle sobre nossas emoções no que diz respeito à manifestação dela em nós; mas decidir o que fazer com elas é algo em que podemos trabalhar diariamente. Então, por que temos essa dificuldade de admirar as coisas como e onde elas estão, sem precisarmos tê-las ao nosso lado? Por que não tentamos amar as pessoas mesmo que elas não estejam sob nossa “posse”? Por que tudo que desejamos precisamos necessariamente possuir para que haja um sentido completo entre o complexo admirador-admirado? Isso talvez seja fruto da nossa falta de respeito e empatia para com tudo. Ao longo da história humana não desenvolvemos o hábito de apenas contemplar as coisas e perceber que é possível desejar sem ter, amar sem possuir, e admirar de longe. Quando realmente admiramos e amamos algo ou alguém, simplesmente os deixamos ir. Entre outras coisas, amar é deixar ir. Deixemos ir o que amamos, desejamos e admiramos: se porventura essas coisas/pessoas vierem até nós por livre e espontânea vontade é porque elas realmente quiseram isso, se não, é porque elas estarão melhor sem nós. E está tudo bem se for assim! É o ideal! É o justo!
Toda vez que nossa ânsia por possessão fala mais alto, estamos “capturando uma arara azul” no complexo da existência e trazendo-a forçosamente para o nosso lado. Isso é demais, é pesado, não há paz. São expectativas desleais. E eu te pergunto: qual foi a última vez que você capturou uma arara azul para a sua vida?
#VocêJáParouParaPensar?
Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos
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NOTA: as imagens das penas azuis, utilizadas para compor a capa desta publicação foram obtidas nos seguintes links: Pena Azul I e Pena Azul II.