É como num jogo de imitações. Nele nascemos exímios imitadores, acreditando nas influências mesológicas como nossas melhores opções; tendemos a suportar e a defender ideias deterministas de que o meio nos modela e sobre nós age uma força que nos diz exatamente o que somos ou seremos; é uma força – como todas – invisível, mas que nos direciona rumo a incorporação da massa pela massa, do estagnatismo* pelo estagnatismo; da leseira pela leseira. Nessa miscigenação de costumes indecorosos e viciantes vence aquele que for mais capaz de abrir mão de seus desejos mais Humanos, profundos e solidários em troca de meia dúzia de honrarias entorpecentes que nos domina a mente e nos faz repetir como o fez à Gabriela: eu nasci assim, vou morrer assim“.

Nesse desacordo social, nessa inversão de valores e em tamanha ausência de questionamentos, em que só os grandes nomes da desfaçatez de espírito vencem com o poder que nós os damos, servem de pano as palavras de Euclides, podendo definir a cada um de nós, então alienados, como “[…] desgracioso, desengonçado, torto, Hércules Quasímodo, [que] reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos[…]“.

Quem somos nós na vida? Que propósito – se o há – faz com que acordemos dia após dia dizendo que precisamos estar dentro de uma normalidade estatística para que nos sintamos como pertencentes ao rebanho de seguidores de Teodósio I? Realmente precisamos fazer o que fazemos em troca das migalhas que nos oferecem em forma de status social? Queremos mesmo o título de nobreza oferecido para quem primeiro levantar a bandeira da imitação e, por isso, procrastinar seus mais íntimos desejos de humanidade? Somos mesmo os lobos uns dos outros? Fazemos o que fazemos por ser o mais Humano ou o mais humano? Somos conduzidos nas esteiras da sociedade para um lugar que nem é tão imprevisível assim, mas por que nela seguimos olhando somente para o nosso próprio umbigo Smartphone, e cuidando somente do que [não]nos pertence

Acreditam piamente que estamos cansados e, por isso, vencidos. Pensam que fomos dominados pelas insistentes pregações de morais incertas, de certezas vaporosas e de ditames que nos proíbem o pensar mais puro e característico de seres ditos racionais. Dizem que votaremos o mal pela pele de cordeiro que o disfarça, que aceitaremos o nosso espaço pelo que está feito há tempos, que nada pode ser mudado. Tudo isso porque acreditam que estamos vencidos pelo cansaço da luta.

“(…) esta aparência de cansaço ilude. Nada é mais surpreendedor do que vê-la desaparecer de improviso. Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se.”

[Os Sertões; E. C]

Nesse momento gritamos um grito inaudível de uma transformação silenciosa, mas que pode ser percebida por toda parte. Começa-se, então, uma mudança lenta e gradual, como numa crisálida que ontem era lagarta – vagarosa, e devoradora incansável de folhas, limitada por não poder voar -, mas que hoje se modifica por dentro como num rearranjo de dúvidas e respostas, de “sins” e de “nãos”, “dissos” e “daquilos“. A cessação dos costumes antigos assustam àqueles que não deram conta de seu potencial transformador; o recolher-se à reorganização de si mesmo parece assombrar aos que buscam unicamente pela manutenção da “ordem” que é caos, do “império” que é opressor e da “liberdade” que é cárcere. É um existencialismo que angustia até os mais fortes, mas que, silenciosamente, rompe-se num bater de asas e titilar de consciência que altera tudo que um dia foi concebido como “viver”.

Dá-se aí uma transmutação que encanta e que assusta; que enternece o próprio transmutado. Tudo é novo, tudo é amplo; o nosso casulo sequer nos cabe após a primeira rachadura. O que mais encanta é saber que, uma vez estiradas as asas, e voando de flor em flor, polinizamos ideias que se tornarão fecundas em outras flores… viajamos pelo éter da existência levando um pouco desse àquele; disso, àquilo. As crisálidas estão aí, espalhadas pelos arredores da vida; elas, que se transformam continuamente, sairão e polinizarão novas mentes. É como o grito de uma transformação silenciosa – ouve-se com o sentimento, sente-se com a consciência. Vive-se.

 

#VocêJáParouParaPensar?

 

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Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

 

 


Notas:

(*) Estagnatismo: neologismo meu para “ato de manter-se estagnado”.

As imagens utilizadas para compôr a capa dessa publicação foram obtidas aquiaqui.