#16 – estar no corpo. Antes de qualquer devaneio que o sujeito humano possa ser capaz de desenvolver; antes mesmo de se saber gente; antecedente a qualquer suspeita do que é estar ou não-estar, ser ou não-ser; o corpo já estava lá, e, antes desse corpo, a sociedade; mas, antes da sociedade, outros corpos… De fato, essa lógica não se pretende linear – ilusão seria crer nessa possibilidade retilínea; antes, dir-se-ia circular: mesmo assim, num movimento cíclico, porém caótico: patético. Se vale racionalizar algo nisso tudo, talvez seja útil pensar no fato de que é apenas inevitável o estar no corpo sem que ele esteja simultaneamente em algum outro lugar; nesse caso, não sendo [de fato] possível fugir de si ou do todo, uma sugestão plausível porém complexa é passar a gostar do que “se é”, ou do que “se tem” em consonância com o “onde se está”. E geralmente aqui surge outra tendência ilusória: sopor que “querer-se”, “aceitar-se” ou “ter-se” são de algum modo ações isoladas, desprendidas, livres ou, pior, que se fazem somente dentro da mente, portanto dentro do próprio corpo e somente nele. A questão – e que isso talvez tenha passado por algumas mentes perturbadas – vem quando se percebe a imersão desse corpo num meio social e a diluição desse meio social nesse corpo: valendo adiantar: a separação é impossível: um está para o outro como o peixe está para a água e a água para o peixe, ou como ao ar está para a ave e a ave para o ar: o convívio é tão natural e constante, ininterrupto em sua totalidade, que se torna por isso inconsciente na maioria das vezes: não se percebe quem molha ou quem é molhado, quem sustenta o voo ou quem é sustentado, tampouco sabe-se ao certo quem é corpo na sociedade ou que é a sociedade no corpo: quase que como se fossem uma só coisa. Repetir? Por que não?: estar no corpo é estar na sociedade, uma vez que esta é composta por corpos, porém transcende o mero amontoado orgânico, excedendo a somatória. Quem se percebe em separação, autonomamente isolável ou temporalmente distante, provavelmente – e muito provavelmente – vive um delírio. Todos os corpos estão em contato direto ou indireto, real ou abstrato, inato ou socialmente construído. Rejeitar a influência do meio social sobre si é como escolher não respirar: dura pouco e não é controlável pelo indivíduo. Aceitar-se é aceitar também o social, ainda que seja selecionando partes específicas desse torpe conjunto: sim, outra vez: estar no corpo é estar na sociedade, estar na sociedade é estar entre corpos. O que cada pessoa sente que faz de si está intimamente ligado ao que tal pessoa sente que vê do conjunto social – e, às vezes, faz bem escolher criticamente ao que dar mais atenção nessa vida que é inevitavelmente passageira. A história da humanidade se dá sobre os corpos. Qualquer ação humana incide, mais cedo ou mais tarde, muito violentamente ou não, sobre os corpos; o controle, a dor, o prazer, o progresso, as guerras, a riqueza, o bem e o mal; tudo volta para o corpo, e dele nada escapa. De semelhante maneira, tudo está no aglomerado humano, no social e sociável, no contextual, na imaginação – mas sempre no corpo; ou você aceita isso e entende o esquema posto desde sempre, ou necessariamente precisará criar algum fantasma dentro de si que seja capaz de, então, se retirar temporariamente do seu corpo e se conectar em uma dimensão que embora você creia certa, possa, talvez a contragosto da freguesia, se revelar mais cedo ou mais tarde como um outro jeito de estar no corpo; mas num corpo fantasiado. Isso não supõe também um determinismo… longe disso… Ainda assim, permanece-se numa sociedade, ainda que essa seja fortemente negada. Talvez caiba a pergunta: em que corpo você está agora?
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Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos
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NOTA: a foto usada para compor a imagem da capa é de autoria da fotógrafa Pamela Facco. O recorte abaixo é de uma matéria do site FHOX, que te possibilitará saber mais sobre a artista:
A fotógrafa Pamela Facco criou o projetoPoesia com Elos. A série foi bloqueada e depois deletada do Instagram. Pois na semana passada ela teve ganho de causa contra rede social. Uma decisão inédita e que abre precedente para ações similares com essa jurisprudência. A rede social não só teve que devolver a conta para Pamela como também está proibida de bloquear ou deletar novas fotos da fotógrafa. Leia o relato completo de Pamela no site. Visite o perfil da autora no instagram.