Definição I

“[…] ser conservador é preferir o familiar ao desconhecido, preferir o tentado ao não tentado, o fato ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, a felicidade presente à utópica. […] Para além disso, ser conservador não é apenas ser avesso à mudança […] é também a forma de nos adaptarmos às mudanças, algo que foi imposto a todos os homens.”

[OAKESHOTT, Michael, 2014]

Definição II

“Não sendo nem uma religião nem uma ideologia, o conjunto de opiniões designado como conservadorismo não possui nem uma Escritura Sagrada, nem um Das Kapital, como fonte de dogmas. […] Talvez fosse adequado, na maioria das vezes, utilizar a palavra ‘conservador‘ mormente como adjetivo. Não existe um modelo conservador, e o conservadorismo é a negação da ideologia: é um estado de espírito, um tipo de caráter, um modo de ver a ordem civil e social. A posição chamada conservadora se sustenta em um conjunto de sentimentos, e não em um sistema de dogmas ideológicos. […] Para a preservação de uma diversidade saudável em qualquer civilização, devem remanescer ordens e classes, diferenças na condição material e muitos tipos de desigualdade”.

(KIRK. Russel, 2014)

Definição III

conservadorismo ou conservantismo é uma filosofia política e social que defende a manutenção das instituições sociais tradicionais no contexto da cultura e da civilização. Por algumas definições, os conservadores procuraram várias vezes preservar as instituições, incluindo a religião, a monarquia, o governo parlamentar, os direitos de propriedade e a hierarquia social, enfatizando a estabilidade e a continuidade, enquanto os elementos mais extremos chamados reacionários se opõem ao modernismo e buscam um retorno à “maneira como as coisas eram”.

(Wikipedia.com)

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Haja vista as três definições do que é ser conservador, usarei essa palavra no sentido resumido de resistência e aversão à mudança. Sem embargo, isso não altera ou descarta o que foi apresentado acima, apenas resume tais ideias em pouquíssimas palavras, além de situar-te, caro leitor e cara leitora, no significado que dou a esse termo no texto.

Nesse contexto, sinceramente, eu preferia que não fosse necessário falar sobre isso, mas que vivêssemos em uma sociedade mais tolerante e aberta à mudanças – agindo respeitosamente e com mentes expandidas. Claramente que não é bem assim – isso figura mais uma utopia que um projeto de vida. A situação está crítica; e o mais grave nesse cenário é que as pessoas afirmam com todas as letras por onde quer que estejam e onde quer que vivam: “Não sou conservador/a!“, ou “Eu luto pelo respeito a todos!“. Será mesmo que isso é verdade? Se sim, de que abismo surgem tantos adeptos que, custe o que custar, lutam para manter inalterado o status quo?

Observe atentamente o seu comportamento e o das pessoas à sua volta; como são as respectivas reações diante de algo novo e, por vezes, muito diferente do antigo? Refiro-me, obviamente, às reações instantâneas – e  destacarei isso sempre -, pois sabemos quem realmente somos quando agimos involuntariamente, espontaneamente. Quem age medindo suas palavras e adequando-as conforme o momento com medo de deixar escapar o monstrinho que reside dentro de si está, na realidade, fabricando-se à cada situação. Se você é o que é, tudo acontecerá naturalmente. Assim sendo, posso me valer de algumas perguntas? Fique à vontade em respondê-las nos comentários dessa publicação (assim, você colaborará para nos auxiliar a expandir essa temática tão importante para o nosso aprendizado e crescimento humano); entretanto, saiba que já ficarei muito satisfeito se você pensar a respeito delas e respondê-las apenas mentalmente. Seja como for, que o faça com honestidade:

(a) Se você é heterossexual, qual seria a sua reação instantânea ao deparar-se com um casal de homossexuais trocando beijos logo à sua frente? Ou, ainda, qual a sua reação ao saber que os seus vizinhos, que são homossexuais, recentemente adotaram uma criança?

(b) Se você frequenta uma determinada igreja de princípios teológicos cristãos, qual seria a sua reação instantânea ao observar um grupo de umbandistas executando algum ritual em frente a sua casa ou à sua igreja?

(c) Se você é pai ou mãe, qual seria a sua reação instantânea ao ouvir alguém dizer que, por escolha própria, jamais teria um filho?

(d) Se você pertence à classe média alta, ou à classe alta, qual seria a sua reação instantânea ao saber que na universidade qual você está prestando o vestibular serão adotadas Políticas de Ações Afirmativas – como cotas para Pretos, Pardos e Índios, todos de baixa renda -, e que isso significará uma redução de até 50% das vagas inicialmente destinadas para ampla concorrência (ou seja, para pessoas como você)?

(e) Se você é um homem heterossexualtradicional“, qual seria a sua reação instantânea se, ao levar o seu carro para o conserto percebesse que, ao invés de um mecânico, ali estivesse uma mecânica? Ou que, ao contratar o serviço de um pedreiro pela internet para trocar uma janela da sua casa, uma mulher apertasse a sua campainha anunciando-te que veio atender ao seu pedido?

(f) Se você, assim como a maioria dos brasileiros, está habituado(a) a ingerir alimentos de origem animal (carne, leite, ovos e seus derivados), qual seria a sua reação instantânea ao receber em sua casa alguém que te dissesse “eu não como nada de origem animal, ficarei só com o arroz e o feijão“?

[ Considere sinceramente cada uma das perguntas de a à f ]

Se a sua reação [instantânea] – em qualquer que seja a pergunta – seria de aversão, rejeição, preconceito, medo de que algum fato comprometesse à ordem social e/ou religiosa, ou se teve algum sentimento que significasse “Qual a necessidade de fazer isso dessa maneira? As coisas sempre foram ‘assim ou assado’, para que inventar isso agora?“, saiba: você pode ser considerada uma pessoa ConservadoraCuide-se depressa!

Mentimos para nós mesmos quando ignoramos a possibilidade de sermos conservadores. Existimos em um sistema dito democrático, no qual a liberdade de expressão é considerada constitucionalmente. Essa ideia é linda e encantadora, mas seria no mínimo útil se ela existisse para além da teoria. Na prática, o que se observa em quase que todos os casos é exatamente o oposto, confira. Somos censurados quando decidimos falar o que realmente pensamos e sentimos (isso não precisa acontecer diretamente, com um mandato judicial ou uma intervenção militar – tal ato pode ocorrer quando a massa se levanta em oposição imediata a algo ou alguém que decide expressar-se fora dos moldes idealizados pela maioria). Mentimos de forma despudorada o amor ao próximo – a hipocrisia é tamanha que geralmente o próximo é somente aquele que vive bem longe, longe o suficiente para que permaneçamos inertes assentados sobre nossa estupidez, como em relação aos que vivem na Síria e na República do Congo; enquanto nossos conterrâneos padecem sob nossos olhos. Representantes políticos, inclusive os que lideram as pesquisas eleitorais, afirmam que refugiados são a escória do mundo, e que recebê-los (acolhê-los) seria desastroso. Há uma guerra troiana para manter consagrado o status quo

 

Isso seria uma herança histórica?

A idade média é rica em exemplos de caráter conservador. Relembrando da igreja Católica Medieval, constata-se que ela era absolutamente avessa às mudanças que questionassem, ainda que minimamente, os “preceitos de Deus“, uma vez que esses eram “concretos” e que “funcionavam muito bem, obrigado” – muito sangue foi derramado por um sentimento de conservadorismo que via ameaça tanto em quem dizia-se detentor de um conhecimento religioso inovador e de quem se ousasse a descobrir o que havia dentro do corpo humano, quanto de quem dissesse que a Terra não era o centro do universo. Sabemos, também, que na época das grandes navegações o genovês Cristóvão Colombo teve seus pedidos constantemente negados quando desejava organizar uma empresa oceano à fora. Se não fosse a Rainha Isabel I (1451-1504) de Castela, na Espanha, a financiar suas ambições, pensamentos conservadores jamais o teriam feito. Mas seria ignorância admitir que daí advém nossa cultura conservadora. Depois de vários séculos somamos exemplos suficientemente concretos para aprendermos o que acontece quando é adotada essa postura repulsiva em relação ao novo. Nem todos os comportamentos não-conservadores resultaram em coisas agradáveis e benéficas à humanidade, mas isso não reforça uma ideia engendrada na imutabilidade, na qual a mudança é rejeitada apenas por ser uma mudança.

 

Como resolver isso?

Realmente eu não tenho essa resposta. O máximo que posso dizer é que sem mudança de comportamento não sairemos do lugarconservaremos rígida a nossa mediocridade.

Ideias e comportamentos - HomoDeus

 

Recentemente… descobertas desagradáveis

Depois de muitos questionamentos pessoais, muitas observações, reflexões e estudos (eu falo disso com detalhes aqui), decidi que não mais frequentaria uma igreja. Foi uma mudança importante e decisiva na minha vida – há tempos que eu pensava nisso, mas só depois que me vi como indivíduo que tem o direito e a capacidade de pensar por conta própria que decidi assim fazer. A maioria das pessoas que convivem comigo estranharam essa decisão sem esconder suas surpresas; outras, simplesmente não aceitaram (e isso é evidente quando estamos conversando, pois suas falas proselitistas são claras; sem dizer do tom de desgosto e comiseração, sempre muito fortes nessas ocasiões). Isso só porque mudei um aspecto importante da minha vida! Quem sou eu, entre os mais de 7,5 bilhões de Homo sapiens, para que percam seu tempo comigo e para que se importem com a minha escolha pessoal? Uns dizem que não entendem essa minha atitude, porém, sou eu quem não entendo tanta “preocupação”.

Outro ponto importante em minha história, mas que também deu o que falar, foi a adoção de uma nova alimentação. Eu e minha esposa mudamos nossos hábitos alimentares – passamos a não consumir alimentos de origem animal nem seus derivados; tudo por motivos pessoais e filosóficos (você pode saber detalhes sobre isso acessando o post Por que “Verde”? – uma escolha filosófica). Qual foi a reação das pessoas? Algumas demonstraram raiva no exato momento em que falávamos disso (PS: em certo caso convivíamos maravilhosamente bem com a pessoa há pelos menos 6 anos, sem nunca ter existido episódios de raiva… bastou, para isso, anunciarmos uma mudança pessoal); outras, por outro lado, mostraram aquele desconcertante e forçado “Ual!, Que legal! Parabéns pela coragem“, mas na primeira oportunidade disseram (e dizem até hoje) que estamos sendo muito radicais, que a vida não precisa ser desse jeito.

Oras, observe que até uma mudança em nível micro é capaz de gerar desconforto em pessoas conservadoras. Conservadores temem que pequenas mudanças, ainda que em pontos isolados, possam atingir dimensões alarmantes se não controladas – e estou falando de pessoas comuns, desprovidas de poder político-econômico. Imagine, então, o que acontece quando autoridades conservadoras notam mudanças em diversos pontos ao mesmo tempo? Fica evidente que farão de tudo para combater os desordeiros e “restabelecerem a ordem sagrada”. Eu posso me esquecer de algo, mas a História está aí para refrescar sua memória sobre essa ideia.

Somos todos conservadores! O detalhe é que lutamos para negar isso a todo momento, fingimos coisas que “soam bem” porque elas garantem a nossa inclusão no grupo de outros seres que querem “soar bem“, mas veementemente evitamos olhar para dentro de nós mesmo e constatar que precisamos mudar – o que desafina toda a banda; Usando uma metáfora da informática, eu diria que rodar o “desfragmentador de disco no nosso sistema operacional” com certa regularidade não é uma má ideia.

Não falei de mim enquanto conservador, mas já olhei torto quando me apresentaram os cursos superiores EAD (Ensino à Distância); eu não via com bons olhos essa alteração no modelo tão tradicional de ensino. Ademais, já murmurei quando, na época em que eu frequentava a igreja, anunciaram a mudança do hinário musical – só porque o antigo era o mesmo desde que eu me entendia por gente acreditava que deveria ser eterno, pois ele já era conhecido; Perceba o monstrinho que habita entre muitos outros comportamentos que hoje considero estúpidos. O Ensino à distância é, não apenas bom, como necessário – faz parte da dinâmica atual e tem auxiliado na formação de inúmeras pessoas; Mudar coisas que foram sempre as mesmas por muitos anos não é necessariamente ruim, é preciso entender as causas da mudança antes de criticar o que não se conhece.

Hoje sou pouco menos estúpido que fui ontem; espero manter essa crescente taxa dedesestupidização” ao longo da minha vida. Se somos todos conservadores, que nesse caso, eu conserve essa dita taxa. Quem sabe, assim, eu seja um dia neutro, podendo passar gradativamente a pensador e, queira a vida e queira eu, um dia ser próximo do que é considerado como um humano sábio. O tempo não para, mas se eu parar no tempo serei certamente um desastre!

 



REFERÊNCIAS


 

#VocêJáParouParaPensar?

 

Andreone T. Medrado


Devaneios Filosóficos