NINGUÉM tem culpa por nascer privilegiado(a). Sobretudo, se a pessoa nasceu do sexo e gênero masculino, com a pele branca, em uma família de classe média ou alta, certa e obviamente que isso não foi uma escolha própria. Também não há culpa desse nascimento ter sido em um país que institui privilégios como sua marca registrada, marcadora de uma desigualdade estrutural.
O problema está colocado quando o(a) privilegiado(a), reconhecendo-se como tal, além de fingir não saber da desigualdade, aumenta o abismo entre si e os não favorecidos, explorando-os sempre que pode, só para não perder seus privilégios inatos. Nessa hora a inocência dá lugar à ganância e ao descaso velado. É um jeito sombrio e “pseudossilencioso” de ser uma pessoa tirana. Explicitamente, e sem máscaras, a história da humanidade é contada acima de tudo por privilégios. E quem, tendo-os garantidos, escolheria livremente deixar de possui-los? Tem de ser muito desconstruído(a) para fazer isso!
Quem trocará Paris por Paraisópolis; Volvo V60 por CPTM às 18h; caviar por pão na chapa?
“Ah, ele(a) fala de privilégio, mas estuda na USP, já viajou, tem faculdade, e fala inglês”. Isso é uma exceção – preste mais atenção!
Drama? Mimimi? Vitimismo? Teu #u! Ah, me esqueci, gente fina e elegante não fala palavrão… Tá!
Diz aí, se o meu “mimimi” é verdadeiro, quem vai viver a experiência do “combo” vida de negr@s + mulheres + LGBT + pobreza, tudo isso por um salário mínimo?
Moçambique? Não! Ajudaram Notre Dame; dá mais status.
80 tiros? Que nada, foi um acidente! Vamos apoiar Satanás, que só queria ter liberdade de expressão.
E que tal denunciar o amigo por ter estuprado uma colega? Esquece, ele não fez por mal – Deus perdoa todOs, Ele consolará o coração da moça.
Ao domingos: Deus ajuda quem ele ama; durante a semana: moça, tem comida pra mim? “sai daqui, preto fedido, o Senhor que te repreenda“.
O mais foda de tudo é seguir o discurso do “se você se esforçar mais, conseguirá o que quiser“. É alucinação que fala? Não! É hipocrisia mesmo!
Se saímos do lugar, foi sorte. Porque se fosse por esforço, há séculos seríamos vencedores. Mas essa sorte não vem sempre, só “de dia“; mas todo dia é a mesma noite na vida da gente preta e pobre!
E assim vai a sociedade – girando e girando estamos desde o nascimento, 365 dias por vez. Experimente nascer preto, na comunidade; uma porta após a outra se fecha até você chutá-la… mas, se faz isso, é revoltado(a). Ser preto é luz, mas também é foda! Porém, não vamos parar!
Diz aí:
Quantas vezes você desacelerou os passos e tirou as mãos do bolso quando viu a maldita PM se aproximando? Quantas vezes te seguiram no supermercado? Sabe aquela refeição do dia seguinte? Sabe? Você já se preocupou com ela? Você já foi a pé para algum lugar porque, se não, não sobraria dinheiro para voltar? E as notas do vestibular, por que as de Cotas são sempre bem menores? Então, privilégios não permitem que essas coisas aconteçam na vida de quem os possui! Por outro lado, ser preto e pobre as torna quase como uma regra – ou melhor, uma maldição!
Se privilégios não são escolhidos, nascer condenado(a) também não o é; mas, se privilégios podem ser revistos e repensados, porque olhar para o preto e para o pobre ninguém quer?
Você dividiria algum dos seus privilégios com quem não tem nenhum? Pense!
São discursos demais para ações de menos. Até quando nossa culpa será eleita por nossos privilégios? E até quando a cor da pele, que não se apaga com Paris, não se muda com um Volvo nem se nutre com caviar será um castigo sem crimes? Todo dia é a mesma noite na vida da gente preta e pobre! É uma condenação em que o condenado nunca disse nem fez nada, só nasceu.
E os seus privilégios, meu irmão, você já os esqueceu?
Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos
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NOTA: a imagem do mapa, utilizada na produção da capa dessa publicação foi obtida aqui.