Livro curto, de poucas páginas, mas de muita reflexão! Com uma visão meticulosa de um mundo impossível (utópico), o humanista inglês, Thomas Morus, adentra nos aspectos mais dolosos e ao mesmo tempo cintilantes  de uma civilização corrupta, egoísta e que, diferente da atual, ainda bem, pensava no benefício próprio acima de tudo (e de todos). Em um mundo no qual “imperava” (não impera mais) o poder da fala e os atributos superficiais como qualidade supra de uma pessoa – aquele que possuía a retórica amolada, conseguia partir ao meio qualquer esperança de mudança social.

“[…] o meu adversário preparava a réplica. Ele se dispunha a seguir a pomposa dialética desses polemistas categóricos, que repetem mais do que respondem e que fazem ponto de honra de uma discussão os exercícios de memória.”

“[…] Mas o orgulho, paixão feroz, rainha e mãe de todas as pragas sociais, opõe uma resistência invencível a essa conversão dos povos. O orgulho não mede a felicidade de acordo com o bem-estar pessoal, mas de acordo com a infelicidade alheia. O orgulho recusaria mesmo ser Deus, se não lhe restassem mais infelizes a insultar e a tratar como escravos, se o luxo de sua felicidade não fosse mais exaltado pelas angústias da miséria e pela ostentação de suas riquezas”.

O livro conta a história do personagem Rafael Hitiodeu que, regressando da cidade de Utopia encontra-se com Morus, que estava a trabalho. Ao começar a falar de si, Rafael desperta o interesse em Morus que o convida a contar detalhadamente tudo que ele[Rafael] havia visto e vivido em Utopia. Esta era uma cidade praticamente perfeita, aos olhos de Rafael. Ali  tudo funcionava sem desvios de conduta, as pessoas viviam realmente em harmonia, o Sistema Social era impecável, com regras e protocolos levados a sério por todos. Quase uma República platônica.

O interessante começa quando o leitor torna-se atento aos detalhes contados por Rafael. Pontos narrado em pleno Século XVI remetem a conceitos que num futuro distante serão fatos reais, os quais marcarão a história da humanidade com desgraças e tormentas, mas que aqui são contados como se fosse a coisa mais correta a fazer (só aqui, tá?). Ao longo da narrativa, você perceberá que na fala são vistos traços do que três séculos depois será chamado de Neocolonialismo, ou Imperialismo:

“[…] Mas se os colonos encontram uma nação que repele as leis da Utopia, eles expulsam esta nação da região do país que querem colonizar, e, se preciso, empregam, para tal, a força das armas. Segundo os seus princípios, a guerra mais justa é aquela que se faz a um povo que possui imensos territórios incultos e que os conserva desertos e estéreis, notadamente quando este mesmo povo interdiz a sua posse e o seu uso aos que vêm para cultivá-los e deles se nutrir, conforme a lei imprescritível da natureza.”

Além disso, observa-se uma forte influência da religião, dado que Thomas Morus era cristão:

“A menos que uma revelação descida do céu inspire ao homem qualquer coisa de mais santo, eles creem que a razão humana não pode conceber nada de mais verdadeiro”

[…]

“É pois necessário que as leis forneçam meios infalíveis de não se cair na armadilha, sobretudo na Utopia onde a poligamia é severamente proscrita e onde o casamento não se dissolve, na maioria das vezes, senão pela morte, excetuando-se o caso de adultério e de costumes absolutamente dissolutos. Nos dois casos o senado dá ao cônjuge ofendido o direito de se casar novamente; o outro é condenado a viver perpetuamente na infâmia e no celibato”

Por fim, só posso dizer que li e recomendo essa obra do grande Thomas Morus. O mais interessante não está escrito por palavras propriamente ditas, mas permeia a história: fala-se do ser humano que, desde o século XVI, por exemplo (quando foi escrito o livro), parece pouco alterado em seus anseios, egoísmos e questionamentos:

“Qual o homem que mais deseja uma revolução? Não será aquele cuja existência atual é miserável? Qual o homem que revelará maior audácia em subverter o Estado? Não será aquele que com isso só pode ganhar por nada ter a perder?”

Quanto a dar conselhos, disse Morus:

“[…] é perfeitamente inútil dar conselhos quando se tem a certeza de que serão repelidos, quer na forma, quer no fundo”

Essa leitura certamente será muito construtiva na sua formação intelectual. Ler os clássicos, como sempre recomenda  o professor Leandro Karnal, de fato nos faz entender sobre o passado com mais solidez. Construímos pontes quando ampliamos nossa visão de mundo. Saímos do nosso pequeno espaço, da nossa bolha, e passamos a pensar de forma mais sincera – livrando de nossas mentes os fantasmas do “Eu já sei de tudo!“. Não sabemos de nada! Só achamos que o que sabemos é verdade!

Se o seu propósito é, a partir da leitura, construir um conhecimento mais sólido e com ele ser uma pessoa melhor para o mundo, fazendo a diferença na vida do maior número possível de pessoas, leia atentamente a uma frase presente no livro Utopia:

Aprendei a dizer a verdade com propriedade e a propósito; e, se vossos esforços não puderem servir para efetuar o bem, que sirvam ao menos para diminuir a intensidade do mal; porque tudo só será bom e perfeito, quando os próprios homens forem bons e perfeitos; e até lá, os séculos passarão

Thomas Morus – Utopia 

 

Andreone Medrado
Devaneios Filosóficos

 

#VocêJáParouParaPensar?