#29 – brancogamia. É o comportamento e o discurso não necessariamente emergente desse século, mas certamente constituinte de uma prática que, baseada em mecanismos e dispositivos de colonialidade projetam nas relações afetivas padrões que são da branquitude. É Brancogamia quando se pretende igualar os afetos e suas vivências, homogeneizando as diferentes maneiras de experimentar os diferentes sentimentos que envolvem as relações situando a brancura e suas práticas como o centro de dispositivos. Quando se produz um discurso que supervaloriza a liberdade individual, a autonomia emocional e o autocuidado intransferível sem considerar que nem sempre são práticas possíveis para todos os diferentes grupos sociais, bem como quando quando se produz um modus operandi não monogâmico que institui essas praticas enquanto indispensáveis, isso é Brancogamia. Não se trata, todavia, de limitar o espaço de debates não-monogâmicos, pressupondo que deva haver uma maneira de dizer como vivenciar as experiências afetivas, muito menos que se trata de dizer quem pode ou não pode falar a respeito. Em vez disso, trata-se de observar que mecanismos historicamente adotados pela branquitude podem ser, e não raramente estão sendo, usados para se pretender um desenho do que é [ou do que deveria ser] a não-monogamia. Também não significa recortar o contexto e focalizar o olhar sobre os afetos sempre a partir de análises estruturais do sistema social, ou seja, com um olhar macro. Um olhar mais voltado para as individualidades, ou seja um olhar micro, é tão possível quanto legítimo, além de ser importante e necessário. Além disso, cabe ressaltar que nem toda pessoa branca que discute não-monogamia está produzindo e mantendo a Brancogamia. Assim como nem sempre a Brancogamia terá por porta-voz a pessoa branca, uma vez que ela pode ser [re]produzida por pessoas não-brancas. E aqui há que se atentar para um detalhe importante que merece ser [re]posto como ênfase: a Brancogamia é sobre (I) se pretender homogeneizar os afetos a partir daquilo que o racismo estrutural já faz em todas as esferas sociais: que é agir destacando a brancura enquanto modelo universal e (II) é sobre não problematizar os diferentes percursos afetivos e suas produções nos e dos sujeitos que não se incluem na vivência branca, ou seja, é sobre manter uma perspectiva colonialista que elimina material e subjetivamente as diferenças de cada grupo social dentro de um relacionamento em prol do que é possível ao ser branco. Por exemplo, é Brancogamia quando não se entende [ou se nega] o conceito de comunidade, de afeto presencial, tempo e de modos de cuidado, de escuta e das questões de classe e nitidamente de raça que, inevitavelmente interferem no modo como as pessoas vivenciam, experimentam, demandam e expressam seus afetos e suas emoções. Quem ama a travesti? Quem ama a pessoa negra? Quem ama a pessoa indígena? Quem ama a pessoa gorda? Quem ama a pessoa com deficiência? Quem enxerga a pessoa amarela sem rotulá-la de “exótica”? Quem percebe a assexualidade enquanto uma expressão de sexualidade e de afeto? Quem olha para a periferia e percebe que a materialidade cotidiana é diferente daquela dos centros urbanos e que isso implica percursos afetivos diferentes? Quem? Portanto, a Brancogamia, embora destaque o comportamento branco, e portanto a ação da branquitude, diz respeito a um modo de construção afetiva amparado pelas dinâmicas do racismo, associadas intrinsecamente ao modo de colonizar afetos que incluem e transpassam a racialização. E essas dinâmicas precisam ser revistas, problematizadas e desconstruídas. Há que mexer na ferida, e, se precisar, que nela joguemos álcool; ela não pode ficar aberta assim por tanto tempo. Ferida aberta e não cuidada atrai moscas, e as moscas estão por aí sobrevoando os afetos machucados, infestando-os das larvas do racismo.

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UM NOTA: Brancogamia” é um termo o qual ainda não escutei nem li em outra parte. Apesar disso, não o afirmo como sendo um termo cunhado originalmente por mim; mas o ponho como um conceito que está presente de modo mais ampliado – embora sem esse nome especificamente – no texto Quando a branquitude contamina as narrativas não-monogâmica. De toda maneira, também não rejeito essa possibilidade de autoria, mesmo sabendo que de nada isso importa na prática da compreensão e da necessária problematização de um discurso como esse. Cabe ainda dizer que, para além de haver ou não o termo “Brancogamia”, existe sim a discussão sobre a supremacia branca dentro dos relacionamentos poliamorosos, sobretudo relacionamentos interraciais (como sugestão de texto sobre relacionamentos interraciais, indico “A Psicologia da “PALMITAGEM”: O Racismo, As Relações Interraciais & A Descolonização dos Afetos“).

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Andreone T. Medrado
Devaneios Filosóficos

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NOTA II: a imagem utilizada para confeccionar a capa dessa publicação foi obtida aqui.