Sabe aquela frase super clichê, de que “nem tudo são flores“? Então, não sei em qual ocasião você a utiliza, caso faça isso, mas eu penso que ainda assim há pessoas que são sempre atraídas pelas flores do jardim – e somente por elas; e elas não são capazes de sentir que a beleza pode estar na planta como um todo, ou nas folhas, no formato, na terra, no conjunto, em si. Não! Para tais pessoas [e será que também para mim?] o importante é a vida estar colorida e florida o tempo todo, sem variação, sem regressão, sem muitas estações; sempre há que ser a Primavera. E sempre vale mais aquela Primavera que desperta também a atenção em quem olha para o nosso jardim como que com cobiça, com desejo, com celebração. Fruto (ou motivo) de uma sociedade espetacularizada (e “espetacularizante” [?]) que produz seres espetacularmente carentes de elogios. Elogios que precisam olhar para si e ver somente flores, pois não aprenderam a significar e ressignificar outras coisas senão aquelas que são consideradas como necessariamente atraentes.

Todavia, e se for esse o seu caso, eu penso que se a sua vida é sempre flores é porque você tem um jardim repleto de flores de plásticos. Pois essas são as únicas que nunca morrem; e, não morrendo, não te trariam a frustração de um jardim sem a suas expectativas frívolas e fugidias, sem aquelas cores que te ensinaram ser o viver e que você acreditou ser você.

Entre outros efeitos, uma vida baseadas em flores de plásticos pode gerar projeções imprecisas. Por vezes, num ato que direciona o olhar para dentro de nós e que o reflete no anteparo de quem se encontra do lado de fora, corremos o risco de projetar tanto um desejo e uma identidade em outra pessoa que somos incapazes de aceitar que essa mesma pessoa possa ser diferente de nossas fantasias. Se preferir que isso seja dito em outras palavras, seria o equivalente a dizer que, quando naturalizamos que nossas flores são de plástico, corremos o risco de supor (e de crer fielmente nessa suposição) que todas as pessoas são também de plásticos. O que isso significa? Pois bem, é como dizer que passamos a enxergar as relações como imutáveis, sempre floridas, sempre disponíveis. Não raramente esperamos que sejam amizades sempre positivas e otimistas; a famosa e almejada “Good vibes”. Uma das consequências desse ato é que não suportamos pessoas de verdade. Pessoas de verdade não são flores de plástico, logo, não são estáveis; elas oscilam, variam de comportamento, nem sempre estão bem; e elas podem, inclusive, morrer. Plastificar as relações é também substituir cada pessoa na media em que ela se mostra diferente de nossas projeções; com isso, substituímos um humano quando este é destoante daquilo que desejávamos que fosse.

Não fazemos ideia [ou fazemos, diga-me você!] do quanto é complexa uma vida pautada em substituições compulsórias daquilo que foge à imagem que projetamos sobre algo ou sobre alguém. Se isso tem consequências para quem projeta, tem também para a pessoa na qual a projeção é feita. Ou seja, não existe a prática da responsabilidade afetiva; até porque nesse contextos nem entendemos que isso é um afeto, mas um jogo de interesses que geralmente é unidirecional. Quantas amizades você desfez porque o pensamento dela era diferente do seu, e só por isso? Quantas vezes alguém foi substituído na sua “lista de objetos humanos” porque essa pessoa deixou de corresponder às suas expectativas mais egocêntricas? Ainda, quantas das suas amizades estão com você podendo ser também quem elas são, e não apenas o que você espera delas? E quanto a você, você já se plastificou?

Reiterando, se enxergar a vida e seus fenômenos como sendo flores de plásticos tem consequências para quem projeta, tem também para a pessoa na qual a projeção é feita. Mas que consequências poderiam haver para quem faz as projeções? Muitas. Talvez a mais evidente é a de que a própria pessoa se sinta como uma flor de plástico, que não precisa ser regada e podada, que não murcha e que também não morre. Isso é trágico! É uma ingenuidade alienante acreditar que somos seres estáticos e imutáveis. Aceitar isso é como prender-se a um estereótipo ao qual somente pessoas imaginárias subsistem. Ainda, se você se crê de plástico, talvez você precise constantemente se reinventar para seguir sendo a mesma coisa, pois você não aceita as oscilações naturais do viver. E, potencialmente, ao fazer isso, você estará morrendo aos poucos. Mas esta parece ser uma morte socialmente aceita.

Por outro lado, quando projetamos em outra pessoa o desejo de que elas sejam flores de plástico estamos, na verdade, projetando sobre elas as nossas angústias mais profundas. Ao fantasiarmos o mundo podemos estar dizendo em silêncio que tememos a mudança, que não suportamos a novidade, que rejeitamos o desconhecido. Esse processo de projeção pode guardar em si muitas informações sobre como cada pessoa lida com seus terrores internos. E, quem sabe, quando não suportamos essas carências angustiantes, nem esses medos delirantes, transformamos tudo ao nosso redor em anteparos para que neles possamos projetar universos ideias, mundos perfeitos e constantes. É como se enviássemos ao anteparo – que é a outra pessoa – a imagem oposta ao que se passa em nós: em vez de medo, a coragem; para a dor, o êxtase; para a depressão, a felicidade plena, e assim por diante. Mesmo que isso seja irreal, ou que dure pouquíssimo tempo, o ser alimenta-se de fantasias. E geralmente isso acontece porque a realidade talvez seja insuportável para muites de nós. Que ela – a realidade – é rejeitada ou transformada em menor ou em maior grau por todo e qualquer membro da espécie Homo sapiens, isso é inegável. A questão é quando isso acontece porque o contrário seria insuportável, sofredor e, até mesmo, impensável.

Quem não suporta a realidade precisa de flores imortais, ideais surreais, sonhos angelicais – deuses no além morte. Novamente, se a sua vida está sempre em flores, as mesmas flores, talvez elas não sejam vida, mas episódios e desejos congelados, ou comprados em lojas de utensílios decorativos chamada “a grande alienação”, é a anestesia do eu. Nesse universo descartável, que supõe prevenir a frustração mascarando o ser frustrado, quiçá nem as flores de plástico sejam suficientes; caso suas flores de plásticos rasguem ou fiquem muito empoeiradas, basta que você compre outras no mercado da ilusão – sendo um forte candidato o mercado da felicidade.

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vjppp

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

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NOTA: a imagem usada para compor a capa desse texto foi obtida aqui.