“Mas que ouvidos são esses!”- exclamou sem demonstrar o espanto que as palavras intrinsecamente carregavam. “E você ainda me pergunta por que não entende o que te falam, ainda se incomoda por parecer-te as falas incompreensíveis! Mas que ouvidos… sujos!”

“Você nunca se perguntou se os sons que vagueiam pela sua mente são de fato os que vieram do ‘lá fora‘? Nunca te ocorreu que esses sons podem não ter entrado aí no momento exato que você supôs que eles entraram? Você acredita sempre no que ecoa na sua cabeça? Acredita? Sempre?”

“Mais! Como se consegue viver sem ao menos entender o que dizem as vozes exteriores? Quando você recebe um verbo, devolve com um advérbio! Quando te dão um substantivo, sua resposta é um adjetivo… Como é viver sempre às guardas de um escudo? Como é ser surdo com ouvidos tão grandes? Como é poder estar em contato e não participar de fato do que ao seu redor se desenrola? Como é isso? Isso tudo, para quê?”

_Veja bem! Suponho haver uma certa confusão aqui! Está, por acaso, trocando a minha história? Vim até você, como o faço todas as manhãs, e apenas mostrei-te meus ouvidos. Agora derrama sobre mim essas injúrias caluniosas, transformando-me num ser abjeto e que é incapaz de compreender a vida e as pessoas? Que fiz eu para merecer suas mágoas disfarçadas de perguntas? Peço-te que se explique! O que está havendo?

“Vês como é preciso sentir o toque para perceber o som? E nem fui eu que te toquei! De repente o que falei te tocou? Não entende que quem te toca é a sua própria introspecção, sua dor é que se incomoda com o seu próprio vazio, com suas flores que brotam à meia luz, com seus escombros que te servem de ombros, com o seu luto não iniciado que em sua mente se disfarça de um leito preparado?”

_ Entenda-me! Será que poderia ser mais nítida a sua prosa?

“Sim!”

_ Então!?

“Te custa perceber que ‘a minha voz e a voz de tantas outras pessoas ainda ecoam versos perplexos!‘ No entanto, te custa ainda mais saber o que diz a outra parte; te é enfadonho perceber o que toca atrás da música, o que soa atrás do choro e o que grita para além do silêncio. Isso te custaria o preço do seu egoísmo; seu narcisismo te devora quando nada mais há em ti que o alimente. Uma miséria chama outra miséria, um abismo chama outro abismo. Quem só ‘ouve’, ou morre de fome, ou morre engasgado.” 

_ […]

“Mas que ouvidos sujos! Você os limpa todos as manhãs, na minha frente; mas permanecem sujos, bem sujos, e, por serem desta forma, sujam as palavras que por eles passam – de modo que nada que você ouve te agrada, tudo parece… sujo demais para ser tocado por sua consciência. Você ouve tudo… sim, ouve! Ouve os sons como ninguém! Mas, se queres tanto saber, diga-me quando você limpará os seus ouvidos? De que vale ouvir tão bem se a nada é capaz de escutar?”

* * *

Quem ouvia saiu de frente do espelho… Aquele diálogo não estava ficando agradável em sua concepção. Será que ao menos quem se foi escutou algo?

 

*  *  *

vjppp

 

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

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NOTA: a imagem utilizada para compor a capa dessa publicação foi obtida aqui.