… dói…, aperta o desejo pela vida…, falta o ar para sonhar…, […] dói…, […] é como um nó na garganta… […] isso, num sábado melancólico, num dia cinza e com garoa lá fora […] sim, é como um nó na garganta […] no centro da cidade, pessoas consomem tudo que podem para ser aquilo que nunca foram e que jamais serão (aceitas por si mesmas)… compram roupas que as tornem mais na moda, cortam o cabelo para parecer gente, trabalham e fazem hora-extra para ser alguém na vida […] já numa casinha do subúrbio,  lá na cozinha, trocam-se risos e passa-se o café […] no quarto, um nó na garganta sufoca o resquício do que ele chamava de fé […] na cozinha, mais risadas e um “você quer mais amargo ou mais doce?” […] no quarto, ele, que tomou o “mais amargo” de si mesmo, pensa… pensa… tudo no silêncio… maldito nó na garganta… […] às vezes faz silêncio demais nos corações […] silêncio…, silêncios…, é um tumulto que ninguém ouve… […] um breu que ninguém desconfia…, parece até que o silêncio incomoda menos que o frenesi do mundo louco, que diz o tempo todo quem devemos ser, como e onde devemos viver…, nunca sendo nós mesmos, mas imitando a todo custo o outro […] na cozinha, as risadas continuam…, para o café, mais pó […] enquanto no quarto, arrocha-se o nó […] 14:02… notificação no celular… […] era o grupo da família…, ele gravou um vídeo de 2 minutos e 46 segundos… a legenda dizia “não deixem a mãe abrir a porta do quarto” […] um nó foi dado, primeiro na garganta e outro na esperança… só faltava… [..] em que ele pensava?… em sonhos, riquezas, bens materiais, sucesso profissional… em “uma vida inteira que poderia ter sido e que não foi“?… será que ele pensava isso? […] de repente, um alvoroço […] leram a mensagem […] “abra essa porta!”, gritava-se várias vezes… “vamos ter que arrombar”, diziam… kabum!… […] (gritos! gritos!) […] ele estava lá, numa cena triste, fria e cruel, quase anoiteceu…, mas a indesejada das gentes não foi tão rápida quanto a mensagem, nem tão forte quanto o chute na porta […] a garoa lá de fora passava, mas era dentro da casinha de subúrbio que a chuva engrossava […] muito choro mesmo […] pai e mãe se sentiam culpados por nunca haverem escutado o silêncio de desespero… irmãos se reuniram…, talvez para gritarem no vácuo […] o susto passou… mas o nó na garganta não […] “e se houver uma próxima vez?”, eu pensei […] quem abrirá a porta […] quem desatará o pior dos nós? […] quem desfará o nó na garganta? …eu não sei, só sei que dói […] dói […] … falta o ar para… sonhar.

 

#VocêJáParouParaPensar?

Até quando acreditaremos que tudo pode acontecer com qualquer pessoa, em qualquer lugar, mas nunca aqui e conosco? Hoje foi o um parente muito próximo de mim quem tentou suicídio. Mas, antes, ele tentou viver, tentou ser, tentou ter… nada se mostrou suficiente. Foram muitas conversas, muitas prosas bem feitas, muita coisa falada entre mim e ele. Mas ele achou que não estava resolvido assim. É triste constatar que eu não fiz o suficiente! Faltou algo. Ele tentou, na flor da idade, deixar de ser o que sempre pediram dele. [Felizmente] não foi dessa vez. Deu tempo. Mas o tempo não é fiel nem previsível. Hoje deu tempo (para ele)… para muitos outros, mundo afora, não. Tudo isso porque na mente dele não havia sequer um espacinho neste vasto mundo no qual ele pudesse se encaixar; um mundo tão grande e tão diverso não foi suficiente para acomodá-lo; “Não há vagas!”, diz a “consciência social”. Perseguimos incessantemente coisas que nos aproximam de um ideal que nunca construímos… é um sansara eterno, uma laço bem dado que nos faz acreditar que somos originais, mesmo imitando os imitadores. Até quando? Santa Hipocrisia, padroeira dos enganados! Até quando será exigido das pessoas apenas coisas? […] Quando escrevi um texto sobre o Suicídio, eu esperava por tudo, inclusive por casos na minha família. Mas seria mentira dizer que esperava que fosse hoje, assim, tão de repente, assim tão perto. Saber que isso é algo recorrente na nossa sociedade doentia e barulhenta não pode me causar outra coisa que não um forte nó na garganta… e ele dói, aperta e sufoca.

 

#VocêJáParouParaPensar?

 

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

 

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NOTA: A imagem utilizada para compor a capa dessa publicação foi obtida aqui.