{Para: ella}

[…]

* * *

* * *

<<Querida,>> – disse elle:

* * *

* * *

Naquele dia, ao jardim, elle a viu sendo uma pessoa qual realmente merecia ser,
“dona” de si, cuidadora de si, pensadora de si;
naqueles momentos que elle ficava parado à porta da cozinha, com aquela caneca de vidro transparente – preenchida até a metade com café -,
recostava-se no umbral e pensava…
sim! elle ia longe…
Em que elle pensava?
Em quem elle pensava?…
em tantas coisas, em tantas pessoas;
mas provavelmente na vida;
certamente nella;
<<eu pensava em você; num depois impossível, mas num agora finito…>>

Plantaram juntos seus carvalhos lá num recente maio do século 21…
era 28 quando ella disse o sim pela primeira vez – nem ao menos o conhecia pessoalmente;
desde então, começaram uma aventura de duas gentes grosseiras, com cascas que penetrar custava qualquer sinal de bom senso;
verdadeiros blocos maciços e mal-talhados.

Perto do que são hoje – ou, melhor dizendo, do que ella é -, eram verdadeiros blocos indefinidos, sem uma forma muito interessante, porém passível a sê-lo.
Mas que nem por isso deixavam de se gostar e de se sentirem um no outro.

Naquele dia, ao jardim, elle lhe disse que seria a última vez que a ajudaria no cuidado das plantas,
falou, ainda, <<que o motivo era porque desejaria ver-te cuidando do jardim com um sentimento que emanasse do seu peito, que você se movesse por sua força própria>>;
e nisso estava certo, era mesmo verdade…
<<mas ao mesmo tempo eu mentia; menti dolorosamente em silêncio para você e também por você>>;
seria a última vez não porque elle não queria ajudá-lla, mas porque não sabia ou não queria dizer se estaria ali novamente… elle sabia, ao contrário, que maior era a chance de não estar.

<<Sabe, a minha árvore cresceu, e eu desejei a poda no verão passado, o jardim no qual fui plantado não me agradou, não gostava de muitas coisas ali>>;
elle, como alguém que se constrói e se construiu, a si mesmo desconstruía na construção do seu fugaz, voraz e calmo pensamento.
elle não queria mentir; mesmo tendo feito isso por vontade própria, elle só não queria mentir para ella que é tão… […] … que não… mereceria.

* * *

<<Como é belo ver que você cresceu e floresceu!>>
Que não precisa de ninguém ao seu lado para se tornar mulher, pois o é por si…
Ver que ella se virava sozinha, se mantinha sozinha e que existia belamente sozinha era para elle como uma paz em forma de vida em sua morte que, sabe-se lá, tivera ou terá forma de paz;

* * *

Mozart tocava enquanto comiam – várias e várias vezes era o concerto Nº21 para piano, primeiro movimento; aquele mesmo estampado nas duas canecas; faltou o concerto Nº01, para violino de Paganini – acabou por não o imprimir na caneca (elle dissera que tentaria fazê-llo nesses fins, <<se eu não conseguir, fica o doce som dessa música que seria capaz de mexer até os meus ossos, de tão potente>>). Mas para lá de Mozart e Paganini, lembra-se também della dançando ‘How do you sleep’ – <<uma graça!>>

* * *

elle até começou a dizer que queria ‘sair’ desse admirável mundo novo;
elle até quis compartilhar o seu preparo com ella,
mas, mesmo lhe sondando em forma de brincadeira, percebia que ella sofria;
a cada dizer poético, e talvez patético e antiético, “descompromissado”, os olhos della brilhavam e enchiam-se de lágrimas, como agora talvez o faça…
<<eu sentia que você sofria só em pensar – ainda que fosse um dizer sem confirmações, mas que gerava um de pensar cem conclusões.>>

Foi, então, que… elle parou.
Parou de supor – desfez as ideias em suas conversas,
parou de lançar as fagulhas ao ar;
não queria vê-lla sofrer, não queria vê-lla magoada.
<<Por isso, parei.>>

Prometeu-lhe que nunca mais falaria disso.
Pois foi o que ella lhe pediu.
Disse-lhe, inclusive, que se fosse para falar sobre o sentimento de morte, que tudo bem, elle ‘até’ poderia;
mas que não ficasse falando de morrer em todas as conversas;
<<que bom que você não sabe o que é isso…>>
que bom que ella não precisava ficar pensando na vida enquanto morte nem na morte enquanto vida. Dizem mesmo que é mais fácil, porém <<não me lembro mais o que é esse estado…>>

Era evidente que ella – mas não apenas ella – desejava ouvir aquilo que lhe fosse compreensível, aceitável, palatável;
elle sempre lhe dizia isto, e aqui finda sua repetição:
ninguém se importa unicamente com ninguém;
falta o preparo geral…
<<as pessoas não estão preparadas para ouvir umas às outras;
querem que eu fale de mim, mas não do meu jeito;
querem que eu me expresse, mas da maneira que consideram aceitável;
no fim, querem tudo, menos o que de fato sou.>>
E isso não era um lamento, mas outra constatação entre tantas que a vida explicitava-lhe.
Como não perceber esse escândalo?
Que surdez seria capaz de não o ouvir?

<<Quiçá, o jeito seja deixar de se mostrar;
ser sozinho;
não esperar tanto:
se expor o mínimo possível.
Ou seria melhor o exato oposto?>>

ella deve ter percebido também que elle parou de querer,
parou de dizer, parou de sonhar, de contar, sentir, olhar, planejar… parou;
elle até dizia com frequência que <<“só vai!”>>
e de tanto ir, deixou que fosse o que nella causasse sofrimento:
<<o meu ser-autêntico, o meu querer-interno, o meu não-estar-presente.>>

Mesmo assim, elle conversava em silêncio com ella.
Várias vezes, enquanto ella dormia, elle a observava
e travava diálogo-monólogos sobre suas vidas,
elle tinha de lhe falar aquelas coisas das quais ella jamais poderia escutar;
ella precisava ouvir tanta coisa,
mas na impossibilidade de dizer para ella
<<eu as dizia olhando seu rosto dormente – o único que não me pedia para parar.>>

Não existia ninguém nesse mundo para quem elle pudesse dizer tudo, absolutamente tudo.
<<Absolutamente ninguém!>>
E não há nisso nem culpados nem culpas; é porque éFoi porque foi.
<<Ninguém se prepara na vida para ouvir um ‘tchau’ e não dizer nada, e nem chorar;
o ser humano é um bloco de pedra que chora, chora por sua cru e obsoleta fragilidade,
chora porque é bicho, mas o faz principalmente por rejeitar esse título tão pertinente.>>

elle não chora mais.
Não mais!
Cria ter sido o bastante os regatos que lhes desciam quentes quando imaginava o fechar das portas, o apagar das luzes, irromper o sopro na vela,
a pestana que se baixava em ultimato de vida só dizia ‘tchau’.
Mas ninguém sabe ouvir isso e não desejar a outrem exatamente aquilo que desejaria a si mesmo.

Alguém talvez soubesse que elle se iria, que elle sairia;
mas como toda pessoa, fingia ser uma brincadeira,
deduzia ser besteira,
acreditava não acreditando,
percebia não percebendo,
“deve ser só poesia, ou poema com filosofia”.
E de fato o era. Mas <<as palavras tem poder!>>
O poder do engano que nunca mente.

Não existiu ninguém a quem elle pudesse dizer tudo.
O lado bom disso é que tudo que elle tinha para dizer não era nada de importante para as pessoas;
e não sendo importante ninguém lhe assaltaria o direito de dizê-lo.
As pessoas querem glória, honra, brio, satisfação, realização;
e, de longe, elle não tinha nem fazia questão de ser e de dar isso.
<<E é por essa e por outras razões que ninguém ouve, ninguém olha, ninguém sente e ninguém toca;>>
E é por essa razão e por mais outros motivos que elle nunca disse tudo; que elle só disse nada.
<<Nada a declarar!>>

E dizê-lo para ella era sinônimo de fazê-lla sofrer uma dor da qual não precisava…
isso elle não desejava, embora se o fez por fim foi por uma só vez;
e, quem sabe, pela última.
Ah, ao menos isso pôde prometer…
<<O que você deve saber é que, se sofrer agora, será só agora.
Com o tempo, eu irei me transformando em ‘você’, perdendo o meu sentido e ganhando o seu; a voz, o tom e o cheiro serão suas escolhas sobre mim;
inevitavelmente irei me perdendo, me reconstruindo,
serei ressignificado, disso não há dúvidas;>>
memórias são tudo, inclusive o que você quiser que elas sejam.
elle foi e continua se transformando – seguirá ‘dizendo’ o que ella quiser ouvir.
<<Serei você…>>

* * *

Ella, e não apenas ella, dizia que elle era manipulador em alguns momentos.
Tudo bem! Se mais de uma pessoa dizia sobre elle, quem sabe elas tivessem razão,
ou que, na melhor das hipóteses, não estivessem de todo erradas.
elle só não entendia uma coisa:
todo mundo sempre disse que viver é a melhor coisa, que estar vivo é o que tem de ser feito;
diziam sempre que era preciso acreditar que um dia as coisas poderiam dar certo;
mentiam dizendo que havia um sentido para a vida;
ou que no mínimo este deveria ser inventado.
Se todos diziam tais coisas, estas também deveriam ser verdade?
<<Prove para você que isso é verdade!>>
E, se elle era mesmo manipulador, como não conseguiu manipular a si mesmo
e acreditar que estar é melhor que o seu contrário?
Foi elle um manipulador pero no mucho?
[…]
<<Eu nunca manipulei as pessoas,
elas que foram criaturas suficientemente incapazes, ingênuas e infelizes que não sabiam [e que provavelmente ainda não sabem] nem fazer escolhas, mesmo aquelas pequenas e simples.>>
Dizia que <<essas são pessoas que se entregam à primeira proposta que lhe fazem e que, quando se descobrem insatisfeitas, julgam mais fácil culpar alguém de manipulador que reconhecer sua própria ignorância e incapacidade.
São pessoas insensatas, inseguras e preguiçosas.>>
No mínimo preguiçosas…

* * *

Sentir que elle não era necessário em sua vida,
embora fosse (segundo ella) agradável, era uma coisa sublime.
Mais sublime ainda era elle saber que não tinha nada que ver nisso,
ao contrário das idiotices ditas por aí, elle não a modificou em nada,
não a fez, não a transformou.

ella foi o seu próprio casulo, sua própria borboleta,
sua transformação, sua metamorfose – ella foi a sua impermanência própria.
<<Sim, você cresceu e hoje brilha!>>
E o melhor de tudo, o mais perfeito, talvez, seja constatar que ella continuará a ser, caso o possa.

<<Vá!
Voe! Seja cada mais mais “””livre””” nesse mundo desprovido de liberdade!
Seja “””feliz””” nessa terra “a-feliz”,
seja o que for, seja eventualmente você!>>

<<Fale dormindo,
derrube os copos,
machuque as mãos;
seja uma filha, uma irmã, uma mulher de si em si;
seja essa leitora radiante, essa cozinheira esperta;
Ah! sim, seja essa amiga! Quem te tem por perto tem um tesouro sem par!
Quem pode te ouvir pode ouvir o som da beleza, da sabedoria, do mar e da noite.
Mas você não é instrumento de ninguém, para ninguém, você “é sua”.
Você é poesia!>>

* * *

<<O mundo é romântico, mas ele mente!
A vida é um desastre natural posto a desafio dia após dia;
um vulcão que ameça acordar, mas que nos engana noite após noite;
a existência é um sopro,
existimos entre dois intervalos,
a paz é mercado,
o amor é data;
a amizade é consignada,
a família… geralmente uma roubada, um espetáculo de sangue.

Não existe justiça na história,
não existe liberdade,
amor é ilusão,
certezas são temporárias quando certas, e fixas quando erradas,
tudo envolve interesses,
todo mundo mente,
ninguém ouve ninguém – raramente a si,
não há um propósito nisso tudo.
Por outro lado, há aquilo que quiser a alucinação da vez.

No mundo tem ladrões, víboras e seguidores de deuses,
todos saídos do mesmo buraco com cheiro de sepulcro,
Nas redondezas tem abutres,
nos telhados, gatos enfurecidos;
debaixo da cama, mistérios.

Mas nada disso te é novidade, nunca te apresentaram o contrário com exatidão.
Caso façam isso agora, você tem esse potencial de perceber;
você tem a astúcia de sentir o que és, onde estás e o que te faz vibrar.

Desculpe-me as palavras frias,
mas que sou eu se não esse que conhecestes tão bem?
Quem sou eu se não esse que nunca conhecestes de verdade?>>
elle foi um estado, uma metáfora, uma ideia.

* * *

Se esperou mais tempo,
se adiou o 7 do julho de 2014, foi quiçá por alguém,
quiçá para estar ao lado de alguém, ver-lhe, ouvir-lhe, sentir…-lhe.
Mas elle não tinha bem certeza de se era por isso.
Na verdade, achava mesmo que não.
<<Acho que não mesmo!>>
Também não cabe exortar sobre isso aqui.
Nem em canto algum.

* * *

Jamais imaginou que veria tantas boas transformações nelles;
a única constante na vida é a mudança!“,
<<hoje você é outra pessoa; hoje você é uma pessoa!>>
Mesmo assim, elle não poderia ir contra o que realmente [elle] pensava,
e pensava que não queria mais ficar,
e, saiba, <<devemos valorizar a nós mesmos mais que aos outros>>.
elle a valorizou, tanto quanto pôde;
<<e foi ótimo,>>
mas elle se valorizou também!
Se o entende: <<“eu me amei”,
e amar é deixar ir.>>

*  *  *

<<Um “beijo” bem forte em você.>>
Uma coisa ella sabe, ou deveria saber:
Vida que segue!

Ninguém sabe aonde elle está hoje!
Tampouco sabem se elle sequer existiu,
ou se foi inventado!

Todavia, seja o que for, e caso suas palavras ainda sejam lidas, elle diz para ella:
<<No silêncio da mente, no escuro do sol e no calor que gela a espinha:
apenas escreva!>>

* * *

[…]
mas não se engane [muito]:
elle é você!
ella, uma de suas histórias!

* * *

Andreone Teles Medrado
Escrito em outubro de 2019.
Devaneios Filosóficos

 

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