Foi assim, chegando de repente
e ‘do nada’ já era ‘a gente’;
era pandemia…, coronavírus extravasando,
derrubando gente aqui, eliminando desejos acolá,
lotando hospitais e ceifando vários sonhos;

mas não era apenas sonhos que o vírus derrubava,
muitas pessoas se viram trancadas em seus cômodos frios;
aprisionadas na mesma cela que seus fantasmas;

indignadas por estarem ali,
presas sem terem cometido crime algum,
seus sentimentos viraram um quebra cabeça infernal,
mal lembravam qual era o desenho que se formaria no final;

[…]

mas ali, nas celas, atrás das grades invisíveis do isolamento,
no silêncio mais gritante que já foi capaz de escutar,
era ali, com seus fantasmas, que se deitava e acordava,
a dor da solidão afetava tanto aquele coração
que nem o poder químico era o bastante;

quiçá houvesse um remédio mais potente?
quiçá um entretenimento mais eficiente?
que curasse uma ferida então latente…

chamou de dependência o estar inseparável de suas emoções;
chamou de carência o medo de estar sozinha no cômodo frio;
tinha pavor de ali ficar,
de assim estar…

algo precisava acontecer,
mas o quê? quando? como?

a luz da ideia acendeu!
Mas não na cabeça, e sim na tela do smartphone…
Bzzzzzz…”
Foi quando olhando no catálogo de carnes escolheu aquela!
aquela que lhe pareceu mais desafiadora, de tão ‘diferente’,
selecionou, reservou o produto certo,
depois do trabalho foi buscar o objeto;

assim foi levando…
conversas,
cafés,
vinho,
risadas,
“amor””,
vacinas…
mentiras[?]

mas ainda era quarentena!
precisaria segurar a cruz a duras penas…
não conseguiu ficar só, embora tentasse o despache algumas vezes…

ao menos sua quarentena foi “atenuada” por uns meses,
seus dias tinham agora um distrator novo,
algo com o qual driblar o tédio das proibitividades;

obrigou-se a se fechar entre as duas casas,
já que não podia ser livre pela cidade;

depois que a pandemia atenuou,
a paixonite acabou,
como descartar o produto?
como explicar que foi só uma fase que… passou,
e que ellu não era mais útil,
que a enjoava?

pronto!


disse-lhe que precisava curtir a solitude (da qual sempre teve horror);
“sentimento de cobranças”,
“diagnóstico de abuso” que seu ‘chefe’ assinou,
desculpas!

a paixonite se foi com a pandemia…
acreditei que era de verdade…
não mais real que sua ânsia por liberdade!

“Eu te amo”
“Amo a sua companhia”
“Amo estar com você”
“Te amo de verdade”


Mas depois de programar o despache,
nunca mais se lembrou do descarte.

[…]

Bzzzzzz…”

[…]

* * *

Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

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