A gente finge e diz que não,
a gente reluta saber e assim rotula a alma,
crê na fantasia alada,
mas a gente se apega;
a gente se apega de um modo que a única maneira de sentir-se sem o apego é criando a fantasia da livre autonomia;
e, por se apegar demais, a gente mente e começa a ver de menos…

A gente se apega ao toque, ao cheiro, ao beijo, ao jeito.
Dia após dia seus significados se entrelaçam com os acontecimentos,
noite após noite o sentir ganhar uma necessidade,
a constância fortalece a ideia de confiança do que se sente;
somos como objetos seduzidos pelo apego de estar ali;
quando do beijo o seu toque, é o cheiro do jeito que nos seduz…

A gente se apega à ideia de permanência.
pensamos que estaremos mesmo, assim, em equilíbrio o tempo todo,
lado a lado,
face a face,
sinceridade a sinceridade;
cremos ser seguro estar como estamos,
seguimos ali, louvando a permanência num mundo impermanente,
frio, seco e que só vai

A gente se acostuma ao sentimento de proteção.
Pensamos mesmo que alguém vai nos proteger em detrimento de sanar suas próprias angústias?
Alguma pessoa é capaz de, num lapso enlouquecido, pensar em algo desse tipo?
Sim! A gente pensa nisso quando se apega;
mas a gente esquece que, na melhor das hipóteses, somos nós que precisamos nos proteger… sobretudo de nó mesmos, do nosso apego que nos pega;
num mundo bonito, pessoas olham para dentro de outras pessoas,
numa idealização romântica o ser humano pode escolher entre apunhalar e tentar ajudar a sarar uma ferida;
mas apegando-se a uma ideia a gente esquece o que o tempo construiu…
a gente não quer pensar em coisas que abalariam o nosso prazer;
por isso abafamos a memória, criamos novos nomes e novos significados,
dizemos ser livres para voar, mas voamos de um galho para o outro na mesma gaiola de vidro;

A gente se apega ao desejo de ser gente.
queremos poder… poder pensar, fazer, criar, escolher;
lutamos para estampar uma etiqueta de “eu quis, eu fiz”;
carimbamos com lealdade a ideia de que temos maturidade;
a gente crê não estar apegado à carência de ter nomes;
mas nós, o que somos se não nomes ressignificados?
O que continua daí é o que fazemos com o que foi feito de nós;
e geralmente seguimos nos apegando…

Agente se apega ao ontem, ao hoje, ao amanhã;
se apega à rotina, aos movimentos automáticos, aos comandos incorporados;
se apega ao dia que começa e que termina no mesmo lugar,
aos abraços pela noite,
ao café no mesmo horário,
ao cheiro da comida,
ao ritual musical, ao tom, aos planos, aos mitos;
por vezes a gente se apega à uma vida dentro do mesmo aquário, sempre…

A gente se apega a tudo o tempo todo;
a gente se apega, inclusive ao tempo e ao seu desenrolar,
mas a gente esquece que o amanhã é incerto,
e que com ele nosso apego pode ser arrancado num só ato…
um ato lento ou rápido, úmido ou seco, quente ou frio,
mas se desfaz, num ato…

A gente se apega às coisas como uma fita adesiva se prega à parede na tentativa falida de conter a rachadura;
nos apegamos à esperança de que um dia as coisas mudem,
mas quando elas mudam nos assustamos e trememos;
talvez porque nos apegamos demais a ideia de que mudar é sempre dar certo;
até que nos apegamos ao medo de se apegar…

A gente não deveria, mas se apega demais às incertezas,
e, se apegando, a gente se apaga.

* * *

vjppp

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

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NOTA: a imagem utilizada para compor a capa dessa publicação foi obtida aqui.