Imagine-se um cão sendo um cão… Conseguiu? Imaginar-se cão é, inevitavelmente, tornar o cão um humano, dotado de pensamentos humanos e sensações sapiens que partem de você para construí-lo… logo, ele será construído humano, e nada mais. O cão é cão, e ainda assim só tem esse nome porque nós o investimos de sentido. Novamente: de sentido humano.
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Um cão não sabe que é um cão, por isso – talvez – não sofra o sofrimento do amanhã, de saber que com o passar das horas passam-se também as coisas, passam-se os desejos, as vontades, os encantos e os desencantos. Talvez ele viva somente o agora.
Talvez, e bem provavelmente talvez, por um cão não saber que é cão também não precise se espelhar em outro cão – pois nenhum sabe que são coisa alguma – se são algo, são apenas o que são. E por nada saberem ser não desejam também deixar de ser. Não se deseja aquilo que não se conhece; e, por silogismo, o que se conhece mal, deseja-se mal. Bom seria, por concordância, se o que julgamos conhecer bem fosse também bem desejado ou rejeitado. Mas não! Sentido só existe porque enquanto humanos sabemos que somos humanos e fingimos nomes para tudo, inclusive para o nada. Somos nossos nomes e a noção criada sobre eles. Somos o nada que pode virar qualquer coisa. Não existíamos, fizemos-nos existir e, em breve, todos e todas deixaremos de ser. O fim de algo vivo sempre vem. E, talvez, saber disso tenha sido o parto do sofrimento do amanhã – o útero em que ele foi gerado, quem sabe, tenha sido a própria consciência humana, fecundada pela imaginação, louca e desesperada que não suporta a dúvida, o silêncio nem o vazio.
Sabe o cão? Se ele soubesse que era cão talvez não fosse tão doce com desconhecidos, tão prestativo com o seu ofensor e tão “amigo” com humanos (estes, verdadeiros animais desanimados). Por outro lado, ele pode também não ser nada disso, já que são todos adjetivos criados por nós – que fingimos saber que somos algo – mesmo não sendo. Saber o fim nos torna o quê? Não sei também. Mas sei que não aceitar o fim, tão certeiro e inevitável quanto é ele, talvez tenha feito de nós a espécie mais angustiada do planeta. Mudamos tudo ao nosso redor só para não nos aceitarmos como somos: crus e cruéis animais; mas nesse disparate somos também modificados por nossas próprias modificações. Mudamos tudo, talvez, porque somos infelizes demais para não sermos nada; e insignificantes o suficiente para sermos felizes.
Cão. Humano. Saber. Noção. Conceitos. Ser. Somos tudo e nada simultaneamente porque, ao contrário do cão, não aceitamos um “não”. Isso, talvez, faça sentido. Mas talvez não faça. Talvez, sim, para nós… jamais para um cão.
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Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos
Escrito em julho de 2019.
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#VocêJáParouParaPensar?
NOTA: a imagem utilizada para compor a capa dessa publicação foi obtida aqui.