#27 – ouvir e escutar. A partir do momento em que nosso aparelho auditivo funciona biologicamente dentro de suas atividades esperadas é provável que possamos ouvir; e ouvimos músicas, sons de aves, o barulho da rua e as pessoas. Ouvir não é, em sua essência, algo que precisamos aprender; a partir do momento que temos as capacidades auditivas, podemos ouvir, e simplesmente o fazemos. Por outro lado, o escutar não é assim tão inerente à nossa existência, tampouco é uma ação passiva. Se por um lado a nossa comunicação oral-verbal depende, entre outras coisas, da nossa capacidade de ouvir, somos também induzidos/as a crer que o ouvir é suficiente para garantir a comunicação. Ainda, cremos que porque ouvimos, logo escutamos. E aí que reside o engano: escutar é uma ação ativa, que requer uma reinterpretação e, por que não, um ato que nos direciona a um caminho não necessariamente natural. O nosso esforço para escutar a outra pessoa que se comunica conosco requer um deslocamento do nosso entendimento, um silenciamento da nossa percepção geral sobre o mundo e sobre as coisas, um movimento que engloba o conteúdo percebido muito mais que o produzido pela recepção. Dessa forma, crer-se ouvinte não deve ser equivalente a crer-se como alguém que escuta. Então, quando escutamos, tentamos compreender quem fala pelo que é falado, não necessariamente apenas pelo que nosso conjunto de símbolos permite compreender em uma ação instantânea. Dito em outras palavras, se quando ouvimos apenas recebemos o que nos é dito e logo damos a isso uma forma que é particular e rápida, quando escutamos aplicamos filtros às nossas percepções; buscamos, antes de admitir como aceito o que ouvimos, separar as partes do que foi ouvido e, ao analisá-la, escurtamos o que está sendo dito. Escutar é não posicionar-se de imediato, é não consolidar sobre a fala alheia o nosso conhecimento simbólico de mundo; é compreender, sobretudo, as diferenças. Numa perspectiva óbvia, não se pode escutar alguém sem ser atravessado por todos as simbologias nas quais estamos imersos, bem como não é possível escutar sem que haja algum tipo de sinalização interna do que aquela fala escutada representa em quem a escuta. Entretanto, e aqui entra a diferença fundamental entre o ouvir e o escutar, quando escutamos damos um passo adiante no processo de comunicação; nele tenta-se ativamente compreender a fala recebida para além do que o nosso ato imediato de ouvir pode permitir. Se ouvir é receber o som, e no caso a fala alheia, escutar pode ser entendido como um movimento que caminha para a empatia auditiva, aquela que tenta se colocar no espaço da fala, no lugar da pessoa falante e, a partir disso, construir um entendimento que seja menos estereotipado e menos instantânea. Escutar envolve atenção. Toda pessoa que escuta, ouve; mas nem todas as que ouvem escutam na mesma intensidade. E para não encerrar a ideia, escuta-se em diferentes graus, pena que algumas pessoas escutam tão pouco (e essa talvez seja a maioria dos casos).

Sugestão de leitura poética: Ouvidos sujos.

*  *  *

vjppp

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

[ . . . ]

Use o espaço dos comentários para compartilhar também a sua opinião por aqui! Você já segue o Blog Devaneios Filosóficos? Aproveite e faça essa boa ação, siga o Blog e receba uma notificação sempre que um novo texto for publicado.
Conheça o meu canal no YouTube. #VocêJáParouParaPensar?


NOTA: a imagem utilizada para compor a capa dessa publicação foi obtida aqui.