PREFÁCIO
De uma maneira totalmente expositiva-livre, mas a qual considero que tenha lá sua forma de ajudar as pessoas que me leem, publico este texto e deixo-o disponível para que dele saia alguma reflexão. Já adiantando o tema: ele fala de depressão, de um sentimento que realmente rebaixa os ânimos e o desejo pela vida, o qual eu senti numa fase muito específica da minha vida. Cheguei mesmo a pensar que nunca publicaria este texto; entretanto, recentemente, uma pessoa usou alguns de meus textos já publicados (muito mais sutis e poéticos que esse que agora vos mostro) para dizer a terceiros que eu sou um doente e assim justificar seus posicionamentos e suas escolhas na vida. Tudo bem, essa pessoa fez uso de seu direito de interpretação livre, embora antiética. Ainda, saliento que meus textos servem até disso: que vocês os leiam e deles extraiam aquilo que vos parecer interessante. Digo, também, que o texto O erro do “Viva cada dia como se fosse o último” está aqui literalmente como o escrevi à época, sem edições.
Além disso, e de modo muito mais importante a ser destacado, quero explicitar que este texto aborda meus sentimentos mais profundos e sinceros de como eu estive psicologicamente no ano de 2019, numa das fases mais difíceis da minha vida. Passei por esse momento com exercícios que me foram úteis, como a “escritoterapia” – algo que eu desenvolvi de mim para mim, mas que não considero que aqui eu deva colocá-la em detalhes (por enquanto). Todavia, se preferirem, podem me procurar na guia “contato”, que explico a minha maneira de lidar com essa fase tão séria que algumas pessoas enfrentam – relembrando sempre que jamais a minha visão de mundo tem o objetivo de substituir ou invalidar qualquer recomendação feita por um/a profissional de psicologia, psicanálise e/ou psiquiatria; lembrando que ainda não sou um psicólogo formado. Só quero dizer que é possível atravessar esse período crítico chamado depressão, e estou aqui para dialogar sobre isso; pois “ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”… todavia, sentir-se triste e desanimado não deve ser considerado o motivo de sentir uma pessoa horrível. E quem aponta o dedo para condenar o próximo por este estar triste, certamente que fala mais de si e de sua tristeza que do próprio apontado. Para que saibam ,existem outros textos que nunca publiquei, mas que, com esta publicação, abro o caminho para que eles apareçam.
Para quem me julgou deprimido somente pelos poemas e contos que publiquei antes deste, digo que não sabem de nada e que não fazem a menor ideia do que passei na minha vida. E, obviamente, não há culpa nem culpados nisso. É só uma afirmação minha. Seja como for, desejo honestamente que você possa ler atentamente esse texto e, acima de tudo, possa dar mais atenção a quem você é.
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O erro do “Viva cada dia como se fosse o último”
Eram quase às 21:45 do dia doze de novembro de 2019 quando aquele sentimento de vazio me atingiu [outra vez]. Foi quase que como sempre; uma quase que completa sensação mista de mal-estar, silêncio e apatia. Curiosamente, nos segundos seguintes, a playlist que eu escutava no YouTube começou a tocar Moonlight, de Beethoven. Foi como se o vazio de dentro fosse tornado mais cheio de outros vazios, mas, naquele instante, com som. O mix envolvia, então, apatia, vazio e música. A soma era uma indiferença pela vida e desinteresse pelo existir.
Já faz algum tempo que não quero mais estar aqui. O viver está ambíguo e paradoxal. Cada vez que acordo, a cada dia que me levanto da cama, vejo uma imensidão de vida pulsando por toda parte – e isso é fantástico. [Não me lembro de uma só vez em que não quis levantar da cama; não me falta energia de ser e de estar… é outra coisa.] São tantas oportunidades que se abrem a cada instante; tanto acaso que se revela surpreendente; tantas formas novas de interação entre seres e seres e entre seres e coisas que se apresentam dia após dia; tantas coisas novas para experimentar, que ainda que me fosse multiplicado por dez o que possivelmente eu pudesse viver, ainda assim eu não conseguiria provar nem a metade delas. Minha lista de livros cresce vertiginosamente; meu desejo pelo conhecimento não cabe dentro de mim, extravasa antes mesmo de eu tentar controlá-lo – quando percebo, já estou falando sobre a humanidade, as pessoas, os comportamentos e as ideias. Mas tal qual tudo isso, as angústias chegam uma atrás da outra. Cada uma alimentando um novo desejo pungente e um novo plano que antes não passava pela minha cabeça – deve ser um desejo de viver. Não sei. Planos de fazer coisas boas, coisas grandes, coisas belas. São tantos desejos e tantas imaginações que se me fosse dado realizar uma a uma, um a um, a eternidade talvez fizesse sentido a contrassenso. Ainda assim, “não sei” o que me incomoda tanto; “não sei” o que me fura o vaso do querer fazer e que me esgota toda a ânsia por ser e estar – vaza-me o licor da existência; e, para ser honesto, nem assim me importo de verdade… o incômodo inicial, a inquietação e todo o vulcanismo de desejos convertem-se em indiferença. E é uma indiferença que não difere sequer do meu estado de ânimo momentâneo. A única coisa nisso tudo que me parece mais clara, para não dizer óbvia, é que eu não quero mais estar aqui. E já faz algum tempo.
A irracionalidade que me faz não querer é tão racional quanto se possa supor qualquer outra racionalidade humana. Tenho essa sensação e esse não-desejo tão estranhamente organizado em minha mente que não o externalizo mais: em primeiro lugar, porque sei que as pessoas seriam incapazes de entendê-lo e, em segundo, porque suspeito quase que convictamente de que elas não terão ou tempo ou interesse se saber os porquês dos meus porquês (na realidade, penso mesmo que seja uma combinação dessas duas coisas, quase como uma fusão).
Até hoje não encontrei um ser vivo capaz de entender o que quero dizer quando digo o que realmente acho que quero dizer. Logo, sendo um pouco mais eu, estou falando que explicitei, uma hora ou outra, aqui ou ali, muitas coisas que me causam esse sentimento de querer não estar. Explicitei para mim mesmo e vi que estava sendo explicitamente incoerente. E é justo aí que mora a irracionalidade. Quem não sabe que depois da morte o resto é trote? Eu sei que depois dela não há nada mais que o nada; sei que uma vez não estando, simples e puramente não estarei nem aqui nem em lugar algum. Então, às vezes penso que esse trabalho potencialmente estúpido, narcisista e imbecil de escrever coisas, de deixar algum tipo de esclarecimento, só pode ser um indicativo de que, embora eu não queira mais estar aqui, crio e recrio maneiras de continuar estando. Como isso é incoerente!
Até acontece de por alguns instantes eu olhar para toda a existência que me é dada compreender e pensar que não há mal algum em estar aqui e seguir estando. Até acontece vez ou outra de eu traçar planos longínquos, onde habita a esperança e pelos quais eu viveria dia após dia até que, por uma maneira não minha, eu deixasse de existir. Já houve casos de eu considerar que o não-estar fosse passar e que jamais eu o veria outra vez. Mas isso foi lá em 2014. E ele permaneceu latente, e aparentemente silencioso; mas só por um certo tempo. Não sei o que me deu, não sei o que se passa aqui, mas considerar ficar é algo que raramente me ocorre nos tempos atuais. Hoje mesmo [13/11/2019] eu não quis várias vezes; e neste momento [14/11/2019] ainda não sei se de fato o quero. Quando de forma otimista dizem que se deve “viver cada dia como se fosse o último“, penso que essas pessoas realmente não sabem muito bem o que dizem. Brincam com as palavras sem saber o que elas significam, logo, brincam com a ideia que criam dessas palavras. Eu tenho passado pelo estado de quase viver cada dia como se fosse o último já tem um tempo. Tenho feito isso com certa frequência nos últimos anos, mas nada comparado ao 2019. Viver cada dia como se fosse o último é uma ação irrealizável, a menos que de fato você “deseje” que este seja o último dia.
Repito: não se pode saber, ou sequer supor a ideia de como seria viver um dia como se ele fosse o último a menos que de fato para você esse seja o último dia “desejável” ou possível. Quem consegue projetar-se no tempo, planejar um plano e desejar um desejo; quem tem objetivos que se estendem no futuro e quem sonha, jamais seria capaz de viver cada dia como se fosse o último. Essa não é uma escolha do indivíduo – ao menos não em sua totalidade; ela apenas acontece, e acontece ferozmente. E a verdade é que, sim, eu me sinto cada vez mais próximo de viver um dia como se fosse o último. Não é o mesmo que dizer que eu desejo esse último dia, mas essa é uma condição “instaurada”; talvez eu passe a crer que desejo, e por isso sou desejante. Assim, nesse fluxo de ideias, seria como se eu desejasse um desejo que já foi desejado antes que pensasse em desejá-lo. O que seria, além de razoável, bem óbvio!
Não seria absurdo dizer que quase que vivo essa tal frase. Primeiro, porque, a começar pelos anos, não consigo mais me projetar em anos seguintes… o máximo que me vem à mente é uma imagem fugidia e borrada de um fevereiro em 2020. Ou seja, se antes eu conseguia me imaginar mais velho, atravessando décadas para a frente e me imaginando um indivíduo lá no futuro, hoje não consigo avançar por mais que um ano. Tenho vivido cada ano como se fosse o último. Segundo, porque ultimamente não tenho tido certeza de que o fim do mês chegará. E, nesse caso, “sem dúvidas”, estou “certamente” vivendo cada mês como se fosse o último. Reluto em fazer planos que fiquem para o mês que vem. Se eu puder fazer algo agora – e, é claro, se eu desejar fazê-lo -, eu faço. Se não agora, quando? Não tenho tantas certezas do mês que vez quanto já tive antes. Logo, se eu considerar a sequência temporalmente decrescente de anos, meses, semanas e dias, posso dizer que falta pouco para que eu de fato viva cada dia como se fosse o último. Ao mesmo tempo, não é incoerente dizer que isso já acontece de uma forma ou de outra. Afinal, de que são feitos os anos e os meses senão de dias? Dias que invariavelmente se findam.
Eu estou aqui, mas é realmente como se [às vezes] eu não estivesse. O ontem, eu compreendo; o hoje, eu até percebo. Mas ainda não encontrei nenhum sentido real para o amanhã.
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A vida, às vezes, é surpreendente. Hoje [01/03/2020] deveria ser um não existe mais. No entanto, permanece sendo um hoje. Aquele sentimento de não querer existe, e não tenho certeza se deixou de existir em algum momento de lá para cá. Acontece que não esperava pelo hoje, não o desejava, para ser bem honesto. E “não desejar” jamais deveria ser confundido com o “desejar que não o fosse”, embora essa confusão é a primeira que surge na mente apressada. Apenas não existia um desejo, só isso. Mas, pensando sempre sobre isso, não consigo ainda achar que estar é algo que me inspire a viver. Aqui, nesse mundo as coisas são bem pacatas; e como não há outro mundo ou outra vida – e isso é obvio! -, acabo dizendo que o único lugar que me agrada (ainda) é o meu corpo. E nem é um agrado incrível; é apenas inevitável o estar no corpo, e nesse caso a melhor opção é passar a gostar do que “sou”, ou do que “tenho”. A questão vem quando se percebe a imersão desse corpo no meio social e a diluição do meio social nesse corpo: a separação é impossível: um está para o outro como o peixe está para a água e a água para o peixe: o convívio é tão natural e constante que se torna por isso inconsciente na maioria das vezes: não se percebe que molha ou quem é molhado, quem é corpo na sociedade ou que é sociedade no corpo: quase que como se fossem uma coisa só.
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Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos
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NOTA: a imagem utilizada para compor a capa dessa publicação foi obtida aqui.
Na prática o tempo é atemporal! Quando acordamos com compromisso à noite, mesmo sendo no mesmo dia o compromisso está no “futuro”: não é o momento! E a dificuldade das pessoas é reconhecer que o momento, seja qual for, deve ser vivido! Recentemente nos Estados Unidos um piloto de um monomotor se salvou da queda da aeronave e de ser pego pelo trem, por questão de segundos! Pessoas próximas tiveram esse discernimento de que segundos era o que separava o piloto do momento da morte e foram tira-lo do trilho do trem que vinha ja vindo! Portanto, cada tempo vivido, que seja de fato vivido! Até os pássaros sabem que o pouso deles nos fios, postes e canaletas das sacadas deve ser breve!
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Você falou sobre mim? Porque é exatamente assim que me sinto, sem tirar uma vírgula.
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Caramba, me senti conversando comigo mesmo lendo esse texto. Vc conseguiu sintetizar bem esse sentimento de vazio, essa vontade de chegar logo amanhã, pq talvez amanhã traga alguma esperança. Obrigado.
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