Não é incomum ver a cobrança de consciência racial quando uma pessoa negra comete falas que reproduzem o racismo marcadamente, ou que, no mais “sutil” dos efeitos, reforçam estereótipos sociais.

O racismo opera em diferentes dimensões, desde a prática – impedindo o acesso físico a certos espaços (racismo em instituições, por exemplo) ou rendendo e encarcerando pessoas em outros (a prisão desproporcional de pessoas negras em relação às demais) – até em dimensões subjetivas, na produção diária do sofrimento que é ter a sua identidade colocada à prova; já que ser uma pessoa racializada é, por definição, ser retirada de um grupo hegemônico e colocada em um grupo classificável – classificação essa que parte do grupo que exerce o poder sobre as dinâmicas sociais.

Nesse movimento de dinâmicas sociais de poder, o racismo hierarquiza e organiza a sociedade, descola corpos sobre o tecido social de acordo com a sua cor e garante, dificulta ou anula o acesso aos meios de sobrevivência. Como forte mecanismo racista está a constante tentativa de reduzir a percepção de que existe racismo no Brasil. Desde o “mito da democracia racial” até as falsas tentativas de inclusão, que não reduzem necessariamente o racismo, tem-se exercitado a atenuação de que o racismo é um sistema cruel.

Quiçá como maneira psicológica de lidar com o sofrimento, pessoas racializadas inconscientemente aderem ao imaginário de que somos pessoas fortes, lutadoras e, num golpe de desatenção, assumem que somos todes iguais. Isso não justifica o fato de pessoas racializadas reproduzirem os ideias simbólicos do racismo, mas certamente que explica parte desse fenômeno complexo.

E quando dizem que essas pessoas racializadas deveriam ter consciência racial, pois sofrem o racismo e “como assim não percebem esse sistema perverso?”, minha resposta é: todas as pessoas deveria se atentar aos perigos do racismo; todes deveríamos nos unir para que essa estrutura fosse demolida. Por outro lado, não deixo de pensar que existe uma diferença crucial quando cobram consciência de raça das pessoas racializadas: a vivência.

Pessoas brancas, quando expostas a episódios de racismo cotidiano demoram a perceber o que está errado. A maioria é resistente a qualquer aceitação de que aquilo é racismo, e ainda relativizam o máximo que podem. Obviamente! Para elas é melhor que o racismo siga velado, para que seus privilégios continuem visivelmente crescente. E isso não precisa ser um ato consciente. Por outro lado, pessoas racializadas, sobretudo pessoas negras, quando se chocam com os efeitos do racismo, e são sinalizadas sobre eles, codificam logo as cenas, pois suas experiências cotidianas lhes oferecem base de percepção, e logo compreendem o engano social em que viveram. Existe a vivência que lê os fatos. E por mais tempo que isso possa levar para acontecer, elas entendem o problema de modo orgânico, e não apenas teórico.

O sistema racial é perverso, e seguirá atuando tanto à luz do dia quanto na penumbra da nossa percepção. É vantajoso para esse sistema que pessoas racializadas não se reconheçam como tais; assim permanecem movimentando a roda do sistema sem que exijam seus direitos e, assim, ameacem a dinâmica vigente.

Se queremos combater o racismo precisamos entendê-lo. E bom seria se não fosse necessário ser uma pessoa racializada para se interessar em aprender (e agir) como lutar e ser antirracista. Antirracismo de Academia e de meios de comunicação já temos, falta antirracismos na prática.

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Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

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NOTA: a imagem de fundo, usada para compor a capa desse texto, foi obtida aqui.