Ontem foi dia 05 de outubro do ano da penumbra, chamado também de 2019. Era cedo quando eu, parado a pensar, observava o quintal – a luz do sol mal havia chegado até a torneira. O mormaço que subia e descia já deixava claro que o dia seria quente. Ardido, ardiloso. Viver é isso, ver o sol que consome as forças e ainda assim manter no fronte um quê de ação.

Quando ele passou da torneira, ela estava mexendo na composteira, recolhendo o húmus que adubaria suas plantas. Ela esperou meses até que o húmus ficasse pronto, enquanto isso, só abastecia as caixas com coisas que, numa primeira vista, não lhe seriam mais úteis – ao menos não na forma em que estavam.

Penso que seja assim também o viver, vamos juntando as coisas cujas aparências são indefinidas quanto ao uso, colocando-as numa caixa chamada cabeça e as deixamos lá até que as minhocas do nosso pensamento vão dia a dia digerindo e convertendo produtos X em produtos Y – acontecimentos e aprendizados, em ideias e questionamentos. Algumas pessoas têm nojo desse produto, outras – mais experientes e sabidas – utilizam o que foi produzido e adubam suas plantas, suas ideias e ainda distribuem para que outros indivíduos façam o mesmo em seus terrenos. Tal qual nas composteiras, o que seria de nossas mentes sem as minhocas que temos cá dentro?

Será que ela se lembra de quando ela tentava expulsar as minhocas da sua cabeça? Achava que elas a incomodava, que reviravam suas concepções de mundo tais como foram em sua mente depositadas? Seria o caso dela ter mesmo acreditado que, por achar que as minhocas não existiam, de fato deixariam de existir em seu pensamento? Hoje talvez ela não pense assim, acredito. Hoje, talvez, ela acredite que as minhocas nunca a abandonaram… e eu aposto nessa ideia.

Todes temos minhocas nas cabeças… mas nem todes as veem com bons olhos. Penso, inclusive, que os bicadores de solo, aqueles mesmos que não gostam de ver minhocas nas cabeças alheias, e que pregam o dogmatismo, a retidão e a frenética subserviência trabalhem dia após dia para que ninguém produza húmus – mais lhe vale os fertilizantes sintéticos, os ilusórios. Como fazem isso? Oras, ensinando seus adeptos o maldito hábito de [primeiro] não oxigenar a mente, de não alimentar as minhocas e [segundo] agem veementemente na tentativa do extermínio completo das minhocas. Como não é da alçada deles eliminá-las de fato, procura-se convencer o rebando eleito de que não existe minhoca alguma que deva ser alimentada. Todo aquele produto que seria destinado às composteiras mentais são logo tipificados como lixo, e são deixados no saco e destinados a um aterro sanitário. Aterros como esse estão cheios, abarrotados, derramando pelas bordas produtos que poderiam ser reaproveitados e transformados não em morte, mas em vida; não em lixo, mas em adubo.

De tantos aterros estamos aterrados. São tantos, e de tantos tipos, que fica até difícil não vê-los; é praticamente impossível não sentir o cheiro que deles emana e que sufocam as mentes. Igrejas, programas populares de televisão, redes sociais, alguns almoços em família e muitas coisas que acontecem no âmbito da política… São aterros abarrotados de ratos e baratas; os urubus sobrevoam em busca de carniça, as moscas rondam todos os cantos no frenesi do “crescei e multiplicai-vos”. Mas, então… Aonde estão as minhocas? Nas cabeças vazias de matéria. O que fazem as minhocas? Continuam se mexendo, se revirando, incomodando mesmo as mentes que experimentam o ópio do povo, que se alienam num gozo intermitente que lhes impede de realizar o realizável, mas que antes seguem a praticidade de descartar tudo que poderia ser posto na composteira. “Dá muito trabalho!”, dizem. “Muito trabalhoso!”

Tamanha é a reverberação interna quando não se assume enquanto um ser pensante que, sob efeito dos opioides sociais e dos alucinógenos diários tem-se a forte sensação de que a mente é quem nos engana. “A mente mente, a gente sente, só não entende”. Alguns humanoides acreditam, quiçá por efeitos anestésicos do pensamento, que é possível desligar a mente, afastá-la do corpo, emprestá-la ao nada e controlar-se livremente…[???]. Será que é por isso que “emprestam” suas mentes a outras experiências e seria pois por isso que pensam de outra forma? Sei lá… Onde estão as minhocas dessas mentes? Ou, aonde estão essas mentes?

Enfim, composteiras são espaços de reciclagem de produtos; são recipientes que funcionam como um microcosmos, um lugar dotado de vida e de vivacidade. Sua façanha está em fazer daquilo que não nos é aproveitado de um jeito ser aproveitado de outro. As minhocas trabalham ali, fomentam o projeto com suas habilidades de transformação, ciclagem, conversão. Naquele dia estava um calor terrível, um sol escaldante; mas ela estava lá, mexendo na composteira, areando os orgânicos, retirando o adubo produzido. Tem sim o seu preço, porém, pior seria jogar a vida nos aterros… Fazemos isso sem nos dar conta… Mas certo é que podemos alimentar nossas composteiras…. Quem nunca teve minhocas na cabeça só pode ser porque acreditou não tê-las. Mesmo assim, não custa perguntar como estão as minhocas de sua mente? Aonde estão as minhocas da sua cabeça? Como? Aonde? …

 

vjppp

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos
Escrito dia 06 de outubro de 2019.

 

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NOTA: as imagens do húmus e da minhoca, utilizadas para compor a capa dessa publicação foi obtidas aqui e aqui, respectivamente.