O que faz um palestrante, um pastor, um cientista ou um charlatão arrastarem multidões de seguidores e fiéis por onde quer que passem? E por que pessoas pouco reconhecidas e/ou sem títulos são pouco ouvidas? #VocêJáParouParaPensar nisso?

Sendo direto ao ponto, esses elementos que arrastam multidões geralmente angariam seguidores por onde passam porque apresentam um amuleto encantado, bastando movê-lo em movimento pendular frente aos seus admiradores que, pronto!, como num passe de mágica “todos” acreditam neles. Refiro-me aos títulos, históricos escolares, componentes curriculares e tudo quanto possa servir para legitimar o discurso e as ideias. Quanto aos poucos reconhecidos, a equação é invertida.

Entre os possuidores de títulos, eu destacaria pelo menos dois grupos importantes: Grupo I) aqueles que são aproveitadores da plateia e utilizam de um currículo falso, porém muito bem montado – como um vaso que é lindo e bem ornamentado por fora, mas furado e sem qualquer conteúdo, servindo apenas de enfeite; e Grupo II) aqueles que realmente tem conteúdo e conhecimento, mas não precisam se esforçar para transmitirem credibilidade em suas palavras, uma vez que sua fama e seus títulos fazem isso gratuitamente.

Sobre o Grupo Iem seu livro chamado A Teoria das Ideias, Platão levanta esse questionamento; mas lá ele denomina sofistas àqueles que vendem verdades, sejam elas reais ou não. Compare algumas frases que o personagem central do diálogo platônico [o Estrangeiro] utiliza para definir um sofista:

“[…] ele era um caçador que sabia cobrar seus serviços para pegar moços ricos”.

“[…] um mercador de conhecimento para a alma.”

“[…] um retalhista desses mesmos conhecimentos […]”

“[…] fabricante de conhecimentos que ele próprio vende […]”

“[…] uma espécie de atleta nos certames da palavra e por demais habilidoso na arte das disputas […]”

“[…] concordamos em atribuir a ele o papel de purificador das opiniões que na alma servem de obstáculos para o conhecimento […]”

“[…] disputador […]”

“[…] ensinava a outras pessoas essa mesma arte (de disputar) […]”

“[…] são tão fortes na arte de se contradizerem, como capazes de transmitir aos outros essa mesma habilidade […]”

“[…] a respeito das leis e dos negócios públicos, comprometem-se a fazer dos outros bons disputadores […]”

“[…] É que, a meu ver, eles dão a impressão de serem assaz instruídos nos assuntos que discutem. […] Logo, o sofista revelou-se um possuidor de um conhecimento aparente sobre todos os assuntos, não do verdadeiro conhecimento […]”

Nesse contexto, vemos que esse tipo de pessoa prospera pelo fato de conseguir garantir a aparente solidez de suas ideias e transmiti-las com segurança e confiança. Pessoas assim estão por quase toda parte, propagando as atualmente chamadas “Fake News“. De toda forma, mesmo que de desonesta ou fraudulenta, sua fama assegura-lhes o que aqui eu chamo de legitimidade do discurso.

No segundo grupo, como eu introduzi anteriormente, não estão necessariamente pessoas desprovidas de conhecimento; pelo contrário, são bem instruídos e com uma formação que realmente lhes confere o fundamento do que é dito. Médicos, Professores de Grandes Universidades e Cientistas, por exemplo, geralmente falam meia dúzia de palavras e as pessoas simplesmente acreditam. Coisas como “desculpe, não posso mais tomar café, o médico proibiu-me isso“, ou “dormir oito horas por dia é necessário para todas as pessoas, ou, ainda, você deve amar quem te ama e afastar-se de pessoas negativas” são tipos de “ordens” acatadas sem a menor resistência, pois foram ditas por pessoas que teoricamente sabem o que estão falando. Não significa que segui-las está errado, apenas quero puxar um assunto.

Mas, diga-me, caro leitor e cara leitora, desconsiderando todo e qualquer absurdo comparativo, se as frases “amai-vos uns aos outros como a ti mesmoebem aventurados os pacificadores, pois eles serão consoladosfossem proferidas por Adolf Hitler, ao invés de Jesus Cristo, você continuaria a segui-las (caso as siga hoje) ou ao menos as consideraria sábias? Faz diferença quem as disse se em sua essência carregam uma verdade Humana?

Da mesma forma, digamos que, hipoteticamente, o Deus bíblico decidisse matar 400 profetas que tentaram adorar outro deus, ou que ordenasse a abertura do chão para que toda uma multidão fosse engolida pela terra, caso construíssem um bezerro de ouro, ou, ainda hipoteticamente, que uma cidade inteira fosse destruída por chamas e, claro, praticamente todos seus habitantes morressem, caso estes fossem contrários à orientação divina. Mesmo assim, você seguiria acreditando que o Deus é símbolo de Amor e de Paz?

Suspeito que, seja qual for a sua inclinação religiosa, no primeiro exemplo [entre Jesus e Hitler], na melhor das hipóteses você diria que seguiria as frases citadas dada a sua essência e aplicabilidade de caráter humanístico. Afinal, cada uma delas faz muito sentido e é pouco provável falharem caso sejam praticadas por nós. Por outro lado, levando em consideração a legitimidade de poder figurada no conceito de Deus, você poderia dizer que Ele sabe muito bem o que faz, e que nós, reles mortais subjugados pelo pecado, não somos capazes de entender seu feitos. Eis aqui, por incrível que pareça, outra possível imagem da legitimidade do discurso.

Ainda falando do Grupo II, não quero que pensem que sou contra uma pessoa possuir títulos e honras e ser prestigiada por isso. Tampouco estou afirmando que seus seguidores são alienados simplesmente por segui-lo. Isso seria fazer uma leitura apressada do que estou tentando dizer; há que ler nas entrelinhas! Na verdade, trago à luz do debate a questão central que é o fato de atualmente as pessoas darem mais importância à forma que ao conteúdo. Valoriza-se mais quem fala que suas palavras; formam-se filas extensas e lentas para assistir a uma palestra mais pelo palestrante, que é renomado, que pelas palavras em si. Do contrário, haja vista tanta palestra com ótimos palestrantes que acontecem diariamente no Brasil, algum reflexo positivo veríamos disso.

Curiosamente, há pouco tempo um reconhecido historiador palestrante falava sobre a necessidade de nutrirmos nossas esperanças, confiarmos mais em nós mesmos, evitando idolatrar às pessoas, mas enxergando as mensagens como sugestões e aplicando-as em nossas próprias vidas. Ao término da palestra uma ouvinte aproximou-se e disse-lhe “Sr. Fulano, suas palavras mudaram a minha vida, a partir de agora seguirei tudo que você disser, onde você estiver eu farei questão de estar“. Ou seja, a pessoa não entendeu nada! Apegou-se, mais uma vez, a quem fala e não à coisa falada. Será que vivemos em uma sociedade que valoriza mais a ideia da coisa que a própria coisa em si?

Portanto, quando falo de legitimidade do discurso, quero destacar que muitas vezes selecionamos nossos palestrantes, apresentadores, “amigos”, “professores preferidos” apenas pelos títulos acadêmicos ou pelo prestígio social que eles carregam, mas pouco nos importamos em verificar se o conteúdo é verdadeiro, confiável, se o que é dito faz sentido real ou se a intenção do que é falado é positiva, despida de interesses sujos e egoístas. Precisamos treinar a nossa visão filosófica, necessitamos enxergar na neblina que vivemos. A quantas pessoas rejeitamos ou por quantas fomos rejeitados somente porque nelas ou em nós faltavam divisas de méritos e reconhecimento?

O meu Blog, por exemplo, embora seja simples, incipiente e insipiente, mesmo que fosse muito bem divulgado, poderia despontar de seguidores da noite para o dia caso eu recebesse o prêmio Nobel da Paz. Meu medo é que as pessoas passassem a acreditar em tudo que eu falo simplesmente porque seria nobel da Paz, e não porque o que eu dissesse faria ou não sentido. Mas, adianto, confesso que sou grato por cada seguidor e leitor do meu Blog! Não escrevo para multidões, sim para leitores atentos.

Então, fica a dica: a legitimidade do discurso pode até ser uma ferramenta de consulta rápida dos atributos de uma determinada pessoa que fala algo para nós, mas não deve ser por si só algo que valide a fala como um todo. Precisamos estar atentos ao que é dito, ativar o senso crítico é fundamental sempre. Como é evidente na imagem que compõe a capa dessa publicação, o conjunto de peças menores podem projetar uma sombra imponente e Real, mas não se deixe levar pela imagem da coisa, busque pela coisa em si!

Termino minha fala adicionando duas frases do Estrangeiro, daquele diálogo platônico referido anteriormente:

“[…] É que o sofista se acoita nas trevas do não ser, com cuja convivência já se familiarizou. A escuridão do meio é que torna difícil reconhecê-lo. Não é isso mesmo? […]”

“[…] Quanto ao filósofo, com a razão sempre aplicada à ideia do ser, em virtude mesmo do excesso de luz, não é também fácil de perceber. A alma da maioria dos homens carece de olhos capazes de se fixarem nas coisas divinas*. […]”

(*) entenda coisas “divinas” como de natureza não humana, mas metafísica.

 

#VocêJáParouParaPensar?

 

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Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

 


NOTA: A imagem utilizada para compor a capa dessa publicação foi obtida aqui.

O livro de Platão é este:

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Esse é um dos três livros que fazem parte do BOX “O essencial da Filosofia Grega“, da editora Hunter Books. Os demais livros são: “Apologia de Sócrates”, de Platão e “Poética e Tópicos I, II, III e IV”, de Aristóteles. (Foto autoral)